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2 FEDERALISMO E COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL

2.3 RIGs e Federalismo Cooperativo e Competitivo

Esta seção tem por objetivo mostrar, teoricamente, os modelos típicos ideais de relacionamento intergovernamental. É nesse campo que se encontra, hoje, um dos temas mais importantes do federalismo, embora as explicações dos pesquisadores para os problemas da ação coletiva também tenham recaído sobre tópicos como sistemas de governo, sistemas eleitorais e partidários, o aparelho burocrático estatal e formas de inter-relacionamento do Estado com a sociedade. No entanto, cabe aqui mostrar que a coordenação de políticas públicas depende de como estão estruturadas as relações intergovernamentais.

Embora as relações verticais na Federação brasileira sejam caracterizadas pela independência - autonomia política e fiscal dos governos estaduais e municipais – o nosso formato federativo acabou produzindo desigualdades territoriais e superposições de ações impondo limites à coordenação nacional de políticas públicas.

Para Celina Souza (2003), devido às escolhas feitas pelos constituintes de 1988 sobre o formato político-institucional das Regiões Metropolitanas, o tema das relações intergovernamentais (RIGs) passa a ter grande relevância para a discussão de políticas metropolitanas. Da mesma, Fernando Abrucio (2000) afirma que o funcionamento de uma Federação depende de algo mais do que suas instituições básicas; depende das relações intergovernamentais, que por sua vez estão ligadas ao desenho institucional e de como os entes federativos operam, ou seja, em termos típicos ideais temos dois modos de atuação: um competitivo (federalismo interestatal) e outro cooperativo (federalismo intra-estatal). Isto ocorre nas Federações pelo fato dos estados constituintes criarem um novo jogador, o Governo Federal, igualmente soberano e autônomo (ABRUCIO, 2001). Sendo a natureza do federalismo e do pacto conflitiva é preciso encontrar uma solução de equilíbrio.

Tomando uma escala com vértices extremos, a competição e a cooperação no federalismo, na ponta competitiva situa-se a concepção federativa de Thomas Dye11, que enfatiza a competição como forma de potencializar a ação dos atores federativos. O pressuposto é que a competição aumenta o controle sobre o poder e melhora a prestação dos serviços públicos, sobretudo nas esferas estadual e municipal, onde os efeitos do ambiente competitivo são o incentivo à inovação e a novas formas de gestão, com conseqüente ampliação da responsividade do sistema. Esta concepção valoriza os governos locais como eixos centrais da estrutura federativa, somada a uma visão negativa da União, cuja atuação deveria ser a mais reduzida possível. A preocupação de Dye é com o monopólio do poder consubstanciado na centralização na esfera federal. Seus méritos seriam evitar centralizações de caráter autoritário, desfavorecer o paternalismo e incentivar a inovação governamental e a melhoria dos serviços públicos prestados aos cidadãos. Também teria conseqüências favoráveis à manutenção da autonomia e à diferenciação dos papéis de cada ente federativo ao evitar o “entrelaçamento excessivo”. No modelo de Dye, a competição entre os entes pressupõe que os custos de suas decisões não podem ser repassados para outros entes de governo.

Como desvantagens, o modelo competitivo levado ao extremo inibe a cooperação e aumenta as desigualdades de alocação de recursos na Federação e não garante a equidade. O estabelecimento de relações predatórias entre os níveis de governo, no caso brasileiro, tem levado a um jogo de soma zero, com exemplos de “free riders” e guerra fiscal. Abrucio & Ferreira Costa (1999) observam que, quanto mais heterogêneo o país, mais difícil é a adoção de um federalismo competitivo puro, pois isto levaria ao aumento das desigualdades na alocação dos recursos na federação, sem garantia de eqüidade.

Do lado oposto a Dye situam-se os defensores do federalismo cooperativo, notadamente o jurista Bernard Schwartz12. A valorização de mecanismos cooperativos dentro de uma Federação caracteriza outro modelo, no qual procura estabelecer mecanismos que garantam ações conjuntas nas políticas, com a representação e participação de todos os atores federativos. O modelo cooperativo, defendido por Bernard Schwartz, enfatiza o papel positivo do Governo Federal, o que não significa centralização, mas a compatibilização de diferentes tarefas nos diferentes níveis de

11 DYE (1990). American Federalism: Competition Among Governments. Massachusetts: Lexington

Books.

governo. A descentralização também pode exigir mais centralização e mais habilidades políticas ao nível nacional. Sua premissa é compartilhar tarefas de forma que haja uma mistura entre as atividades dos níveis de governo. A difusão do poder seria a salvaguarda contra concentrações indevidas. Contudo, o modelo cooperativo é criticado por construir a cooperação por vezes apenas no âmbito vertical, resultando mais em subordinação que em autonomia das esferas subnacionais.

Uma outra linha de federalismo cooperativo é a escola do federalismo fiscal, cujos principais defensores são Richard Musgrave (1969) e Wallace Oates (1972). Tal escola apregoa que as competências dos entes federativos devem ser muito bem definidas e que deve haver um rígido controle dos gastos (responsabilidade fiscal orientada), de forma a evitar a produção de déficits e desequilíbrios nas contas públicas. O federalismo fiscal é o que mais tem acentuado o aspecto vertical da cooperação, buscando frear o comportamento predatório e irresponsável dos governos nacionais no plano financeiro. Uma das críticas é que este tipo de controle ignora que o jogo político é marcado por negociações e acordos, de forma que o federalismo fiscal acaba por sustentar-se exclusivamente em uma concepção tecnocrática.

