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Implicações do Trabalho Colaborativo entre Professores

2.3 Caracterização do Trabalho Colaborativo e a Adoção da Tecnologia

2.3.2 Implicações do Trabalho Colaborativo entre Professores

Na visão de Roldão (2007, p. 27), o trabalho colaborativo entre professores estrutura-se “essencialmente como um processo de trabalho articulado e pensado em conjunto, que permite alcançar melhor os resultados visados, com base no enriquecimento trazido pela interacção dinâmica de vários saberes específicos e de vários processos cognitivos em colaboração. Implica conceber

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estrategicamente a finalidade que orienta as tarefas e organizar adequadamente todos os dispositivos dentro do grupo que permitam: alcançar com mais sucesso o que se pretende; ativar o mais possível as potencialidades de todos os participantes; ampliar o conhecimento construído por cada um pela introdução de elementos resultantes da interacção com todos os outros.”

Várias são as consequências positivas relacionadas com o trabalho colaborativo entre professores destacados por diferentes autores. Trabalhar colaborativamente pode influenciar no aprimoramento do conhecimento profissional construído e incremento no desempenho docente (Roldão, 2007; Shah, 2012). A aprendizagem permanente sustentada na reflexão coletiva, análise e observação de situações de ações em contextos reais pode repercutir-se em soluções colaborativas mais condizentes com a realidade e melhoria das práticas dos professores, para além do incremento na construção do conhecimento resultante (Roldão, 2007).

“Colaborando desenvolve-se a capacidade de refletir sobre a prática, para tomar decisões educativas sustentadas e concertadas. Essa reflexão favorece a (re) construção pessoal permanente e o amadurecimento individual permite contributos mais valiosos para o trabalho coletivo. Trata-se de uma interação permanente de pontos de vista e de (re)construção de saberes, num ciclo incessante de reflexão individual e coletiva. ” (Macário, Sá, & Moreira, 2013, p. 167)

No âmbito das políticas públicas, o trabalho colaborativo entre professores tem sido apontado como um dos aspetos importantes a fomentar o processo de desenvolvimento profissional, resultando na melhoria dos ambientes educativos, capaz de promover um currículo mais adequado aos diferentes contextos e contribuindo para uma melhoria da aprendizagem dos alunos (Leite & Pinto, 2016).

A colaboração entre professores não se limita à melhoria das aprendizagens dos alunos, nem sequer se encerra na aprendizagem em torno do problema a resolver, mas engloba além da auto-aprendizagem a co-aprendizagem, quando, a partir da partilha de experiências, os participantes aprendem uns com os outros (Boavida & Ponte, 2002).

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Quando concebido espontânea e voluntariamente, o trabalho colaborativo pode resultar no desenvolvimento profissional de professores com influências positivas nas suas práticas, refletindo-se na melhoria do ambiente institucional ao qual pertencem (Macário et al., 2013). Os professores envolvidos em grupos colaborativos tendem a apresentar-se mais abertos à inovação, à adoção de novas metodologias, de recursos (Shah, 2012), para além de demonstrarem um maior interesse em aproximar-se da comunidade em torno da instituição promovendo a extensão das atividades para além dos espaços escolares.

No entanto, há que considerar a diferença existente entre “o trabalho colaborativo e a colegialidade artificial, onde as relações são impostas administrativamente, através de reuniões formais, pré-definidas, em que o trabalho em conjunto é imposto, logo, de certa maneira fictício” (Bastos, 2015, p. 53). Apesar de ser considerado, por uma larga maioria de autores, como uma prática essencial para o desenvolvimento profissional docente, a cultura presente entre os professores, em determinados contextos, ainda não se apresenta favorável ao desenvolvimento do trabalho colaborativo, constituindo mais uma aspiração do que uma prática rotineira nos ambientes educativos (Roldão, 2006). Tal decorre de diversos entraves que envolvem a estrutura organizacional das instituições e respetivas normas, para além de questões pessoais presentes no comportamento e posturas emergentes.

Existe uma falta de preparação de grande parte dos professores quanto às habilidades que permitam a partilha natural dos conhecimentos no âmbito do seu espaço profissional e que poderiam ser minimizadas por meio da interação entre o corpo docente, no sentido de troca de experiências resultantes da prática (Nascimento, Monteiro, & Simeone, 2011). Observa-se que este tipo de dificuldade pode fazer-se presente, com maior incidência, em cursos cujas matrizes curriculares se encontrem estruturadas por disciplinas e, principalmente, se estiverem sob a sua responsabilidade individual (Roldão, 2007; Silva, 2008), refletindo-se no trabalho solitário de apenas um professor, somado às dificuldades deste em partilhar os seus desafios e dificuldades (Nascimento et al., 2011). Não que isso seja uma atitude exclusivamente pessoal dos professores, sendo algo que também decorre da normatividade curricular e organizacional presente nas instituições, induzindo à lógica do cumprimento de programas e prazos mais do que à lógica da qualidade e eficácia (Roldão, 2007).

