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3 FEDERALISMO E REGIÕES METROPOLITANAS: O DILEMA DA COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL

4. AS REGIÕES METROPOLITANAS PAULISTAS

4.2 Caracterização Geral da Região Metropolitana de São Paulo

4.2.1 A Região do Grande ABC

A área geográfica onde se localiza o Grande ABC faz parte da porção Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo e é composta pelos seguintes municípios: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Tabela 3 – População e Densidade Demográfica em 1999: municípios do Grande ABC

Município População Densidade Demográfica

Santo André 629.700 3.479

São Bernardo do Campo 715.222 1.740

São Caetano do Sul 135.585 11.299

Mauá 371.055 5.538

Diadema 333.207 10.413

Ribeirão Pires 104.963 981

Rio Grande da Serra. 37.649 1.214

Sua população atual é superior a 2,2 milhões de habitantes (Tabela 3) em uma área geográfica de 842 Km2 (IBGE, Censo, 1996 – Contagem da População). As densidades demográficas são altas. Por meio de dados da EMPLASA, Klink (2001, p. 91) registra que as densidades médias nos municípios de Diadema e São Caetano do Sul são superiores a 10.000 habitantes por km², enquanto a média da Grande São Paulo situa-se em 2.027 hab/km².

No aspecto econômico, apesar da crise econômica nacional e de crises econômicas de âmbito local, a região ainda responde por 22,8% da atividade industrial da RMSP, 13,8% do Estado de São Paulo e 7% do Brasil. Sua renda per capta em 1999 era de US$ 13.054, muito superior a média nacional de US$ 3.620 (ABRUCIO & SOARES, 2001). A Região do ABC também é considerada o quarto maior mercado consumidor do país, atrás, apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

A formação do espaço regional do Grande ABC está diretamente relacionada ao processo de industrialização paulista nas décadas de 50 a 70 e às transformações ocorridas na Capital no seu processo de metropolização. Como todo o processo de urbanização no Brasil, o crescimento do ABC, com a chegada das indústrias, se deu de forma bastante desordenada e concentradora, sem preocupação com as externalidades ambientais. Nos últimos anos, a região vem passando por inúmeras transformações decorrentes da reestruturação industrial, diminuição dos postos de trabalho, fuga de indústrias para outras localidades, entre outras.

Segundo Klink (2001) a formação do espaço regional do ABC não pode ser dissociada da industrialização paulista e do papel primordial desempenhado pela Capital. Na fase pré-metropolitana, no período de 1870-1872, a cidade de São Paulo vinha se tornando a metrópole do café. O período de 1915-1940 marcou o início da metropolização. Seu surgimento foi marcado pela implantação da estrada de ferro Santos-Jundiaí em 1867, interligando a capital ao Porto de Santos, o que provocou o aparecimento dos núcleos populacionais de Santo André, São Caetano e Ribeirão Pires. No final da década de 20, ocorre a transição do modelo agroexportador para um novo modelo, baseado na integração mercantil.

No entanto, a urbanização ocorre na década de 1940, quando são dados fortes impulsos a setores industriais como o automobilístico e seus derivados, metal- mecânico, de máquinas e equipamentos, com o Estado de São Paulo concentrando a maior parte destes investimentos no país. Com a inauguração da rodovia Anchieta em

1947 e a predominância do transporte rodoviário sobre o ferroviário, o eixo de desenvolvimento desloca-se para São Bernardo e Diadema, onde, concentraram-se principalmente indústrias ligadas ao setor automotivo, como conseqüência da instalação de montadoras de veículos. A partir da década de 70 foi inaugurada a Rodovia Imigrantes, ligando São Paulo ao Porto de Santos, o que contribui ainda mais para o desenvolvimento do Grande ABC, bem como é desenvolvido o Pólo Petroquímico entre os municípios de Mauá e Santo André, e que, por sua vez, acabaria impulsionando uma cadeia no setor de plásticos com indústrias também em Diadema e São Bernardo do Campo.

Tal concentração industrial foi conseqüência da proximidade de São Paulo, maior mercado consumidor e do Porto de Santos, maior porto exportador do país, além das citadas rodovias e da disponibilidade de áreas para a instalação do parque industrial.

Durante o processo de industrialização, houve uma intensa migração, notadamente de italianos, que “naquele momento trazia uma cultura de trabalho industrial e criando um movimento sindical, já naquela oportunidade, forte” (DANIEL, 2001, p. 222). Em seguida, há também intensa migração interna, principalmente de Minas Gerais e do Nordeste, o que acarreta uma cultura diferenciada de trabalho e “consolidando cada vez mais a gestação do chamado novo sindicalismo, a partir desta nova base metalúrgica da indústria pesada que se implanta na região” (DANIEL, 2001, p. 223).

A identidade regional do ABC não foi construída somente a partir do processo de industrialização, mas por fatores sociais, culturais e políticos. A região foi palco e espaço de afirmação de novos sujeitos políticos. A região igualmente foi o nascedouro de um movimento sindical vigoroso a partir do final da década passada, que teve papel preponderante no processo de redemocratização brasileira, tornando o ABC conhecido pelas greves dos trabalhadores na busca de melhores condições de trabalho, pela intensa repressão militar nas ruas e pela luta contra a ditadura, o que permitiu a criação do Partido dos Trabalhadores.

