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6 REFLEXÕES ENSAIADAS A PARTIR DE UM “CASO CONCRETO”: A IMPORTÂNCIA DA

No documento Conhecimento, iconografia e ensino do direito (páginas 144-151)

“QUESTÃO CRIMINAL”

6 REFLEXÕES ENSAIADAS A PARTIR DE UM “CASO CONCRETO”: A IMPORTÂNCIA DA

CRIMINOLOGIA NA FGG/ACE

Diante da impossibilidade de analisar a presença/au- sência da Criminologia no ensino jurídico em todo territó- rio brasileiro, nos estreitos limites deste trabalho, a proposta é de ensaiar algumas reflexões a partir da realidade do Curso de

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Direito da Faculdade Guilherme Guimbala/FGG da Associação Catarinense de Ensino/ACE, localizada no município de Joinville-SC. Certamente tal reflexão não permite generaliza- ção para todo território brasileiro, no entanto, é possível intuir, com base neste “caso concreto”, a importância da Criminologia (Crítica) no ensino jurídico.

Contando com mais de 30 anos de existência, a FGG/ ACE é uma das poucas faculdades da região que incluiu a Criminologia como disciplina obrigatória. Atualmente, a disci- plina está alocada na grade curricular no 5º ano e, segundo o plano de ensino para o ano acadêmico de 2014, é possível ve- rificar que a disciplina se estrutura de modo a contemplar em seu conteúdo programático tanto a Criminologia em seu para- digma etiológico quanto a Criminologia em seu paradigma do “labeling approach” ou da “reação social”. Também a bibliogra- fia básica e complementar indica um passeio pelas mais diver- sas teorias em Criminologia, com especial destaque para obras clássicas da Criminologia Crítica, a exemplo de Baratta, Rusche, Kirchheimer, Melossi, Pavarini, Cirino dos Santos etc. Na opi- nião dos acadêmicos do quinto ano da instituição é unânime a opinião de que a Criminologia é importante para a sua formação jurídica. Ademais, nos 20 (vinte) questionários aplicados a alguns voluntários que estão cursando a disciplina, 19 (dezenove) in- terrogados afirmam que a Criminologia influenciou a sua visão sobre o fenômeno do crime, da criminalidade, do criminoso etc. Entre os impactos produzidos pela disciplina e descritos pelos próprios acadêmicos, é possível destacar a aquisição de uma vi- são mais crítica do sistema de justiça criminal e mais humanista do “criminoso”. A fim de avaliar melhor a compreensão “crimi- nológica” dos acadêmicos interrogados, foi proposta, além do preenchimento do questionário, a atividade de “desenhar” suas representações do “Direito Penal” e do “Criminoso”. As ima- gens produzidas indicam perspectivas que podem ser associadas ao paradigma etiológico e sua correlata ideologia da “defesa so- cial”, bem como perspectivas associadas ao paradigma da “rea-

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ção social”. Para exemplificação, foram selecionados os seguintes desenhos agrupados em dois blocos:

Bloco 1:

Bloco 2:

No primeiro bloco de imagens, o “Direito Penal” é re- presentado como a “balança em equilíbrio” ou a “mão da lei”, como um instrumento que define os “comportamentos proibi- dos” e que se aplica à “minoria da sociedade”. O “Criminoso”, por sua vez, é ilustrado como um sujeito portador de “armas de fogo” que “mata” e que é associado à “grades”. Deste modo, há acadêmicos que refletem a problemática da criminalidade clara- mente a partir da “ideologia da defesa social”, pois compreen- dem o comportamento desviante como a exceção e vislumbram

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o “criminoso” como um ser “perigoso” do qual a sociedade deve ser protegida através de um Direito Penal igualitário com preten- são de realizar justiça.

Por outro lado, no segundo bloco de imagens selecio- nadas, o “Direito Penal” é representado como um “processo seletivo”, uma forma de “controle”, um instrumento de “domi- nação” ou “tortura” nas mãos da “polícia” ou dos “poderosos” (“os ricos”). O “Criminoso” é retratado como um “ser humano”, proveniente de um determinado estrato social (“os pobres”), que foi submetido a um “processo de seleção” e “depositado” numa “lixeira lotada”. Aqui o retrato da seletividade dos processos de criminalização representa a adoção do paradigma da “reação so- cial”, assim como a problematização do controle social penal e da violência perpetrada pelo próprio Estado aponta para o im- pacto de ponderações oriundas das criminologias críticas.

Por conseguinte, parece possível intuir que a existência da disciplina de Criminologia na grade curricular do curso de Direito, ao menos no caso concreto analisado, impacta na com- preensão dos acadêmicos acerca da questão criminal, ora para reforçar, ora para deslegitimar o controle social penal.

CONCLUSÃO

No Brasil a solução dos conflitos sociais ocorre através de uma política penal em sentido estrito, isto é, através da defi- nição de crimes e da cominação e execução de penas criminais. E, apesar da total deslegitimação das penas, seja teórica, seja em- pírica, o paradigma do controle social penal permanece como núcleo duro.

Diante da alarmante situação desumana e genocida do sistema de justiça criminal, sobretudo no Brasil e na América Latina, o movimento criminológico-crítico aponta a necessidade de resistência ao modelo presente e a necessidade de construção de formas alternativas de enfrentamento da questão.

Para tal empreitada, que precisa levar em conta uma bata- lha de questionamento do atual senso comum acerca da questão

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criminal e o seu deslocamento por formas alternativas, destacou- -se a importância da Criminologia no ensino jurídico. Isto porque a disciplina apresenta o potencial de impactar na consciência dos futuros pensadores e operadores do Direito.

A fim de ensaiar tal hipótese, buscou-se a compreensão da realidade atual do ensino criminológico de um Curso de Direito especifico (FGG/ACE), através da análise do Plano de Ensino da disciplina da Criminologia e de uma dinâmica com alguns acadê- micos que compreendeu o preenchimento de um questionário e a elaboração de desenhos representativos do Direito Penal e do Criminoso.

A interpretação dos dados concretos colhidos permite afir- mar que a Criminologia certamente é uma disciplina que pode gerar questionamentos acerca do atual modelo de controle social penal. E, neste sentido, retomando Rubem Alves, ensina a fazer perguntas e a pensar. E diante do desastre humanitário que é o controle penal no Brasil (e em toda América Latina), questionar é o primeiro passo rumo a um modelo alternativo de solução de conflitos sociais. REFERÊNCIAS

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Thais Luzia Colaço

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IMAGENS DA (IN)JUSTIÇA PRATICADA

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