Este tipo de estrutura leva os professores ao hábito do trabalho solitário na preparação/planificação de suas aulas, preparação das matérias, planeamento de

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estratégias de ensino, escolha dos recursos, não favorecendo a aproximação com os pares/colegas. Destaca-se a este nível a comunicação, tão importante para a interação, assim como as barreiras atitudinais e as dificuldades associadas ao acesso e aquisição de competências necessárias para o uso adequado das tecnologias no ambiente de sala de aula.

A barreira ligada à comunicação pode estar relacionada com a estrutura física das edificações, marcada pela utilização de salas de professores isoladas (M. L. M. dos Santos, 2010), restringindo o contato com os demais membros do corpo docente e, por exemplo, às reuniões que costumam ocorrer em intervalos de tempo demasiado grandes para que se promova uma comunicação eficaz que culmine numa maior interação do corpo docente.

Conforme Silva (2008) destaca, é muito difícil que os trabalhos de natureza colaborativa ocorram naturalmente em currículos organizados tendo por base a disciplina, onde não é constante o hábito de realização de trabalhos conjuntos entre os professores e sem um planeamento que possa prever uma aproximação entre os sujeitos, quando são tantos os constrangimentos.

Em estudo a nível de Mestrado na área de Educação, Silva (2008) identificou iniciativas individuais de professores relacionadas com o trabalho colaborativo e auxílio mútuo no que diz respeito à integração de partes dos conteúdos de disciplinas. Com o auxílio de outros professores convidados, através de intervenções pontuais, em fases relacionadas com as suas áreas de conhecimento, várias tentativas foram empreendidas muitas vezes sem sucesso. Tais iniciativas esbarraram em questões que englobavam, principalmente, desarticulação quanto ao ritmo de desenvolvimento das atividades de cada disciplina, incompatíveis com a distribuição de horários dos demais professores convidados que inviabilizavam o desenvolvimento das fases em parceria, assim como no acompanhamento das atividades pretendidas. Outro aspecto importante destacado é que as iniciativas neste sentido aconteciam mediante o entrosamento existente entre os professores, o que limitava a amplitude das colaborações considerando o isolamento característico do corpo docente (I. M. L. da Silva, 2008).

A esse respeito, Santos (2010) conclui que, de uma forma mais vincada, o isolamento corresponde ao constrangimento mais significativo uma vez que inviabiliza o trabalho colaborativo entre professores, principalmente em decorrência do ambiente educativo tradicional não se apresentar formatado no sentido de estimular a colaboração. As características de socialização profissional do docente, tendo o isolamento como forma

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corrente de trabalho, agravam-se ainda mais por questões relacionadas com o tempo, espaço e recursos não adequados.

Ao se referir ao ato comunicativo necessário nas ações educacionais, Kenski (2015) considera a necessidade de mudança na configuração do trabalho dos docentes, sugerindo possibilidades de aproximação em torno de equipas, independentemente de tempo e lugar, no sentido da produção de conteúdos, programas e projetos integrados, além de outras ações e inovações a partir da ação coletiva.

Os professores que costumam trabalhar isolados tendem a não progredir profissionalmente, vendo-se envolvidos em rotinas que dificultam as mudanças e que podem culminar no imobilismo. As culturas colaborativas contribuem para que os professores possam estar mais abertos e mais preparados para lidar com as mudanças de procedência exterior ao contexto da escola (Araújo, 2012).

Outra componente que se configura como obstáculo ao trabalho colaborativo entre professores enquadra-se na necessidade de formação complementar para aquisição de competências no uso das tecnologias em contexto educativo, considerando a nova realidade presente na sociedade. Entre outros, dois fatores principais parecem influenciar a situação atual como, por exemplo, a falta de incentivo da instituição e falta de apoio para inserção das tecnologias digitais em ambiente educativo (Rezende, 2017; Watty, McKay, & Ngo, 2016). Deste modo, os professores não se sentem estimulados a buscar, por iniciativa própria (Rodrigues, 2014), formas de suprir essas carências, principalmente porque não são cobrados, em muitos casos, em relação a essa questão pelas próprias instituições de ensino.

A constante atualização, com participação em atividades e cursos que acrescentem no aperfeiçoamento das técnicas do ensino, partilha e análise conjunta de experiências entre os professores, considerando o contexto, são requeridas ao perfil profissional docente (Nascimento et al., 2011). A ausência desse tipo de perfil pelos professores inibe inovações na sala de aula, permanecendo na repetição do processo de ensino e utilização das mesmas metodologias, decorrentes da falta de conhecimento e discussões acerca dos trabalhos desenvolvidos pelos demais professores que poderiam criar possibilidades para reflexão crítica, novas formas de pensamento e vislumbre de outras oportunidades.

Outros fatores destacados por Nascimento et al. (2011), também se somam à situação atual e contribuem para a manutenção das atitudes habituais que imperam em determinados contextos educativos como, por exemplo, os horários dos professores,

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normas das instituições às quais estão vinculados, funções administrativas somadas às funções docentes, indisposição, comodismo e/ou aversão às mudanças que, muitas vezes, impedem que os professores pensem em outras iniciativas para aprimoramento de sua profissão. No entanto, uma das principais barreiras consiste na falta de consciência de que a atualização permanente é primordial para a melhoria da atuação profissional docente, incluindo aí as formações de professores direcionadas para apropriação de competências para lidar com esse novo contexto no qual se inserem as tecnologias (A. dos Santos, 2015).

