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CAPÍTULO III OS LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO

III.I. Supremacia Constitucional

A Constituição Federal exerce papel fundamental nas regras do jogo do Direito, afinal, ela constitui o fundamento último de validade de todas as normas e todas dela derivam. Nela, nas palavras de Carvalho, P. (2011: p. 218),

estão traçadas as características dominantes das várias instituições que a legislação comum posteriormente desenvolverá. Sua existência imprime, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, lhe confere o timbre de homogeneidade.

Mais que uma lei fundamental, a Constituição representa o produto da vontade soberana e irrompe do poder constituinte, poder este que, na definição de Moraes, A. (2012: pp. 25, 27),

é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado. (...) A ideia da existência de um Poder Constituinte é o suporte lógico de uma Constituição superior ao restante do ordenamento jurídico e que, em regra, não poderá ser modificada pelos poderes constituídos. 105

O Poder Constituinte, entidade representativa do povo, inaugura uma nova ordem jurídica. Nessa conformação, Ferreira Filho (1985: p. 14) assevera que:

a obra do Poder Constituinte, a Constituição, é a base da ordem jurídica. Assim, o Poder Constituinte edita atos juridicamente iniciais, porque dão origem, dão início à ordem jurídica (...).

Desse modo, o título que justifica a Constituição é a vontade da nação, ao passo que a Constituição, por assim dizer, é o título em que se baseiam todos os poderes constituídos.

105 Mais adiante, referido Autor esclarece que: “O Poder Constituinte classifica-se em Poder Constituinte originário ou de 1º grau e Poder Constituinte derivado, constituído, ou de 2º grau. (...) O Poder Constituinte Originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. (...)O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. (...) O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.”.

Isso ocorreu no Brasil. Por meio da Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal de 05/10/1988 foi promulgada, sendo que, não obstante a existência de dezenas de emendas constitucionais, ainda permanece em vigor.

Coube à Lei Maior estruturar juridicamente o Estado, sob o rótulo de República Federativa do Brasil. Para tanto, organizou os órgãos estatais, separou os poderes, fixou direitos e garantias fundamentais das pessoas, enumerou princípios, dispôs sobre a criação de outras normas, dividiu competências etc..

Acima da Constituição Federal não há mais juridicidade positiva. Assim é que Carrazza R. (2012: pp. 36, 37) aclama que enquanto

Lei máxima, a Constituição é o critério último de existência e validade das

demais normas do sistema do Direito, pelo quê condiciona o agir dos próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Em suma, a Constituição é o limite do Poder Público e o fundamento de todo o sistema jurídico.

A superioridade hierárquica da Constituição, na trilha do que leciona Canotilho (1996: p. 137), manifesta-se em três perspectivas: (i) ao constituir uma lex

superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa);

(ii) tratando-se de “normas de norma” (norma normarum), ou seja, figurando-se como fonte de produção jurídica de outras normas; e (iii) ao implicar a conformidade de todos os outros atos normativos com seus mandamentos (princípio da conformidade).

Dizer que a Constituição Federal é a norma superior do ordenamento jurídico, localizada no topo da pirâmide normativa, é reconhecer sua supremacia. O

princípio da supremacia da Constituição requer que todas as situações jurídicas se

conformem com os preceitos constitucionais, sob pena de inconstitucionalidade. Como ensina Carrazza, R. (2012: p. 42):

o descompasso entre uma norma inferior (lei, decreto, portaria, ato administrativo etc.) e a Constituição tem o nome técnico de “inconstitucionalidade” – que, como predica a melhor doutrina, pode ser material (intrínseca) ou formal (extrínseca). Material quando o conteúdo da norma inferior é incompatível com regra ou princípio constitucional (a invalidade tisna o próprio mérito da norma inferior). E formal quando a norma inferior é editada por autoridade, órgão ou pessoa incompetente ou sem a observância dos procedimentos adequados (nos termos, é claro, da própria Constituição).

Nosso texto constitucional admite duas formas de inconstitucionalidade: a

inconstitucionalidade por ação106, que tem por pressuposto a produção de atos

legislativos ou administrativos que violem disposições constitucionais; e a

inconstitucionalidade por omissão107, que tem por objetivo a obtenção de um provimento

que permita o exercício de direitos consagrados na Carta Magna, mas que não podem ser usufruídos em virtude de falta de normatização.

E é também a Constituição que estabelece os meios de controle de constitucionalidade das normas, controle este que foi resumido pelo professor Silva, J. (2000: p. 52) como sendo “jurisdicional, combinados os critérios difuso e concentrado,

este de competência do Supremo Tribunal Federal. Portanto, temos o exercício de controle por via de exceção e por ação direta de inconstitucionalidade e ainda a referida ação declaratória de constitucionalidade”.

Como se percebe, a própria Constituição Federal, nossa lei fundamental e suprema, instituiu mecanismos contra condutas ou imposições que violem seus preceitos, tudo em prol da supremacia constitucional e, consequentemente, do Estado democrático de direito.