No aspecto geográfico, a identidade regional é também conseqüência do fato de 56% do território da Região estar localizado em áreas de mananciais e de proteção ambiental, como o Parque Estadual da Serra do Mar. A bacia da represa Billings é um ponto comum regional, dado que apenas o município de São Caetano não possui área de manancial em seu território. Isto representa um aspecto limitador para a ocupação econômica e populacional e tem se tornado problema para as municipalidades,

já que estas áreas se transformaram em alvo de invasão e ocupação desordenada, destino de populações excluídas socialmente de toda a Região Metropolitana de São Paulo. Dados recentes estimam que em torno de 700 mil habitantes estejam vivendo na represa Billings, sendo a maioria em favelas e sem sistema de saneamento básico, causando a degradação da água, consumida por mais de 12 milhões de pessoas na RMSP.

A importância da questão ambiental na formação da identidade regional do ABC é responsável também pela experiência precursora de associação municipal na década de 60, com a formação da Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição do Ar e da Água (CIPA) e outras experiências consorciativas, conforme veremos adiante.

A partir da década de 80, a região começou a perder participação no cenário nacional com desaceleração do crescimento industrial e conseqüente desemprego. Houve também uma diminuição significativa de novos investimentos produtivos na região. A partir da década de 90, uma crise econômica, causada pela reestruturação produtiva e pelas mudanças tecnológicas no plano mundial, acirrou a competição entre empresas capitalistas, criando, assim novas formas de organização empresarial, tecnologias e relações de trabalho que levaram ao colapso do modelo fordista. (DANIEL, 2001).

O ABC, dado o seu pioneirismo na industrialização começou a sentir mais cedo a obsolescência do seu parque industrial, além da crise econômica nacional dos anos 80. Segundo Francisco Albuquerque (2001), a forma como se manifestou a crise no ABC tem características próprias, dada a forte concentração da indústria brasileira no entorno de São Paulo, fazendo com que a região sinta mais fortemente o choque. Os problemas acentuaram-se nos anos 1990, com a política macroeconômica predominante no Governo Federal baseada na abertura às importações e elevadas taxas de juros.

Porém, como bem alerta Jeroen Johannes Klink, com o modelo industrial construído, dependente do capital estrangeiro, a economia regional assumiu traços de um sistema industrial hierárquico e fragmentado, deixando a economia do ABC vulnerável aos choques exógenos associados às cadeias automobilística e petroquímica em nível mundial (KLINK, 2001).

O processo de desconcentração e interiorização da atividade econômica e da população no território do Estado de São Paulo refletiu-se na redução da participação regional no valor adicionado e no emprego gerado no estado. Muitas empresas migraram para outras cidades do Estado ou para outros estados. As que sobraram tiveram que se adaptar ao novo modelo de produção industrial, remodelando plantas de

produção, realocando pessoal, ou até mesmo fechando setores inteiros. Tal política resultou em forte desemprego.

A região estava marcada pela imagem do chamado “custo ABC”, ocasionado, como bem ressalta Jacobi (2000), pela combinação de altos salários (comparativamente com os de outras regiões do país), sindicalismo combativo, pela escassez de espaços físicos, valores da terra em ascensão e pela ausência de incentivos governamentais, que teriam elevado o custo de produção de empresas instaladas na região.

Em 1999, a taxa de desemprego atingiu seu ápice, alcançando a casa dos 23%, o que foi minimizado em 2000. Nesse ano de 1999, a participação do PIB industrial da região registrou uma queda de 9% na sua participação no PIB industrial nacional e a massa de rendimentos da população registrou redução recorde. Em 10 anos (1991-2001) foram perdidos mais 120 mil empregos e a taxa de desemprego atual, segundo pesquisa realizada por PED/Seade-Dieese24, atinge patamares de 18%, superando a taxa da Região Metropolitana de São Paulo (PAMPLONA, 2001).

A crise somente foi minimizada graças ao crescimento do comércio e dos serviços, bem como pelo aparecimento de pequenas e médias empresas, muitas delas são resultado da terceirização realizada pelas grandes empresas. No entanto, tal processo também não foi suficiente para absorver toda a mão-de-obra ociosa, a qual não possuía perfil para esses setores, dada a cultura de fábrica do ABC. Assim, além da manutenção da alta taxa de desemprego na região, houve queda nos salários, redução ou inexistência de benefícios como assistência médica, vale-transporte entre outros e aumento da carga horária comparativamente a jornada fabril, como mostram os dados da Pesquisa Emprego e Desemprego (PED), realizada pela Fundação Seade, Agência do Grande ABC e DIEESE. Segundo Jeroen Klink:

Os dados sobre a reestruturação produtiva no decorrer da década de 1990 mostraram as duas faces de uma mesma moeda. Por um lado, o quadro de grandes oscilações macroeconômicas e o conseqüente cenário de incertezas a respeito da sustentabilidade da recuperação da atividade econômica fez com que as empresas implementassem uma série de estratégias de reestruturação no sentido defensivo, refletido na desativação de linhas de produção, na redução do número de produtos

24 A Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC contratou extensão da amostra da PED - Pesquisa

de Emprego e Desemprego para análises regionais, junto a SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

e, por último, na substituição da produção doméstica por importações. O resultado líquido desses ajustes foi a dramática redução dos postos de trabalho. Por outro lado, as empresas iniciaram um processo de modernização da gestão buscando mais qualidade, flexibilidade nos seus processos produtivos, refletidos nas estratégias de just in time, de produção flexível em células de qualidade total. (KLINK, 2001, p. 172).

