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Daniel Tood (1987) mostrou que diferentes fatores influencia- ram a possibilidade de produzir navios mais baratos: a combina- ção de baixos custos do trabalho com incentivos governamentais, a inovação da produção, a articulação entre a engenharia naval e a produção naval e a transferência de tecnologias mais avançadas para os países que ainda não as detinham. Tais elementos permi- tiram que alguns produtores se tornassem mais competitivos que outros na fabricação de determinado tipo de navio.34 O Japão, nos anos 1980, foi o mais bem sucedido nesta missão. Para Haragushi 33. O COMECON foi fundado em 1949 para garantir a integração econômica de países do Leste europeu.

34. Sobre este tema, ver o capítulo três do já citado livro de Daniel Tood. O autor trabalha com os preços dos navios, seus custos e o local onde o navio é produzido.

(2013), as condições principais que impulsionaram o crescimento japonês foram a proteção do Estado, a inovação tecnológica e os competitivos preços dos navios. O pesquisador destaca ainda que os baixos salários pagos aos trabalhadores também contribuíram significativamente para tornar os preços dos navios japoneses mais atrativos (HARAGUCHI, 2013, p. 2-3).

A contínua disputa na produção dos graneleiros, naquela épo- ca de pequena demanda por tanques, trouxe mais ganhos para o Japão e a Coreia do Sul. A “nova era” da indústria naval, após a década de 1970, encorajou de fato outros mercados,35 mas logo em seguida a procura por tanques voltou a crescer. O Japão avan- çou ainda no setor de porta-contentores e se tornou responsável por 50% da demanda mundial nos anos 1980 (GARCIA CALAVIA, 1999). Sua liderança foi acompanhada por outros países asiáticos, como a Coreia do Sul e a China.

A Coreia do Sul investiu em vários tipos de graneleiros e, junto com o Japão, se tornou o país mais competitivo na maioria das áreas de produção naval em série. A China criou, em maio de 1982, a Corporação da Indústria Naval do Estado da China (CSSC), con- glomerado controlado pelo Estado chinês com várias empresas. A CSSC é responsável por 153 organizações, dentre as quais estalei- ros, centros educacionais e de pesquisa, segmentos de construção naval militar, comercial e de reparação naval. O país, que possuía então uma força de trabalho de 180.000 operários no setor, iniciou uma escalada ascendente no segmento, com a produção de gran- des tanques e porta-contentores (NABUCO, 2013, p. 6-7).

Na Europa, a Polônia se tornou a mais competitiva nos navios de carga seca e tanques. O Reino Unido especializou-se em graneleiros e contentores. A Grécia, em navios de carga seca. As empresas que atuaram como grandes monopólios dentro da mesma cadeia produ- tiva foram as mais bem sucedidas (TOOD, 1985, p. 358-359).

A inovação da produção foi outro importante aspecto para baratear os custos nessa nova fase da indústria, e a mais bem 35. Tood também acrescenta que nesse período o mercado de navios de guerra tinha desaparecido (1987, p. 361-362). Importante destacar, que por mais que essa premissa seja verdadeira de maneira global, os navios de guerra continuaram sendo a base da indústria naval de alguns países, como o caso dos EUA, por exemplo. O estaleiro Cockatoo, da Austrália, também se manteve com esta carteira de encomenda até o início da década de 1990, quando foi fechado (MILNER, 2013, p. 2).

aproveitada, quando foi possível aliar o ambiente estrutural, o fator tecnológico e o nível da demanda. Para isso, os subsídios estatais continuaram como instrumentos essenciais.36 A articu- lação entre a indústria naval e a engenharia naval em cada país foi igualmente central para a dinâmica inovativa e mais uma vez foram os japoneses que obtiveram melhores resultados. O Japão foi pioneiro na estratégia de pré-fabricação do navio, aplicada especialmente nos VLCC (navios-tanque pesando entre 201 mil e 319 mil toneladas) no início dos anos 1980. Assim, deixaram para trás as grandes inovações britânicas (TOOD, 1985, p. 359).

Benjamin Coriat, na obra Pensar pelo Avesso (1994, p. 11), so- bre o modelo japonês de produção, destaca que o estilo produtivo criado no Japão por inspiração de Taiichi Ohno introduziu um conjunto de inovações organizacionais cuja importância de alcan- ce é comparada às que foram realizadas pelos norte-americanos Henri Ford e Frederick W. Taylor. Estas, tanto no âmbito da orga- nização do trabalho quanto na gestão da produção, estabelece- ram ligações de coerência e dinâmica entre si e constituíram um complexo sistema (CORIAT, 1994, p. 11).

