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CAPÍTULO II DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

II.I. Sistema Constitucional Tributário

O Estado necessita de recursos para atender suas finalidades institucionais. Historicamente, como registrou Baleeiro (2004: p. 234),

para auferir dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais: a) realizam extorsões sobre outros povos ou deles recebem doações voluntárias; b) recolhem as rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; c) exigem coativamente tributos ou penalidades; d) tomam ou forçam empréstimos.

O poder de tributar é inerente ao poder de governar. No exercício de sua soberania, o Governo exige que os indivíduos forneçam os recursos necessários ao custeio dos gastos públicos, recursos estes provenientes principalmente da arrecadação tributária25.

No passado, os tributos eram exigidos arbitrariamente pelos detentores do poder, que se colocavam na posição de donos da coisa pública. Como assinala Ataliba (2002: p. 29),

antigamente, quando não se podia falar em estado de direito, o político usava do poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o estado (por isso Albert Hensel sublinha que só se pode falar em “direito” tributário onde haja Constituição e estado de direito. Fora disso, é o arbítrio, o despotismo). Hoje, o estado exerce este poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas suas manifestações, ao estabelecido na lei.

Com a formação dos Estados modernos e surgimento das constituições escritas, aparecem as primeiras garantias expressas contra uma tributação arbitrária. A noção de uma “justiça tributária” nasce no contexto do constitucionalismo ou Estado

25 De acordo com Paulsen (2005: p. 17), “os tributos são a principal receita financeira do Estado, classificando-se como receita derivada (porque advinda do patrimônio privado) e compulsória (uma vez que decorre de lei, independendo da vontade das pessoas de contribuírem para o custeio da atividade estatal).”

Constitucional, movimento surgido paralelamente ao Estado de Direito basicamente

para limitar os poderes dos governantes26.

O conceito de Estado de Direito funda-se na noção de existência de limites ao poder estatal, em oposição ao Estado Absoluto, no qual o poder do soberano era ilimitado. De acordo com Silva (2000: p. 185), o Estado de Direito abrange três características: a) submissão (dos governantes e dos cidadãos) ao império da lei; b) separação de poderes; c) garantia dos direitos fundamentais.

A limitação de poderes, assim como a garantia de direitos, no Estado Constitucional (Estado de Direito), passa a ser uma das suas principais funções. É sob este enfoque que o Direito aparece como um produto cultural, construído por meio de normas jurídicas prescritivas de comportamentos que tanto o Estado quanto os particulares devem obediência, sob pena de sofrerem sanções estabelecidas no próprio sistema.

E dentro do universo do Direito, o exegeta é capaz de construir normas jurídicas relacionadas apenas à tributação, permitindo-lhe fazer um corte epistemológico em prol do conhecimento científico sobre a realidade tributária27.

O direito tributário, pois, tem por foco o tributo, o que significa dizer que é composto pelo conjunto de preceitos que regem a tributação. A separação didática do direito tributário, aliás, é ponto inicial na obra de Sousa (1975: p. 30), para quem “a

expressão “direito tributário” fica assim apropriadamente reservada para tudo aquilo que se refira à regulamentação jurídica da atuação das autoridades fiscais em contraste com os contribuintes no exercício da sua atividade de cobrança e fiscalização de tributos”.

É essa também a lição de Borges (2011: p. 21):

o direito constitucional tributário ou direito tributário constitucional está constituído, então, por um complexo de regras constitucionais referentes à matéria tributária. (...) Integra o direito constitucional tributário o conjunto de preceitos estabelecidos na Constituição, que distribuem a competência tributária entre as pessoas jurídicas de direito público interno e disciplinam o exercício do poder de tributar.

26 É possível dizer que o constitucionalismo se iniciou na Idade Média, por ocasião da assinatura da Magna Carta pelo Rei João Sem Terra, que reconheceu algumas limitações de seu poder. Depois disso, o constitucionalismo deu sinais na Revolução Inglesa que, ao conferir a supremacia do Parlamento como órgão legislativo, passou a noção de um governo de leis e não de homens. O movimento, porém, ganhou força mesmo no século XVIII, com o aparecimento das primeiras Constituições propriamente ditas (Estado de Virgínia, de 1776, a dos Estados Unidos, de 1787 e da França, de 1789).

27 Nesse ponto, convém lembrar que o Direito é uno. Sua divisão em “ramos” costuma ser feita apenas para elucidar o processo de aprendizado.

