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SOBRE OS POVOS INDÍGENAS: UMA ANÁLISE DO BRASIL COLONIAL ATRAVÉS DO TERRA BRASILIS

No documento Conhecimento, iconografia e ensino do direito (páginas 181-187)

COLONIAL DO SÉCULO XVI SOBRE OS POVOS INDÍGENAS

SOBRE OS POVOS INDÍGENAS: UMA ANÁLISE DO BRASIL COLONIAL ATRAVÉS DO TERRA BRASILIS

A partir dessa desconstrução do pensamento colonial versado em signos cartográficos, debruçaremos nessa segunda parte da exposição sobre a descrição da visão dos colonizadores sobre os povos indígenas, habitantes originários do Brasil, a partir da análise do mapa Terra Brasilis.

O Terra Brasilis é uma representação gráfica do Brasil feita

em 1519, integrando o chamado Atlas Miller. Esse atlas trata-se

8 Tradução livre: “Written and printed information and conceptualization about land and people unknown to the actors who were writing and mapping had a tremendous effect: it transformed ignorance into ontology and fiction into truth” (MIGNOLO, 2014, p. 44).

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de uma coletânea de onze mapas em pergaminho confecciona- do por cartógrafos e miniaturistas portugueses, representando o ideal português, que para sua confecção foram utilizadas des- crições, relatos e cartas de outros viajantes e de outras regiões dirigidas a D. Manuel.

O Atlas Miller leva esse nome em homenagem ao seu últi- mo proprietário, o francês Bénigne-Emanuel Clément Miller, que, falecendo em 1897, teria sua esposa o vendido para a Biblioteca Nacional Francesa; fazendo parte do acervo da Biblioteca desde então.

Antes de ser renomeado para Atlas Miller, era o atlas em

questão conhecido como Atlas Lopo-Homem em homenagem

ao seu cosmógrafo oficial, Lopo-Homem; que, conjuntamente com Pedro Reinel, Jorge Reinel e António de Holanda, teriam confeccionando-o.

Mapa Terra Brasilis, Atlas Miller

Teria sido o Terra Brasilis elaborado a pedido do rei por-

tuguês D. João III, com a finalidade de presentear o então rei francês, Francisco I. Esse mapa, mais que um mero presente, representava a extensão do “direito de descoberta” do reinado português sobre o território a leste de Tordesilhas e o atlântico sul; servindo como fontes de dados essenciais para a navegação, mas também como “objeto de desejo” para impressionar o po- tentado francês.

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Parte-se da hipótese de outro lado, de que o presente enviado para o rei francês, na verdade, configurava como uma tentativa de Portugal de impor aos franceses o domínio sobre o território colonial recém descoberto na América, além de de- monstrar o poderio militar naval sobre as ilhas atlânticas, e a efe- tiva ocupação do litoral brasileiro. Em outras palavras, o mapa era uma forma de dar publicidade ao domínio ultra-mar portu- guês sobre o Novo Mundo.

Como uma intenção diplomática, configurava uma ferra- menta para conter as sucessivas invasões francesas na costa bra- sileira e manter a soberania de Portugal sobre a Terra Brasilis e,

com ela, o monopólio do comércio exploratório sobre a colônia. A chegada, em 1555, à costa brasileira um grupo de co- lonos franceses protestantes, invadindo o território de indígenas – ainda não conquistado e colonizado pelos portugueses – de- monstra bem essa necessidade pela Coroa Portuguesa que não detinha meios financeiros de manter e controlar seu domínio por toda a extensão litoral brasileira (BAROU, 2009, p. 11).

Dessa invasão especificamente, os franceses fundam a França Antártida e constroem o Forte da Baía de Guanabara; tendo produzido o primeiro mapa da Baía de Guanabara, em 1555:9

9 No mapa podemos observar que o atual morro do Pão de Açucar (Pot de Beurre) é representado como uma ilha na região sudoeste do mapa; que, con- juntamente aos morros da Urca e Cara-de-Cão, formavam a “Ilha da Trindade”. Hoje, a ilha é totalmente integrada ao continente depois de um assoreamento e um aterro no final do século XVII.

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Expedições militares portuguesas enviadas por governa- dores-gerais da colônia, como Duarte da Costa e Mem de Sá, fracassaram. Medidas protetivas com o envio de jesuítas para a fundação de São Paulo e para a pacificação dos indígenas na re- gião sul do Brasil foram logo adotadas pela Coroa.

