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5 IMPORTÂNCIA DAS CRIMINOLOGIAS (CRÍTICAS) NA FORMAÇÃO JURÍDICA PARA A CONSTRUÇÃO

No documento Conhecimento, iconografia e ensino do direito (páginas 141-144)

“QUESTÃO CRIMINAL”

5 IMPORTÂNCIA DAS CRIMINOLOGIAS (CRÍTICAS) NA FORMAÇÃO JURÍDICA PARA A CONSTRUÇÃO

DE UMA POLÍTICA CRIMINAL ALTERNATIVA

O referido acúmulo criminológico-crítico latino-america- no deve então servir, segundo Vera Regina Pereira de Andrade (2012b, p. 117), como “a âncora do resgate do criticismo” e, nes- te contexto, a autora enuncia uma “convocatória” de retomada do projeto suspenso, que necessita da compreensão da história passada e do presente da Criminologia crítica latino-americana, já que

[...] a Criminologia, enquanto saber e prática do controle social e penal, muito tem a dizer e a fazer na compreensão e na funcionalização de nossa latinidade, seja ambiguamente, na direção da exclusão e do extermínio, seja na construção de caminhos ‘desviantes dele’ [...]. (ANDRADE, 2012b, p. 118-119).

17 “As Criminologias críticas latino-americanas e brasileiras têm construído, por- tanto, um acúmulo argumentativo sobre os riscos de um ‘mais controle penal’, quando estamos precisamente diante de um ‘Ornitorrinco’ punitivo, metáfora que pode muito bem ilustrar a hibride do nosso controle penal, amálgama que tem sido de escravismo com capitalismo, de público com privado, de patrimo- nialismo com universalismo, de liberalismo com autoritarismo. (...) Com efeito, se o eficientismo penal contemporâneo implica a longa saga do ‘mais’, a saber, mais leis penais, mais criminalizações e apenamentos, mais polícias, mais viatu- ras, mais algemas, mais vaga nas prisões, mais prisões provisórias – e no Brasil Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) –, devem ser acrescentadas a esta saga, continuidade da histórica ‘Política criminal com derramamento de sangue’, mais mortes e mais vagas nos cemitérios. E sobre isso deve haver muito mais do que mediana clareza por parte das agências e dos atores que têm o poder criminaliza- dor: tem de haver resistência.” (Idem, p. 111-112.)

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Se, ademais, “[...] apenas o caminho crítico da Criminologia pode potencializar esta segunda direção” (ANDRADE, 2012b, p. 119) então, nos moldes do “modelo crítico”18 proposto por

Marcos Nobre, é necessário, antes de tudo, realizar um diag- nóstico de época para entender a realidade e, então, identificar tanto os obstáculos que impedem a mudança do paradigma do controle penal quanto indicar as potencialidades que permitem a concretização do projeto criminológico-crítico de superação do controle penal.

Nesta empreitada, é imperioso retomar a lição de Alessandro Baratta (2002, p. 205), no sentido de que a estraté- gia político-criminal radicalmente alternativa precisa atentar para a função da opinião pública e dos processos de legitimação do direito penal desigual, através de processos ideológicos e psico- lógicos. É fundamental que haja uma verdadeira “batalha cultural e ideológica para o desenvolvimento de uma consciência alterna- tiva no campo do desvio e da criminalidade. (...) sem a qual ela [a política alternativa] estará destinada a permanecer uma utopia de intelectuais iluministas”.

Certamente, em meio a esta “batalha cultural e ideológi- ca” proposta por Alessandro Baratta, a academia tem um impor- tante papel a cumprir, sobretudo, através da construção de um discurso contra-hegemônico. Aqui, a disciplina da Criminologia e, sobretudo, dos conteúdos criminológico-críticos da moderni- dade colonialidade são de fundamental importância para o ensi- no jurídico, pois influem na percepção da temática por parte dos acadêmicos de direito, que, muitas vezes, já atuam no sistema de

18 De acordo com Marcos Nobre, o “modelo crítico” pressupõe a presença si- multânea de dois princípios fundamentais: (a) a compreensão da realidade e o diagnóstico de época, e, (b) a identificação dos obstáculos e das potencialidades da emancipação. Desse modo, na perspectiva da teoria crítica, não é suficien- te descrever o funcionamento das coisas. É imprescindível verificar também os motivos concretos nas relações sociais que impedem e procurar os elementos que possibilitam a emancipação. E se a teoria crítica possui forte vinculação com as condições históricas da sociedade, então também o pensamento no campo crítico precisa se abrir à constante reformulação e revisão para não cair no dog- matismo. (NOBRE, Marcos. Introdução: Modelos de teoria crítica. In: NOBRE, Marcos (Org.) Curso livre de teoria crítica, op. cit., p. 18-19.).

