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3 FEDERALISMO E REGIÕES METROPOLITANAS: O DILEMA DA COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL

3.1 O processo de Urbanização no Brasil

A urbanização brasileira tem como ponto de partida as profundas transformações ocorridas na sociedade brasileira a partir da década de 30, com destaque para o processo de industrialização, que estimulou um significativo fluxo migratório para algumas áreas geográficas do Brasil. Até o início do século XX em torno de 90% da população brasileira vivia em áreas rurais, terminado este século com uma situação inversa, ou seja, com mais de 80% da população vivendo em cidades, o que caracteriza o Brasil, a despeito de sua enorme dimensão territorial, como um país fortemente urbanizado.

A grande concentração populacional é traço marcante das Regiões Metropolitanas. Em 1996, somente as dez Regiões Metropolitanas legalmente instituídas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) reuniam 47.298.604 habitantes, o que correspondia a 30,11% da população nacional (IBGE, Contagem da População de 1996. in AZEVEDO & GUIA, 2000, p. 525).

O grande número de municípios, onde coexistem governos diferenciados numa mesma área conurbada, é também característica das Regiões Metropolitanas. Segundo estudo de Meyer et al (2001), doze metrópoles concentram quase 34% da população e envolvem 200 municípios, assim distribuídos: São Paulo (39 municípios); Rio de Janeiro (21 municípios); Salvador (11 municípios); Belo Horizonte (25 municípios); Fortaleza (11 municípios); Brasília (10 municípios); Curitiba (16 municípios); Recife (16 municípios); Porto Alegre (24 municípios); Belém (4 municípios); Goiânia (6 municípios); e Campinas (17 municípios). Pode-se acrescentar ainda a Região Metropolitana de Vitória, com seis municípios, não incluída nesse estudo.

Os dados do Censo Demográfico de 2000 apontam 13 municípios com mais de um milhão de habitantes, os quais respondem por 20% dos 169,8 milhões de pessoas recenseadas. Trinta e um municípios com mais de 500 mil habitantes concentram 47 milhões de pessoas, quase 30% do montante nacional. Outro dado mostra que 42%, ou seja, três em cada sete brasileiros residem nos territórios constituídos pelas Regiões

Metropolitanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDES), distribuídas por 16 Estados.

Em todas as cidades metropolitanas, o padrão de expansão da área urbana assumiu características semelhantes, qual seja, não resultou de determinações de projetos articulados visando à extensão da cidade com a vinculação a incorporação de novas áreas à oferta de infra-estrutura, transporte, saneamento e equipamentos sociais, nem desenvolvimento econômico, com municípios periféricos como cidades- dormitório. Meyer et al (2001), destaca o acentuado crescimento da população residente em favelas nas RMs durante a década de 1980, principalmente em Belém, Recife, Curitiba e São Paulo, verificando um agravamento das condições de moradia nessas regiões.

São, assim, regiões onde ocorrem inúmeros problemas comuns aos municípios que, necessariamente, exigem uma ação compartilhada. Entretanto, do ponto de vista institucional, “as Regiões Metropolitanas no Brasil enfrentam sérios impasses referentes aos seus mecanismos de gestão” (AZEVEDO&GUIA, 2000, p. 526).

Desde o início do século XX, o processo de industrialização e urbanização vem experimentando profundas transformações no Brasil. No que se refere ao sistema federativo brasileiro e ao desenvolvimento regional, os governos transitaram desde o período colonial entre duas tendências contraditórias: ora centralismo autoritário, ora mandonismo local (CAMARGO, 1993). Foi entre estes períodos de centralização- descentralização que se expandiu a industrialização e se consolidou um mercado interno. Isso transformou a base produtiva, as representações sociais e políticas e propiciou o surgimento de áreas conurbadas, metrópoles e Regiões Metropolitanas. De acordo com Cano (1985) a transformação das economias regionais ao longo deste século é periodizada da seguinte maneira:

• Inicia-se com o processo de articulação comercial, gestado no decurso da industrialização e da consolidação do mercado interno a partir dos anos 30, com concentração da indústria na região Sudeste e a superação do caráter insular dos espaços econômicos regionais pelo aumento das trocas intra-regionais e pelo desenvolvimento de um mercado inter-regional para colocação de excedentes;

• Prossegue com o processo de integração produtiva desencadeada a partir dos anos 60, cuja principal característica é a ampliação dos fluxos inter-regionais de capitais privados e estatais, que criam um

espaço de acumulação mais amplo. Os investimentos ultrapassam a região Sudeste e contribuem para o aumento do fluxo inter-regional de capital produtivo;

• Evolui, a partir da década de 70, com o processo de inserção na economia internacional, aprofundado a partir da necessidade de o país gerar excedentes comerciais e equilibrar o balanço de pagamentos. Esse processo teve fortes impactos na economia industrial da região Sudeste, na modernização da agricultura no Sul e no Centro-Oeste, e no desenvolvimento de complexos extrativos na região Norte.

A década dos 80 caracterizou-se por profunda crise recessiva, com baixos índices de crescimento do PIB, o mesmo ocorrendo em quase toda a década de 90, agora como produto do processo de ajuste estrutural do País (recessão, desemprego, aumento da concentração de renda, problemática urbana e forte exclusão social). O legado desse processo de industrialização concentrador é uma enorme desigualdade econômica e populacional entre as macrorregiões brasileiras, concentrando o desenvolvimento excessivamente nas cidades da região Sudeste e causando instabilidade no cenário federativo brasileiro.

O caráter tardio e concentrador do processo de industrialização e a atração populacional resultante, por sua vez, intensificou os fluxos migratórios campo-cidade produzindo cidades com alta densidade demográfica em um território submetido a diversas administrações municipais. O contingente populacional atraído sem políticas urbanas efetivas resultou no aumento vertiginoso da demanda por infraestrutura e no agravamento dos problemas sociais.

Por fim, outro aspecto que singulariza a experiência de metropolização brasileira se refere ao seu processo de institucionalização. É o que veremos na próxima sessão.