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CAPÍTULO III OS LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO

III.II. A Rigidez da Constituição Federal

A Constituição Federal do Brasil é considerada pela maioria da doutrina como rígida. Este foi o termo em que Bryce (1962) utilizou para distinguir o direito constitucional inglês (de constituição flexível) e o direito constitucional de outros países com constituição rígida.

Reportando-nos aos ensinamentos de Ataliba (1968: p. 21):

Em Direito quando se diz que uma norma é rígida, quando se diz que uma Constituição é rígida, está se dizendo que não pode ser mudada por intermédio de uma lei ordinária, não pode ser mudada por lei alguma, não pode ser mudada pelo Parlamento, pelo Executivo, pelo Judiciário, enfim por ninguém. O único meio de se mudar a Constituição é fazer emenda constitucional que está regulada no Capítulo do Processo Legislativo.

Constituições rígidas, conforme Bonavides (2013: p. 87), são:

as que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias. Demandam um processo de reforma mais complicado e solene. Quase todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição, nomeadamente os do atlântico. Variável, porém, é o grau de rigidez apresentado. Certos autores chegam até a falar em Constituições rígidas e semirrígidas.

Constituições flexíveis são aquelas que não exigem nenhum requisito especial de reforma. Podem, por conseguinte, ser emendadas ou revistas pelo mesmo processo que se emprega para fazer ou revogar a lei ordinária.

Dizer, então, que uma Constituição é rígida, é dizer que ela própria, Lei Fundamental, criou barreiras procedimentais e/ou materiais de mutabilidade de seu próprio conteúdo. Nesta conformidade, a Constituição Federal do Brasil é rígida109, pois somente pode ser revista ou alterada mediante observância dos procedimentos especiais que ela própria estabeleceu.

A rigidez da CF, pois, foi sintetizada com maestria por Carrazza, R.110:

a Constituição da República Federativa do Brasil é rígida, na medida em que, além de ter força formal superior à dos demais atos normativos (leis, decretos, provimentos etc.), demanda, para ser modificada, processos

109 Sob a óptica de Mendes e Branco (2012), “a Constituição brasileira de 1988 é do tipo rígido, e a sua rigidez se eleva à condição de princípio constitucional” (p. 71)

especiais, nela expressamente previstos (votação bicameral e em dois turnos, quórum qualificado de três quintos, obediência às cláusulas pétreas etc.).

Para Canotilho (1996: p. 1123),

esta escolha de um processo agravado de revisão, impedindo a livre modificação da lei fundamental pelo legislador ordinário (constituição flexível), considera-se uma garantia da Constituição. O processo agravado da revisão é, por sua vez, um instrumento dessa garantia – a rigidez constitucional é um limite absoluto ao poder de revisão, assegurando, desta forma, a relativa estabilidade da Constituição.

A rigidez da Constituição, pois, gira em torno da ideia de estabilidade da ordem constitucional. E esta rigidez tende a ser alcançada justamente pela exigência de procedimentos dificultadores quanto à reforma constitucional, de forma a tornar o fluxo de emendas o menos frequente possível.

De acordo com a colocação de Moreira, V. (1990: p. 103),

o poder de revisão constitucional é um poder derivado do poder constituinte e a ele submetido, sendo sua função não a de renovar o poder constituinte, alterando livremente a Constituição, mas sim a de defender e preservar a Constituição, mantendo a sua identidade originária e introduzindo as alterações e os ajustamentos que se revelem necessários para reforçar a vitalidade da Constituição.

A edição de emenda constitucional ocorre no âmbito do denominado Poder

Constituinte Derivado, expressão que designa a competência de modificar o texto

constitucional elaborado pelo denominado Poder Constituinte Originário111.

Nesse ponto, corroboramos a crítica empregada por Carrazza, R.112 quanto à terminologia em questão, quando diz que:

Repudiamos a expressão “poder constituinte originário”, por entendermos que inexiste um poder constituinte derivado. Este último, na realidade, não passa de um poder constituído: pode, é certo, modificar a Constituição,

111 Com base nas lições de Moraes, A.: “o Poder Constituinte Originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. (...)O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. (...) O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.” (2012. pp. 25/27).

mas observados certos limites materiais e formais, implícitos e explícitos, conhecidos como “cláusulas pétreas” (“de pedra”, irremovíveis por emenda constitucional).

Noutros termos, o impropriamente chamado “poder constituinte derivado” é subordinado, condicionado e secundário.

O atributo de rigidez do texto constitucional brasileiro pode ser percebido em face do seu artigo 60, a seguir transcrito:

Artigo 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Verifica-se, assim, que o Congresso Nacional tem a aptidão de emendar (alterar) o texto constitucional, isto é, detém o poder de reforma constitucional, desde que cumpridos os aspectos circunstanciais, formal e materiais, todos previstos na própria Carta Magna.

Os aspectos circunstanciais do poder reformador significam que, nas circunstâncias de estado de sítio, estado de defesa ou de intervenção federal, impede- se uma reforma constitucional.

Já o aspecto formal consiste na necessidade de cumprir rigorosamente o quórum e o trâmite para aprovação de uma Emenda Constitucional, exigindo votação bicameral em dois turnos e quórum qualificado de três quintos, na linha do que determinam os incisos I, II III e parágrafos segundo, terceiro e quinto do referido artigo 60 da Constituição.

A formalidade em questão foi objeto da seguinte ponderação de Silva, G. (2000: p. 65):

A rigidez da Constituição de 1988 pode ser considerada branda. Em primeiro lugar, o Congresso Nacional pode reformar a Constituição sem que para isso se exija o concurso de nenhuma outra instância de decisão política: Presidente da República, eleitorado ou Estados. Em segundo lugar, o quórum de aprovação de 3/5 dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, fixado no art. 60, é um dos menos qualificados de que dão notícia os estudos comparativos.

Para Moreira E. (2012: p. 65), “o ponto nodal que permite a referida

instabilidade na Constituição brasileira de 1988 são os limites formais, insuficientes à manipulação do poder político.” Já Machado (2012: p. 50) constatou que “sempre que os governantes pretendem validar determinada conduta que não é admitida pela Constituição, cuidam de introduzir nesta uma emenda que a torna viável”.

A afirmativa quanto à durabilidade de dispositivos constitucionais no Brasil, contudo, merece cautelas, afinal não raramente nossa Constituição é modificada pelo Poder Constituinte Derivado. Nas palavras de Mota e Spitzcovsky (2001: p. 22)

é preciso que se diga que a rigidez da constituição não pode ser vista como sinônimo de durabilidade, pois, se assim fosse, a Constituição brasileira, que é rígida, não estaria sendo alterada a todo momento e as estruturas do Estado inglês, cuja Constituição é flexível, não seriam tão sólidos como são.

Em outras palavras, o quórum de 3/5 do Congresso Nacional não se mostrou rígido o bastante no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista as dezenas de Emendas Constitucionais já editadas.

Esse fato também não passou despercebido para Barreto, P. (1997: p. 1089): “promulgada em 1988, nossa Carta Magna, antes de ser minimamente

conhecida, interpretada, é objeto de uma série infindável de alterações. Fato raro no contexto de uma Constituição rígida, a tendência reformista reina absoluta em nosso País, nos tempos atuais”.

Considerando esse “aparente” empecilho formal a alterações no texto da Constituição por meio de Emendas Constitucionais, torna-se ainda mais essencial a análise acerca dos limites materiais do poder de reforma das Emendas Constitucionais no âmbito tributário.