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É possível perceber que a produção naval no mundo se man- teve dinâmica até a segunda metade da década de 1970, por mais que tivesse sofrido com as flutuações cíclicas do sistema e pas- sado por momentos de acumulação e retração ao longo desse período, como mostra a figura 1.

Figura 1 – Produção naval no mundo “livre” – 1939-1979

Fonte: Tood (1985, p. 9)

Merece destaque, contudo, a situação entre 1964-1975. Esse período, chamado de “anos da bonança” ou “anos loucos”, levou a indústria naval a um novo ciclo de intenso crescimento, compa- rável apenas, ainda que superior, ao período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O auge da produção mundial foi o ano de 1975, impulsionado pela demanda por tanques.

Os principais países produtores investiram na produção em sé- rie deste tipo de embarcação. Especialmente o Reino Unido con- seguiu manter suas contradições internas de produção ocultadas 20. Verband der Deutschen Schiffbauindustrie (HAMBURG apud STRATH, 1987, p. 9).

pelo crescimento do mercado de tanques no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Ao menos aparentemente, essa região permaneceu como uma das líderes do setor até a década de 1970. A partir daí os números de sua atividade naval indicam uma clara perda de liderança para o Japão. 21 Dados da Lloyd’s Register of Shipping evidenciam o mesmo (tabela 1).

Nesse quadro de aquecimento do setor naval, os países tradicio- nais e consolidados no mercado acordaram, em 1972, junto à Orga- nização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), inaugurar uma fase sem subsídios para favorecer a livre concorrência.

Tabela 1

Competição mercantil britânica e japonesa em compa- ração global 1971-1980 (000’S Gross Tonnage)

Fonte: Lloyd’s Register of Shipping (MURPHY, 2013, p. 47)

Todavia, a crise da década de 1970 – conhecida como crise do petróleo – afetou diretamente a demanda por navios-tanques e cau- sou maiores problemas às nações construtoras deste tipo de em- barcação, que sofreram com uma sobrecapacidade. Os países que diversificaram suas atividades e investiram mais na construção de cargueiros dispuseram de uma habilidade de recuperação maior. No entanto, foram a minoria, já que a produção daquela embarca- ção havia sido extremamente significativa até meados da década de 1970 (tabela 2). Em 1974, tanques representavam 81,26% de todos os barcos construídos no mundo. Em 1975, 79,73%.

Tabela 2

Demanda por tipo de navio em TPB x 106 por ano – 1971 a 1983

Ano Tanque Cargueiros Graneleiros Outros Total

1971 80,6 26,8 22,4 14,5 144.2 1972 95,8 22,0 25,1 11,8 154,7 1973 119,4 14,8 17,8 10,4 162,5 1974 196,9 10,2 23,8 11,4 242,3 1975 169,2 7,5 20,8 14,7 212,2 1976 77,3 6,5 26,2 17,0 127,0 1977 31,4 4,5 23,4 19,9 79,2 1978 16,0 3,1 13,5 17,6 50,1 1979 9,7 1,9 6,2 14,1 32,0 1980 18,4 2,3 12,9 10,5 44,1 1981 17,9 3,1 26,7 9,4 57,1 1982 12,0 3,1 31,7 9,4 56,2 1983 7,0 2,2 21,6 9,6 40,5

Fonte: The Toronto Globe and Mail, 19 November 1983, p. B24 (TOOD, 1985, p. 11) Em 1976, a mesma OCDE, que quatro anos antes questiona- va os subsídios e o protecionismo da indústria, desesperadamente passou a clamar pela intervenção do Estado, a partir do diagnóstico de que esta era mais uma crise cíclica do capitalismo (TOOD, 1985, p. 7-9; GITAHY et al., 2011, p. 70).Nesse período, como destaca Da- niel Tood: “países que se movimentavam para proteger suas indús- trias através de subsídios, condenavam a mesma prática em outros países rivais” (TOOD, 1985, p. 10). Para Strath (1987), a alternativa de avaliar esta crise como mais um fenômeno cíclico seria apenas uma ponte na direção da forma keynesiana de interpretar, agir na economia, justificar a injeção de mais subsídios estatais e favoreci- mentos ao mercado (STRATH, 1987, p. 7).

Os países produtores tradicionais foram os principais afetados. A Alemanha Ocidental, em 1975, no final dos “anos loucos”, teve

a saída de 2,5522 Toneladas de Porte Bruto (TPB)23 e, em 1979, 0,39. Reino Unido e França apresentaram trajetórias similares. Fecharam o ano de 1975 com a saída de 1,30 TPB e, em 1979, o primeiro apenas alcançou 0,61 TPB e o segundo, 0,73 TPB. A Suécia, em 1975, teve a saída de 2,46 TPB e no ano de 1979, 0,49. O Japão, após chegar ao auge em 1975 com a saída de 17,9, ter- minou o ano de 1979 com a saída de apenas 4,25 TPB.

Outros países, como Brasil e Coreia do Sul, realizaram trajetó- ria oposta. O primeiro, em 1970, garantiu a saída de 0,10 TPB. Em 1975, chegou a 0,39 TPB e, em 1979, atingiu uma marca recorde de 0,47 TPB. Com base em dados do Sinaval e da Lloyd’s Register do Brasil, diversas pesquisas24 indicaram que nesse período o país alcançou o posto de segundo maior produtor da indústria naval mundial, ficando atrás apenas do Japão. A Coreia, que nem pon- tuou saída de navios em 1970, chegou ao ano de 1975 com a saí- da de 0,44 e fechou a década no mesmo nível. O melhor ano para o país foi 1976. Coreia do Sul e Brasil se beneficiaram do quadro de desaceleração dos outros países e mantiveram taxas altas (em comparação aos outros) até meados da década de 1980.