Entretanto, nem sempre as instituições possuem programas de formação com esse enfoque e com estratégias de recrutamento para que a grande maioria dos professores sejam levados a participar. Porém, fomentar iniciativas de trabalho colaborativo entre os professores seria outra possibilidade interessante, como as comunidades virtuais de aprendizagem, no caso de formação de professores ou as comunidades de prática, para tratar de assuntos de interesse no sentido de melhoria das práticas existentes.

As comunidades de prática podem ser definidas como grupos de pessoas que partilham uma preocupação ou uma paixão por algo que fazem e aprendem, e que para fazê-lo melhor interagem regularmente (Wenger, 2006). Neste contexto, a aprendizagem pode ser o motivo para aproximação entre as pessoas, mas também pode resultar das interações não intencionais entre elas. A combinação de três elementos (domínio, comunidade e prática), desenvolvidos em paralelo, torna-se essencial para a caracterização da comunidade (Wenger, 2006).

Para Wenger (2006) a comunidade de prática possui uma identidade definida por um domínio comum de interesse, implicando um compromisso por parte dos participantes que valorizam a competência coletiva, procuram envolver-se em trabalhos conjuntos a partir de discussões e partilha de informações, ajudam-se mutuamente e desenvolvem relacionamentos que permitem aprender uns com os outros, caracterizando a comunidade a qual pertencem. Além desses aspetos, para se caracterizar uma comunidade de prática, Wenger (2006) enfatiza que os membros devem interagir e aprender necessariamente juntos.

A prática, terceiro elemento fundamental desta entidade, por meio da negociação dinâmica do significado, resulta na aprendizagem de todos os participantes, produzida ao longo da vida da comunidade (Wenger, 1998) e refere-se ao desenvolvimento, pelos praticantes membros da comunidade, de um repertório partilhado de recursos que podem ser experiências, ferramentas ou maneiras de lidar com problemas emergentes (Wenger,

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2006). Constitui-se uma prática partilhada que “permite tornar a comunidade pró-ativa, vivendo em torno de saberes especializados da profissão” (N. Santos, Lopes, & Rego, 2010, p. 2).

As comunidades de prática são assim espaços potenciadores da busca pelo conhecimento, de interação e apoio entre profissionais, na consecução de objetivos comuns e resolução de problemas mas, principalmente, caracterizadas pela vontade ou necessidade dos participantes em aprender uns com os outros, por meio da reflexão, troca de experiências, informações, interesses e saberes no sentido de aprimoramento em torno da inovação da prática profissional (Lisbôa & Coutinho, 2011). São, deste modo, espaços de formação resultantes da interação com indivíduos que partilham a mesma prática, cuja aprendizagem decorre da partilha de conhecimentos e posterior aplicação dos mesmos em situação de prática dos participantes do grupo (V. C. Santos & Arroio, 2015).

As comunidades de prática podem emergir de outros agrupamentos em contextos académicos, como por exemplo em grupos de pesquisa, caracterizando comunidades virtuais de prática pelo uso dos recursos de tecnologia da informação. Ferraz e Dornelas (2013), ressaltam que a missão dos grupos de pesquisa existentes nas instituições federais de ensino superior constitui, na sua essência, a troca e geração de conhecimento à semelhança das comunidades de prática que necessitam da participação e interação entre os membros para atingir objetivos. Essas características criam oportunidades para a evolução natural dos grupos no sentido da configuração de comunidades de prática.

No entanto, nem sempre os contextos são favoráveis à configuração de agrupamentos colaborativos dessa natureza. Conforme relatam Nascimento et al. (2011), num estudo acerca da falta de interação do corpo docente e a influência na metodologia de ensino, apesar de os professores demonstrarem consciência da necessidade de interação entre o corpo docente para evolução das práticas de ensino superior, adotam posturas de isolamento, individualistas e, pouco proativas no sentido de mudança da situação, mesmo quando dispostos a contribuir com os colegas. Os autores constataram que os professores adotam naturalmente uma postura isolacionista, mas que a falta de estrutura e oportunidades para maior interação docente constitui uma barreira relevante.

Tais posturas, caracterizadas pelo individualismo e isolamento presente no trabalho docente, decorrem da cultura profissional e organizacional arraigada historicamente nas instituições (Roldão, 2007), constituindo-se como ameaças ou barreiras ao crescimento e

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desenvolvimento profissional (Shah, 2012), influenciando nas perceções e comportamentos dos professores face às tentativas de mudanças e inovações em contexto educativo. Na conceção de Abelha, Machado e Lobo (2014), a origem dos fatores a inibir maiores manifestações de esforços para o desenvolvimento da colaboração entre docentes concentram-se nas esferas organizacional, técnica e administrativa, para além da falta de formação para lidar com esta forma de trabalho, resultando em dificuldades para se apropriar e aplicar o conceito de colaboração e limitando, consequentemente, realizações neste sentido.