O insucesso de Portugal devia-se muito à uma contada “aliança” dos franceses com indígenas dos Povos Tupinambás e Tamoios; no qual os franceses encontraram mão-de-obra para construções, guias nas trilhas da floresta que levavam até o pau brasil e integrantes para as tropas que resistiriam às investidas portuguesas (BAROU, 2009, p. 11).

A efetiva invasão do território por Portugal se dará no comando de Estácio de Sá em 1567.10 É desse período que te- mos o registro da luta dos portugueses contra os franceses e indí- genas na guerra que ficou conhecida como a “Confederação dos Tamoios”. A chamada pacificação dos indígenas que lutavam na Confederação dos Tamoios teria contado com a ajuda missioná- ria dos jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta.

Voltando à análise mais detalhada e aproximada do mapa

Terra Brasilis, podemos verificar a exibição da defesa e o poderio

militar da Coroa Portuguesa sobre as ilhas atlânticas traduzido nos desenhos de caravelas voltadas para a costa brasileira.

10 Barou (2011, p.12) explica o sucesso de Portugal na conquista só foi possível porque a colônia estava instável – pelos conflitos entre colonos franceses e o che- fe da colônia. Repudiando moralmente as relações sexuais dos colonos franceses com as indígenas, teriam os colonos optados em integrar as sociedades indígenas e viverem nas florestas.

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Assim como as caravelas tem uma representação ideoló- gica do pensamento colonial português projetado sobre o mapa, simbolizando o domínio militar- econômico português sobre a colônia, no canto esquerdo inferior do mapa percebemos um ín- dio que se apoia nos seus calcanhares. Esticando seus braços em um gesto de veneração, concebe seu respeito e idolatria à Deus e seu representante na terra, o Rei Português. Representando, ainda, com a cabeça virada para a fronteira, a vigia necessária à defesa perante o estuário do Rio da Prata.

Além da “redenção” dos povos indígenas à Coroa Portuguesa, outra questão a ser observada nessa imagem aproxi- mada do mapa é a presença do brasão da coroa portuguesa um pouco abaixo da entrada do Rio da Prata, com a bandeira portu- guesa, sob um indicativo de que a região pertencia a Portugal e não à Espanha.

Evidencia-se, com isso, um não cumprimento das linhas imaginárias do tratado de Tordesilhas no desenho do mapa, ex- trapolando as linhas limítrofes do domínio português para além do espaço territorial pactuada sob os mantos católicos.

Favorecendo os interesses de Portugal, obviamente, es- tendia a jurisdição lusitana estrategicamente sobre as outras na- ções concorrentes, tal como França, Inglaterra e Holanda, que há época contestavam a divisão do mundo pela Igreja Católica entre os reinos de Portugal e Espanha.

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O mesmo é verificado no extremo norte do Mapa, na região em que hoje delimita o Estado do Maranhão, como perce- bemos na figura a seguir:

Transparecendo os interesses econômicos português so- bre as terras e os povos descobertos, expõe a imagem do indíge- na enquanto aquele que corta e recolhe a madeira; decorado com plumagens e enfeites coloridos.

A madeira, o pau-brasil, representaria o primeiro mono- pólio econômico extrativista apropriado pela coroa portuguesa a partir do “direito de descoberta”. Por isso, o Terra Brasilis é

considerado o primeiro mapa econômico brasileiro ao descrever o primeiro ciclo econômico praticado aqui: o processo de extra- ção do pau-Brasil, dando início a uma economia extrativista da folha brasileira que permanece até hoje abastecendo o mercado europeu.

Além da madeira, as aves e outros animais, dos quais re- tiraram plumas e couro, também alcançavam a cobiça europeia, cabendo uma descrição de tais “produtos” no mapa.

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No centro-esquerdo do mapa encontramos a figura de um dragão, comumente utilizado nessa época para representar os limites e as regiões ainda não conhecidos.

Com essa descrição iconográfica do mapa Terra Brasilis,

passamos, por fim, a teorizarmos sobre como esse imaginário europeu refletiu sobre a construção do direito indigenista no sé- culo XVI, início do período colonial.

3 A CONSTRUÇÃO DO DIREITO INDIGENISTA A

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