A Espanha cresceu sua produção em 600.000 toneladas en- tre 1972 e 1975. Em 1977, somente o Estaleiro Bazán entregou 1.813.472 toneladas e o país chegou à terceira posição no ranking mundial de produtores navais. Contudo, já em 1978, sofreu uma queda abrupta e fechou o ano com a construção de apenas 998.000 toneladas (ALÉN, 2013, p. 13).

Em 1982, a Coreia do Sul, até então o principal país emergen- te do setor, passou a produzir 8,3% da produção naval mundial, seguido da Espanha com 3,3%, do Brasil com 3,0% e de Taiwan com 2,7% (tabela 3). O período de “crise do setor naval” para alguns países foi o de auge para outros.

22. A tonelada de porte bruto nessa mediação é considerada pela proporção de 106

.

23. Tonelada de Porte Bruto é a unidade que mede a capacidade de transporte de uma embarca- ção.

24. Ver, por exemplo, Jesus (2013); Pessanha (2012); Goularti Filho (2010), entre outros. A afirma- ção é quase um consenso na literatura sobre o tema. O crescimento pouco sustentado, a queda brusca na produção no período imediatamente posterior, o contexto político de ditadura militar e dados dessa pesquisa nos levam a matizar o papel de destaque aparente obtido pelo país no cenário mundial. Discutiremos melhor este tema no segundo capítulo.

Tabela 3

Saída de navios mercantes em tonelada lançada (TPB x 106)por ano na década de 1970

País 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 Japão 10,4 11,9 12,8 15,6 17,6 17,9 14,3 9,94 4,62 4,25 Coreia do Sul --- 0,01 0,02 0,04 0,04 0,44 0,67 0,46 0,40 0,44 Suécia 1,71 1,84 1,81 2,52 2,21 2,46 2,38 2,13 1,31 0,46 Alemanha Ocidental 1,69 1,65 1,61 1,98 2,15 2,55 1,79 1,39 0,60 0,39 Reino Unido 1,24 1,24 1,23 1,02 1,28 1,30 1,34 1,12 0,81 0,61 França 0,96 1,11 1,13 1,13 1,35 1,30 1,20 0,89 0,64 0,73 Espanha 0,93 0,92 1,14 1,57 1,43 1,64 1,62 1,58 0,66 0,51 Polônia 0,46 0,49 0,58 0,55 0,66 0,61 0,53 0,49 0,68 0,49 EUA 0,34 0,48 0,61 0,89 0,8 1,0 1,07 1,02 0,90 0,71 Brasil 0,10 0,15 0,16 0,15 0,32 0,39 0,43 0,57 0,70 0,47 Mundo 21,6 24,8 26,7 31,5 34,6 35,9 31,0 24,1 15,4 11,7

Fonte: Annual Summary of Merchantships Completed in the World – Lloyd’s Register of Shipping, London (TOOD, 1985 p. 8)

O Estado cumpriu papel central para manter as taxas de de- senvolvimento da indústria nos países tradicionais. A Suécia e o Reino Unido nacionalizaram seus estaleiros. O Japão, com uma indústria marcada desde o início por altos subsídios, foi alvo de ações governamentais que procuraram inibir a competição inter- na e seguiu na dianteira da diversificação de sua produção, tendo fabricado, no ano de 1983, mais graneleiros (50,2%) do que tan- ques (24,1%).25 A Coreia do Sul e a Espanha também diversifica- ram suas produções. Outros países, como o Brasil, tiveram uma queda muito acentuada na produção de tanques, o que aparen- temente aproximou os números de produção deste tipo de navio dos outros (TOOD, 1985, p. 10).

De maneira geral, a partir da década de 1970, quase todos os países produtores investiram mais na construção de graneleiros. Apenas quatro falharam nessa missão: Grécia, França, Holanda 25. A indústria naval do Japão nos interessa nesta pesquisa principalmente por analisarmos um estaleiro que tem em sua origem o capital japonês, o Ishibrás.

e Noruega. Grécia e França compensaram a produção com na- vios de carga seca e tipos diferenciados de tanques (TOOD, 1985, p. 10-13). Diversos países tentaram também ampliar seu arranjo produtivo no setor naval, mas acabaram limitados pela asfixia financeira, como foi o caso de Portugal (FONTES, 2013, p. 9).

Tabela 4

Proporção de tipos de navios ordenados nos países líderes da indústria naval – 1983

País Carga seca/ Contentores

Tanques Graneleiros Total

Japão 22,5 24,1 50,2 40,4 Coreia do Sul 11,7 12,7 13,8 13,3 Polônia 8,4 6,8 3,0 4,6 Brasil 1,9 3,6 5,4 4,5 Espanha 3,8 3,4 4,6 4,2 Taiwan 3,6 1,3 3,3 3,9 URSS 2,7 7,2 1,3 2,7 China 5,5 1,7 1,9 2,4 România 2,0 3,4 2,2 2,4 Yugoslávia 1,3 7,5 0,8 2,3 Índia 0,4 -- 3,0 1,9 Portugal 0,2 6,5 0,8 1,9 Reino Unido 1,1 1,8 2,1 1,9 Outros 34,9 20,0 7,6 14,5