A ideia do estoque zero, excesso de pessoal, junto à formulação do método kan-Ban e da empresa mínima,37 foi absorvida pela in- dústria naval de modelo japonês e aplicada – com algumas de suas características, de acordo com as particularidades locais – em outros países produtores.38 Prova disso é o aperfeiçoamento do setor como uma grande indústria de montagem, tal como se apresenta hoje.

Entretanto, o chamado “sistema supermercado” sempre foi praticado na indústria de construção naval, por critérios óbvios de mobilidade e em função da magnitude da mercadoria produzi- da neste segmento. Oposto ao modelo fordista, no qual as peças iam até o trabalhador, no modelo japonês o empregador se abas- tece sempre que necessário das peças importantes para a produ- ção de determinada mercadoria.39

36. Alguns países, entretanto, não contaram com o apoio do Estado para o desenvolvimento da indústria naval. Um exemplo é a Tailândia, que convive com baixas taxas de produção e desenvol- vimento. Para mais, ver Mocci (2013).

37. Método de gestão dos efetivos por estoques, que leva à fábrica mínima (CORIAT, 1994, p. 34). 38. Sobre a possibilidade de transferência do modelo japonês para outras regiões, em especial o Brasil, ver, por exemplo, Hirata (1993).

39. Pessanha (2013) mostra que a possibilidade de transitar pelo estaleiro e, de certa forma, con- trolar o tempo de trabalho, permite ao operário naval algum domínio sobre sua reprodução técnica. Motta Veiga (1984) destaca que o processo de construção naval é especialmente complexo e mais dependente do ritmo de trabalho humano do que das máquinas utilizadas, o que garante um grau de autonomia deste trabalhador em relação ao uso do tempo padrão.

Também as técnicas de controle do processo de fabricação e a produção just in time40 (oposto ao sistema fordista) já eram uti- lizadas pela indústria naval. Em lugar de ser feita em cadeia, no modelo japonês e na indústria naval, a produção apenas se inicia quando as encomendas já foram realizadas e, em grande parte dos casos, parcialmente quitada. E ainda, a difusão do modelo de produção just in time em outros setores produtivos elevou a importância do comércio marítimo, já que as empresas passaram a depender em maior grau da mercadoria/estoque que deixou de permanecer nas empresas para estarem sempre em trânsito.

Haragushi (2013, p. 2) mostra que as inovações técnicas de soldagem em bloco e o sistema de controle adotado no processo de construção do navio japonês permitiram a agilidade da produ- ção ainda na década de 1950. Um navio de 32.000 toneladas que era construído em 128 dias na Suécia (país mais rápido da Euro- pa) poderia ser construído em apenas 79 dias no Japão.

O país também foi responsável pela transferência tecnológica41 que transformou a produção naval desde a década de 1950, mas principalmente no pós-anos 1970. A Coreia do Sul, que até a dé- cada de 1960 absorvia a tecnologia norte-americana e holandesa (SHIN, 2013, p. 4-5), é um exemplo neste campo, junto com a Índia, a Grécia e a China (TOOD, 1985, p. 360). Como veremos no segundo capítulo, o Brasil foi também alvo da estratégia japo- nesa na década de 1970. Tal fato se deu não apenas no âmbito da modernização da base técnica do setor, mas também no controle e no planejamento produtivo no período em que o país viveu uma ditadura militar, com repressão do trabalho e da atividade sindical. Não é possível argumentar, contudo, que o “sistema de empre- go” japonês foi absorvido pelos países que se beneficiaram da sua transferência tecnológica. Segundo Coriat (1994, p. 84-90), todas 40. O modelo de produção just in time foi desenvolvido por Ohno. Mais do que reduzir estoques, é um processo cognitivo em torno da eficiência da produção e da garantia de uma permanente tensão na empresa (CORIAT, 1994, p. 57).

41. Alguns países, contudo, se beneficiaram da transferência tecnológica de outras potências da indústria. Portugal, por exemplo, contou com o suporte sueco para a introdução de um dos prin- cipais desenvolvimentos tecnológicos da indústria no país, o sistema “Steerbear” (FONTES, 2013, p. 19); a Espanha, apesar de ter incorporado a tecnologia japonesa nos anos 1970, beneficiou-se da tecnologia norte-americana e britânica nos anos 1950 (estratégica fundamental para a criação da Empresa Nacional Bazán, concentrada na indústria naval militar) e, no final da década de 1960, também da francesa (ALEN, 2013, p. 1-3, 14-15).

as apresentações do sistema de relações de trabalho japonesas se pautaram em três traços centrais: o sindicalismo de empresa, o emprego vitalício e o salário por antiguidade. Talvez seja possível considerar que especialmente o primeiro traço, aliado aos círculos de controle de qualidade, foi o mais difundido. Os outros, porém, estavam mais ligados à situação política e econômica do Japão no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando o país enfrentou escassez de mão de obra masculina qualificada e precisou criar mecanismos de fixação da força de trabalho.