No Brasil, compete ao STF “dar a última palavra” em questões que envolvem matéria constitucional, definindo os paradigmas jurisprudenciais. Nos termos do artigo 102 da Lei Maior, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da

Constituição”.

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Tais Ministros são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal108, devendo exercer tarefa da mais alta importância no sistema jurídico, qual seja, o controle de constitucionalidade dos atos normativos.

Para Machado (2009: p. 7),

com certeza nos preocupa a ideia do controle de constitucionalidade, porque temos consciência de quem tem poder, seja quem for, tende a abusar dele. Por isso mesmo, as cortes constitucionais, que são as normas

106 Artigo 102, I, “a” e III, “a” a “d”. 107 Artigo 103 e §§ 1º a 3º.

de mais alta posição hierárquica, tendem a ultrapassar essas constituições.

De fato, o papel exercido pelo STF, principalmente no que concerne às demandas de natureza tributária, não raramente envolve pressões políticas, principalmente se levarmos em consideração os reflexos que as decisões judiciais nesta seara podem causar no orçamento dos entes públicos.

Não custa lembrar que a decisão judicial é fruto da interpretação, razão pela qual é norteada pelos mais diversos fatores, como expõe Borges (2007: p. 138):

A decisão judicial não é apenas um ato de conhecimento do dado-de-fato constante do processo; as circunstâncias sociais nele emergentes. É também um ato de vontade.

Entre múltiplas alternativas de aplicação do direito, opta o juiz por uma delas. Por isso tal decisão é influenciável pelos fatores e injunções do poder político; interferências governamentais podem pressionar o Judiciário. O juiz não é um autômato, que tão só pronuncie as palavras da lei. Sua atividade rege-se por regras de ponderação do direito a aplicar aos interesses em choque. Nele, há sempre um ato de valorização. E dessa valoração decorre determinada manifestação de vontade: a norma aplicada pela decisão judicial.

Sobre o exercício do Poder Judiciário no direito positivo, Machado (2012: p. 35) foi mais longe:

na instituição do tributo o Estado muitas vezes legisla em desobediência às normas da Constituição. E na aplicação da lei tributária também viola as regras, lançando e cobrando tributos indevidos. E, finalmente, na apreciação dos conflitos gerados pela resistência eventualmente oposta pelo contribuinte também o Estado, por seu Pode Judiciário, muitas vezes viola o Direito.

Diante desse cenário, sem entrar em qualquer debate ideológico inerente ao problema da atividade jurisdicional e sendo fiéis às premissas até aqui traçadas, combatemos decisões exclusivamente políticas.

Entendemos que tributo é norma jurídica que decorre da incidência de um determinado fato à hipótese tributária. A legitimidade ou não quanto à cobrança de um tributo depende justamente da subsunção, aferida a partir da convicção da autoridade competente de que o contribuinte praticou ou não a materialidade prevista na norma, e nada mais!

O impacto financeiro que uma derrota de uma disputa judicial em torno de um tributo possa causar ao Estado jamais poderia servir de argumento para punir o contribuinte de nenhuma maneira. Trata-se de dado não jurídico e que, portanto, não deveria influenciar nas decisões tomadas pelos intérpretes autênticos.

Como assevera Albuquerque (1997: pp. 10,11):

O juiz não é um órgão do Estado, mas do Direito, e, frente a este, como bem advertiu Helmut Coing, o magistrado desfruta de uma posição especialíssima. Não se limita a executar os seus mandatos; é mais propriamente, o protetor e o curador do Direito, e isto num sentido muito mais profundo do que implica a mera aplicação de determinações legais. Para o juiz, o Direito é o conteúdo – e não só o limite – de sua atividade. (...)

A verdadeira essência do Judiciário é a de ser um poder puramente jurídico.

Com efeito, a origem e estrutura de nosso Estado Democrático de Direito deveriam implicar num Poder Judiciário como órgão que tutele ao máximo os direitos individuais, justiça tributária e valores sociais, objetivos estes que se contradizem diante de decisões judiciais fundadas em argumentos predominantemente políticos ou econômicos, ao invés de jurídicos.

Tal como proclamou Tocqueville (1969: p. 90): “a intervenção da Justiça na

Administração não prejudica senão ao andamento normal dos trabalhos, enquanto que a intervenção da Administração na Justiça corrompe os homens e os torna, a um só tempo, revolucionários e servis”.

Na regra do jogo do Direito, ainda que os Governantes se valham de métodos para atender exclusivamente seus interesses, o fato é que os órgãos judiciais, representados em última instância pelo Supremo Tribunal Federeal, deveriam se livrar de questões extra jurídicas.

É sob essa óptica que passaremos a refletir sobre a rigidez da Constituição Federal, lembrando desde já Ataliba (2002: p. 19), quando afirmou que “não é possível

construir uma ciência operante e útil do direito tributário se não dissiparmos os preconceitos”.