A indiscutível crise econômica iniciou um movimento de reação regional em busca de uma solução para o problema. Reforçada pela conjuntura nacional de descentralização e aumento das atribuições de âmbito local num momento de crença no municipalismo, a identidade regional impulsiona o surgimento da idéia de associação intermunicipal no ABC (DANIEL; KLINK, 1999, 2001).

O contexto político recente do ABC ajuda a entender a trajetória das experiências regionais. Para Fernando Abrucio e Márcia Soares (2001), quatro períodos podem ser destacados, os quais estão diretamente relacionados com as mudanças políticas nas prefeituras:

1. Mandato 1989-1992: surgimento em 1990 da primeira experiência de cooperação regional, o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings;

2. Mandato 1933-1996: refluxo do modelo cooperativo, pois os prefeitos eleitos procuraram esvaziar o Consórcio. No entanto, houve o nascimento do Fórum da Cidadania em 1995, fruto da reação da sociedade civil contra o enfraquecimento dos mecanismos associativos;

3. Mandato 1997-2000: criação de novos caminhos de cooperação intergovernamental, a Câmara Regional do Grande ABC (1997) e a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC (1999); 4. Mandato 2001-2004: desafio de superar alguns obstáculos e

fortalecer a experiência regional ().

Um marco para o início desta articulação regional foi a componente político-partidária resultante das eleições municipais de 1988, onde foram eleitos, para assumir o mandato 1989-1992, prefeitos de um mesmo partido – o Partido dos Trabalhadores (PT) – para três cidades da região (ABRUCIO & SOARES, 2001; MELO, 2001).

Os atores do ABC, como empresas, sindicatos, trabalhadores, sociedade civil e governos municipais, não estavam preocupados com o futuro, pois a lógica que predominava era a do individualismo e da competição. As crises de 80 e 90 ensinaram na prática os efeitos perversos de um crescimento econômico desordenado e descoordenado, que gerou várias externalidades, e o valor do desenvolvimento sustentado e da cooperação regional (ABRUCIO & SOARES, 2001, p. 148).

Concluindo, podemos dizer que a região do Grande ABC passou por grandes transformações nas últimas décadas. Houve nesse período três grandes ciclos. A fase desenvolvimentista esteve associada aos investimentos estrangeiros e às montadoras de veículos. Seguiu-se a ela um período de amadurecimento, quando a região tornou-se centro do complexo metal-mecânico brasileiro. Na terceira e última fase ocorreu a reestruturação produtiva, a partir da introdução de intensas inovações tecnológicas em processos e produtos. Nos últimos três anos o complexo químico- petroquímico do ABC apresentou a maior participação relativa na arrecadação do ICMS e tornou-se a principal atividade econômica do ABC, enquanto o setor metal-mecânico manteve-se como a segunda maior atividade econômica da região.

Tal fato tem uma explicação técnica e outra política. O setor químico- petroquímico é seletivo em mão-de-obra, mas farto em geração de valor adicionado, que se traduz em carga maior de impostos para os municípios diretamente envolvidos. No entanto, o Pólo Petroquímico de Capuava, representado pela empresa Petroquímica União, empresa nuclear de toda a cadeia plástica na região e fonte da riqueza tributária de Santo André e de Mauá não podia expandir-se, já que a Lei 1.1817/7825 restringia a ampliação e a criação de novas indústrias na Grande São Paulo. Isto significava que o Grande ABC estava perdendo a disputa para os pólos da Copene (BA) e Copesul (RS). O então prefeito Celso Daniel já lutava pelo fortalecimento da cadeia produtiva do setor, que continuou através da Câmara Setorial do Grande ABC - que discute o pólo petroquímico. Assim, conseguiu-se aprovar uma mudança na legislação, via Assembléia Legislativa, e sancionada pelo governador Alckmin, favorecendo o pólo petroquímico.

Por outro lado revela a importância da participação deste setor na composição das instituições regionais do Grande ABC e a força política das decisões conjuntas (União e Estado de São Paulo). Poderia explicar também o interesse do setor automobilístico em participar destas instâncias depois de tê-las abandonado.

No entanto, não é setor industrial hoje o maior empregador da Região do ABC, mas o setor de serviços e comércio. Dados da RAIS 2003 mostram que este último setor representa 52,64% da força de trabalho, contra 36,98% da indústria de transformação.

No próximo capítulo veremos como a articulação regional, para fazer frente à crise, impulsionou a aproximação dos atores locais para a solução de problemas comuns.