Num ponto ao centro dos extremos abordados, situa-se Daniel Elazar (1993), cuja orientação aponta que o sucesso do sistema federativo não está na adoção de um ou outro modelo, e sim em uma combinação que resulte em equilíbrio entre competição e cooperação, com mecanismos e instituições que garantam a manifestação do pluralismo, coordenando os arranjos contratuais de sustentação das negociações e barganhas entre os entes federativos. Como afirma o autor “[...] todo sistema federal, para ser bem sucedido, deve desenvolver um equilíbrio adequado entre cooperação e competição, e entre governo central e seus componentes”. (ELAZAR, 1993, p.193).

Outros autores como Burgess (1993) defendem a busca de um equilíbrio entre os dois modelos, o que parece ser o mais adequado ao federalismo brasileiro, já que nossa experiência com o modelo autoritário e centralizador redundou em formas de clientelismo, imobilismo e no crescimento das desigualdades sociais.

Comparando-se a origem do federalismo nos EUA e no Brasil, verificamos que a federação brasileira nasceu de uma forma totalmente diferente da norte- americana, partindo de um Estado único e centralizado para um modelo descentralizador de poder e foi motivado apenas pelo desejo de maior autonomia por parte dos estados (ABRUCIO, 1998; 2000). Da mesma forma afirma Celina Souza:

O federalismo brasileiro enquanto instituição tem sido moldado por arranjos políticos e territoriais construídos ao longo de nossa história. Estes arranjos se refletiram em cada uma das constituições brasileiras, mostrando que as relações federativas têm se movido através de um

continuum, que saiu de um federalismo ‘isolado’ dos primeiros anos

republicanos para a centralização nos regimes autoritários, até chegar à sua atual configuração, onde o poder entre os entes constitutivos da federação e das instituições a eles relacionado encontra-se mais equilibrado. (SOUZA, 2003, p. 143).

Ao longo de nossa história essa assimetria levou a formação de várias coalizões de estados contra estados (até mesmo revoltas armadas). Pior, no caso brasileiro as relações entre estados não tem sido marcadas pela prática democrática, tal qual estabelecem os princípios federativos.

Portanto, na relação dos estados entre si, vigorou um jogo de competição não cooperativa (ABRUCIO, 2000). Uma das razões é que a Federação se tornou multipolar, isto é, há um maior equilíbrio entre os estados, resultado da desconcentração econômica e da composição do Congresso Nacional. Entretanto, permanece a grande desigualdade no país e, portanto, não há simetria entre os entes federativos (ideal do federalismo americano). Paradoxalmente, há uma situação em que convivem a multipolaridade e uma Federação desigual (ABRUCIO & COSTA, 1998). Tal combinação potencializa ainda mais a competição não cooperativa.

A falta de instituições adequadas para coordenar a competição é outro fator que também contribui para essa situação. Não há regras institucionais que incentivem a cooperação entre estados. Entre os municípios também vigora a mesma lógica. Segundo Abrucio & Soares (2001), a obtenção de um equilíbrio entre cooperação e competição depende da constituição de redes federativas, isto é, da criação de instituições, políticas e práticas intergovernamentais que reforcem os laços de parceria entre os entes, sem que se percam o pluralismo e a autonomia característicos da estrutura federativa.

Além de democrático, o sistema federativo bem sucedido será aquele que tornar mais republicana a esfera pública. Os locais por excelência do aprendizado republicano são o poder local e o nível estadual. É este o ponto fundamental que leva um arranjo federativo ao sucesso, uma vez que tanto a classe política como os cidadãos têm seus processos de socialização política realizados nos níveis subnacionais de governo. (ABRUCIO, 1998, p.28).

Sistemas políticos federais são baseados em teorias políticas e sociais sobre o federalismo, as quais buscam explicar, entre outras coisas, as relações que se estabelecem entre os entes constitutivos da Federação (SOUZA, 2003). A literatura comparada contemporânea considera que as características institucionais dos estados federados operam no sentido de restringir as possibilidades de mudança do status quo e que a natureza das relações vertical e horizontal em estados federativos dispersa a autoridade política e potencializar o poder de veto das minorias, ou seja, a maioria dos estudos enfatiza o poder de veto dos governos subnacionais no federalismo brasileiro (ABRUCIO, 1998; STEPAN, 1999).

Para Arretche (1999), em estados federativos com sistema partidário competitivo, o controle de postos no Executivo e nas agências de governo constitui importante recurso institucional das partes em disputa, o que implica dizer que tais sistemas tendem a estimular conflitos intergovernamentais e ainda:

Estados federativos e competição eleitoral engendram barganhas federativas, pelo qual cada nível de governo pretende transferir a outra administração a maior parte dos custos políticos e financeiros da gestão das políticas e reservar para si a maior parte dos benefícios dela derivados. (ARRETCHE, 1999, p.115).

A adesão dos governos locais à transferência de atribuições depende diretamente de um cálculo no qual são considerados, de um lado, os custos e benefícios derivados da decisão de assumir a gestão de uma dada política e, de outro, os próprios recursos fiscais e administrativos com os quais cada administração conta para desempenhar tal tarefa. (ARRETCHE, 2000, p. 48).

O federalismo brasileiro, como veremos, ainda continua muito mais nominal do que real (ABRUCIO, 2000). Isso tem constituído um obstáculo para um relacionamento estável entre a União, os estados e municípios. Daí que a articulação dos programas de governo entre os vários níveis de governo dificilmente segue o caminho institucional e, freqüentemente, toma o atalho político-partidário. Vê-se, pois, que o regime de colaboração entre os entes federativos, em uma perspectiva de co-

responsabilidade e de complementaridade em relação a políticas públicas, muitas vezes, é falho e incompatível com as proposições de um Estado Federal.