O país permaneceu como líder da indústria até o final da déca- da de 1990, quando a Coréia do Sul o superou. Em 2006 a Coréia foi responsável por 36% da produção mundial de barcos, seguida pelo Japão, com 23% e pela China, com 10%, que já nesse mo- mento apresentava-se como o país de maior crescimento do setor. Tal crescimento se deu principalmente porque na década de 1990 a China promoveu uma agressiva política de investimentos estatais com variados tipos de incentivo: exceção de tarifas na im- portação de componentes-chave para navios com alta tecnologia, investimento e incentivos para pesquisa e desenvolvimento, acor- dos para cooperação técnica internacional e assistência financeira através de bancos. Em 1999, a CSSC mudou-se de Shanghai para o sul da China e foi criada a CSIC – China Shipbuilding Industrial Corporation (NABUCO, 2013, p. 8-9).

Em 2009, a China já representava 37,6% da produção mun- dial, a Coreia, 33,1%, o Japão, 24,6%. Já a União Europeia re- duziu sua participação para 3,8%. Os três países asiáticos são hoje responsáveis por extensas linhas de montagem e especia- listas em embarcações por escala. Contam com forte estratégia intervencionista do Estado. 42

Tal quadro, de diminuição da produção europeia e emergên- cia das potências asiáticas, tem estimulado análises que indicam uma relocalização internacional, concentração da oferta e rees- truturação do processo produtivo no segmento.43 A indústria na- 42. Segundo Saj (2010), baseado em Lloyd’s World Shipbuilding Statistics (2009) reproduzido por Gitahy et al. (2011, p. 5).

val mundial teria passado do continente europeu para o conti- nente asiático. Entretanto, as conclusões preliminares da já citada pesquisa In the same boat indicam ser exagerado tratar de uma relocalização da indústria, já que grande parte da tecnologia de ponta do setor continua sendo produzida na Europa.

Os países asiáticos se especializaram na produção de grandes embarcações, mais aceitas atualmente no mercado, como grane- leiros e petroleiros. Os principais estaleiros da Ásia são também os maiores do mundo, como Hyundai Heavy Industries, Daewoo Shipbuilding and Machinery Engineering, Samsung Heavy Indus- tries, Mitsubishi44 e Kawasaki. Entretanto, países como França, Itália e Alemanha, apesar de não alcançarem grandes percentuais de tonelada de porte bruto, têm reorientado sua produção para barcos especiais com tecnologia de ponta, ferry-boats e linhas de cruzeiros de luxo, submarinos, barcos científicos e equipamen- tos de alto conteúdo tecnológico. A estratégia de competitividade adotada e o patamar de acúmulo das conquistas salariais e não salariais da classe trabalhadora destes países são outros. Por isso, investem em inovação, tecnologia e dispõem de uma mão de obra bastante qualificada.

Contudo, de fato não se pode negar que os números gerais de tonelada de porte bruto ou tonelada bruta compensada45 (Com- pensated Gross Tonnage – CGT) produzidos mundialmente estão hoje mais concentrados no continente asiático, com destaque para a China e a Coreia do Sul. Em anos recentes, o Brasil também apareceu novamente nas estatísticas da indústria naval mundial. Em dezembro de 2010 ocupava a 9a posição da demanda mundial por novos navios, com 116 barcos e capacidade de 1.278.000 CGT – muito abaixo da China, líder da lista, com o total de 2.967 bar- cos e 48.922.000 CGT.46

44. A Mitsubishi também está na lista das 50 corporações mais importantes do mundo.

45. “Compensated Gross Tonnage” é um indicador da quantidade de trabalho necessário para construir um dado navio, multiplicando a tonelagem do barco por um coeficiente determinado de acordo com o tipo e o tamanho de um navio particular. Foi desenvolvido pela OCDE em 1977 e reformulado em 2007.

Tabela 8

Total da demanda mundial por novos navios dezembro 2010

Fonte: IHS Fairplay World Shipbuilding Statistics, December 2010 (PEREIRA, 2013b)