Também nesse mesmo sentido é a opinião de Machado (2012: p. 51), para quem

o direito tributário tem por finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos desse poder. Dito isto, é possível conceituar o direito tributário como o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder.

De fato, no caso da República Federativa do Brasil, a matéria tributária recebeu tratamento especial na Carta Magna. Uma singela leitura de nosso texto constitucional permite notar que, no que diz respeito à tributação, nossa Lei das Leis foi particularmente abundante.

Essa constatação levou Ataliba (1968: p. 21) a sustentar que “o conjunto de

normas da Constituição que versa matéria tributária forma o sistema (parcial) constitucional tributário. (...) O sistema constitucional tributário brasileiro é o mais rígido de quantos se conhece, além de complexo e extenso”.

Caminhou Carvalho, P. (2011 a: p.190-191) nessa mesma direção:

o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações jurídicas que se estabelecem entre Administração e administrados. E, ao fazê-lo, enuncia normas que são verdadeiros princípios, tal o poder aglutinante de que são portadoras, permeando, penetrando e influenciando um número inominável de outras regras que lhe são subordinadas. (...). Esse tratamento amplo e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como consequência inevitável um sistema tributário de acentuada rigidez, como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema Constitucional Tributário Brasileiro.

Ao falar em sistema constitucional tributário, devemos ter em mente que seu objeto não está restrito apenas às prescrições previstas nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal, dispositivos estes que estão inseridos em capítulo denominado Do

Sistema Tributário Nacional. Cumpre esclarecer que, além destes dispositivos,

quaisquer outros preceitos, expressos ou implícitos, que de alguma forma possuem relação com matéria tributária, integram o direito constitucional tributário.

Analisando o tema, Ávila (2012: p. 77) foi, de forma precisa, ao ponto:

A influência dos princípios fundamentais ou dos direitos fundamentais sobre o Sistema Tributário, ou a expressa abertura do Sistema Tributário por meio do art. 150 (“sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”) são exemplos indicativos de que o Sistema Tributário não se confunde, quantitativa e qualitativamente, com o capítulo do Sistema Tributário Nacional: quantitativamente porque existem outras normas tributárias além daquelas que podem ser reconduzidas aos dispositivos contidos no capítulo do Sistema Tributário Nacional; qualitativamente porque as normas previstas no Sistema Tributário Nacional só ascendem a um significado normativo por meio de uma (horizontal) consideração das concatenações materiais decorrentes dos princípios e direitos fundamentais.

O Direito Tributário Brasileiro é composto por um verdadeiro “sistema constitucional tributário”, o que significa dizer que o estudo da tributação, no nosso ordenamento jurídico, deve ocorrer a partir da Constituição Federal.

A relação entre Constituição e tributação no Brasil é tão evidente que Carrazza, R. (2012: pp. 426, 428) denominou seu curso de “Direito Constitucional Tributário”, afirmando que:

Nossa Carta Suprema, porém, optou por regular com uma miríada de normas e princípios o tema. (...)

O legislador (federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal), ao tributar, encontra, pois, perfeitamente iluminado, no Texto Supremo, o caminho que pode validamente percorrer. A tributação só pode desenvolver-se com apoio na Constituição.

Assim é pois, como sabemos, o tributo é exigido iure imperii, ou seja, a partir de um ato de autoridade, sem que, para seu surgimento, concorra a vontade do contribuinte. Ora, é justamente a Constituição, com seus grandes princípios, que mantém a ação de tributar dentro do Estado Democrático de Direito.

(...)

Noutras palavras: o tributo, de algum modo, esgarça o direito de propriedade. Ora, na medida em que o direito de propriedade é constitucionalmente protegido, o tributo só será válido se, também ele, deitar raízes na Constituição.

É pressuposto do conhecimento do direito tributário a análise do sistema

constitucional tributário, que envolve as normas que giram em torno do tributo e que

devem nortear a criação de tributos; as hipóteses de imunidade; e um detalhado desenho da faixa de competência tributária.

Embora reconheçamos que o tema, por sua importância e riqueza de detalhes, mereceria um verdadeiro tratado, nossa proposta é a de colocar em evidência, de forma objetiva de maneira suficiente para prosseguir no estudo proposto, somente alguns aspectos do sistema constitucional tributário.