Helena Sc

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justiça criminal na qualidade de estagiários e que, indubitavel- mente, representam os profissionais do direito do futuro. Seja de uma forma ou de outra, certamente serão cidadãos brasileiros que podem (ou não) engajar-se coletivamente – e em “rede” – para deslocar19 o “credo criminológico dominante” por um dis-

curso criminológico-crítico, tanto na “sociedade política” quanto na “sociedade civil”, no contexto maior de uma luta por uma política criminal alternativa e por uma reformulação da organi- zação social.

Assim, a retomada do projeto criminológico-críti- co necessita de um diagnóstico de época sobre a realidade da Criminologia no ensino jurídico, tendo em vista que, nas palavras de Vera Regina Pereira de Andrade (2012b, p. 345),

[...] tanto a inserção (se estudar) e o espaço (quanto estudar) da Criminologia no ensino do Direito quanto a definição do seu conteúdo (o que estudar), com que método e para quê, envolvem um conjunto de definições, a um só tempo paradigmáticas e políticas, que transferem suas marcas ao ensino, que têm impacto na construção de sujeitos (subjeti- vidades), cuja palavra e ação também impactam, a sua vez, a vida social.

É necessário investigar uma suposta “residualidade peda- gógica” (ANDRADE, 2012b, p. 342) da(s) Criminologia(s), de- corrente de um espaço reduzido da disciplina “Criminologia” no ensino jurídico e de um espaço diminuto dos conteúdos crimi-

19 A política criminal alternativa necessita de atores engajados em rede para desconstruir e reconstruir a imagem sobre a “questão criminal” no imaginá- rio social. Confira, neste sentido, entre outros, BARAK, Gregg. Newsmaking Criminology: reflections on the media, intellectuals, and crime. In: BARAK, Gregg (editor). Media, process, and the social construction of crime: studies in newsmaking criminology. New York, London: Garland Publishing, 1994, p. 237- 238, 250, 256.; CARDOSO, Helena Schiessl. Discurso Criminológico da Mídia na Sociedade Capitalista: necessidade de desconstrução e reconstrução da ima- gem do crime e do criminoso no espaço público. Curitiba: UFPR, 2011. 183 p. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011.; HENRY, Stuart. Newsmaking Criminology as Replacement Discourse. In: BARAK, Gregg (editor). Media, process, and the social construction of crime: studies in newsmaking criminology. New York, London: Garland Publishing, 1994, p. 288-289.

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nológico-críticos no interior da própria disciplina. Tal “residuali- dade” possivelmente poderia ser interpretada como obstáculo ao projeto de virada paradigmática do controle penal, assim como, por outro lado, o resgate da disciplina “Criminologia” e dos con- teúdos criminológico-críticos da modernidade-colonialidade no ensino jurídico poderia ser visto como um possível caminho emancipatório, pois

[e]nsinar criminologias, nesta perspectiva, é concorrer para a formação de uma consciência jurídica crítica e responsá- vel, capaz de transgredir as fronteiras sempre generosas do sono dogmático, da zona de conforto do Penalismo ador- mecido na labuta técnico-jurídica, capaz de inventar novos caminhos para o enfrentamento das violências (individual, institucional e estrutural). (ANDRADE, 2012b, p. 346). Por conseguinte, se a superação do paradigma do con- trole penal necessita de um novo consenso hegemônico acerca da temática da “questão criminal”, conforme indicado estrate- gicamente por Alessandro Baratta, então, no interior do marco maior de resgate do projeto criminológico-crítico, é imprescin- dível diagnosticar, em um primeiro momento, as condições do ensino criminológico nas escolas de Direito no Brasil para então, talvez, compreender melhor a suspensão do projeto criminoló- gico-crítico e identificar um possível caminho de sua retomada através da formação de juristas que poderão atuar em “rede”, dentro e fora dos muros da academia, na luta cívica por uma gra- dual concretização de uma política criminal alternativa.

6 REFLEXÕES ENSAIADAS A PARTIR DE UM

No documento Conhecimento, iconografia e ensino do direito (páginas 141-144)