• Nenhum resultado encontrado

ESTALEIRO CAPITAL TRABALHADORES CAPACIDADE

6.4 Reabertura política e ações coletivas (1985-1995)

A campanha salarial de 1986 foi um fracasso. Após a realiza- ção de três dias de paralisação, o dissídio coletivo julgado conce- deu um reajuste de 9%, muito abaixo da inflação e por incrível que pareça, menor do que a proposta inicial dos patrões, de 12%. Os trabalhadores também tiveram desconto nos dias parados. A campanha salarial seguinte, de 1987, reivindicou reposição de 69% (NASCIMENTO, 2001, p. 271-272).

Num cenário de perdas econômicas para a categoria e baixo dinamismo sindical, o grupo majoritário que compunha a direção desde a década de 1960 ficou extremamente desgastado e perdeu as eleições em 1987. O setor apoiado pela CUT, composto por mo- vimentos como a OSM, e por grupos ligados à diretoria anterior, como o Ferramenta (PDT) e a Garra Metalúrgica (PCdoB), ganhou a eleição com cerca de 50% dos votos. A vitória desse setor foi vista por diversos autores como a chegada do “novo sindicalis- mo” ao Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.201

O presidente eleito, Washington da Costa, realizou uma gestão com campanhas salariais conectadas às manifestações nacionais organizadas pela CUT. Em março de 1988, o Sindimetal filiou-se a essa Central. Washington foi reeleito presidente e no final de 1989, tinham sido criadas mais 10 comissões de fábrica.202

Realizou-se nesse período a famosa mobilização nacional “Acorda peão!”, que exigia reposição salarial fora do período ofi- cial de reajuste; o aumento de 60%; jornada de 40 horas sema- nais; liberdade de organização das comissões de fábrica; estabi- lidade e unificação do piso salarial e da data-base da categoria. A mobilização alcançou vitórias em alguns estados, mas a Fede- ração das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) não abriu espaço para a negociação. Em resposta, os trabalhadores realizaram em maio de 1988 uma paralisação de sete dias. A greve ganhou vi- sibilidade pela ocupação das principais avenidas da capital com uma passeata na Av. Rio Branco e um piquete na Av. Brasil, que a paralisou por 30 minutos. Foi alcançado um reajuste de 30% fora da data-base, mas os dias parados foram descontados (NASCI- MENTO, 2001, p. 274). Sobre esta mobilização, Raimunda Leone, tesoureira do Sindimetal-Rio em 2013, destacou orgulhosa:

Teve uma greve muito grande que parou a Ave- nida Brasil. Parou a cidade do Rio de Janeiro. Foi a campanha Acorda Peão! Eu não estava na diretoria sindical mas me lembro bem. Esse momento foi de muitas greves (Raimunda Le- one, tesoureira do Sindimetal-Rio, entrevista realizada por Juliana Marques, em 21/03/2013) Neste mesmo ano, no período tradicional da data-base, os me- talúrgicos voltaram à greve e exigiram, entre outras pautas, 90% de reajuste salarial. A greve de um dia contou com baixa adesão e o acordo obtido angariou poucas vantagens. Em 1989 a cam- panha foi mais bem sucedida. Depois da convocação de “estado de greve” o setor patronal atendeu à parte das reivindicações, 202. Jornal Meta, 1989 (apud NASCIMENTO, 2001, p. 273).

como 50% de acréscimo do salário sobre a hora extra normal e 100% no sábado, no domingo e nos feriados; insalubridade sobre o piso salarial; e acesso dos dirigentes sindicais às empresas. Em 1990 os metalúrgicos realizaram nova paralisação, de 16 dias, com eventos públicos, passeatas e enfrentamento policial. A gre- ve alcançou um reajuste de 138%.

Os operários navais vinham realizando lutas anualmente des- de 1985, independente da direção sindical (PESSANHA, 2001, p. 101). Em 1989 os trabalhadores do Estaleiro Caneco fizeram uma greve de ocupação na empresa. Em 1991 este Estaleiro vol- tou a parar e foi acompanhado pelo Ishibrás. Ambos os coletivos operários exigiam melhores condições de trabalho e defendiam a manutenção de seus empregos, diante da possibilidade de en- cerramento das empresas (NASCIMENTO, 2001, p. 276-277). A retração da produção naval nacional já vinha sendo sentida, es- pecialmente no Ishibrás.

A situação no Rio de Janeiro e no país era de grande instabili- dade econômica, com o fechamento de metalúrgicas e estaleiros e perdas salariais em virtude dos planos econômicos da época. As entrevistas realizadas por esta pesquisa e os dados coletados indi- cam a existência de uma orientação da CUT para que os sindica- tos realizassem a cobrança das perdas através das ações coletivas. Tal fato gerou o aumento significativo deste tipo de dissídio nos anos 1990 e a crítica de ministros do STF e de atores da Justiça do Trabalho.203 O Sindicato estruturou um departamento específico, com coordenador próprio, voltado para os direitos coletivos.

Segundo o advogado trabalhista e coordenador do setor jurí- dico na gestão de Washington e Manoel, a intenção política da CUT era obstruir os trabalhos da Justiça como forma de protesto contra as perdas oriundas dos planos econômicos dos governos Sarney (1985-1990) e Collor (1990-1992), em especial do plano Collor.204 Este mesmo advogado ressaltou que o montante de 203. Como vimos no capítulo anterior, a partir das pesquisas do DIEESE (2006), Silva (2008) e de Araújo et. al (2006), o aumento dos dissídios coletivos nos anos 1990 se tornou “justificativa” para o Enunciado 310.

204. Entre 2013 e 2014 a judicialização das perdas causadas pelos planos econômicos voltaram ao noticiário. Atores coletivos (como o Instituto de Defesa do Consumidor) e atores individuais exi- giram o julgamento de ações pela recuperação das perdas nas poupanças, causadas pelos planos econômicos. Caso o STF julgue as ações procedentes, os bancos deverão devolver aos poupadores cerca de R$ 1,3 trilhão. Ver, entre outros, “STF adia para 2014 decisão sobre poupança”. Disponível em: http://oglobo.globo.com. Acesso em: 10/01/2014.

ações individuais dos estaleiros na época era superior a qualquer outro segmento, devido à crise da indústria naval e às demissões sem o pagamento das verbas rescisórias.

Nós distribuímos mais de 2.000 processos e in- viabilizamos o TRT-RJ. Nós sabíamos que não íamos ganhar, mas era uma questão política. Isto envolveu todas as metalúrgicas e todos os estaleiros que nós tínhamos cadastro (Advoga- do trabalhista do Sindimetal-Rio nos anos 1980 e 1990, 06/08/2013).

O quadro econômico se agravava progressivamente e, nesse ambiente o Sindicato abriu um período de maior negociação com as Câmaras Setoriais.

Elina Pessanha (2001) demonstra que, no final da década de 1980, alguns operários navais metalúrgicos (especialmente os dos estaleiros mais novos e as lideranças sindicais) foram pioneiros na negociação coletiva tripartite entre Estado, trabalhadores e empresários do setor naval, com vistas à defesa do setor como um todo.

Estes sindicalistas das cidades do Rio de Janeiro, Angra dos Reis e Belém do Pará criaram um grupo específico do setor naval dentro das Câmaras Setoriais de Bens de Capital. Contudo, os trabalhadores do Estaleiro Caneco e também os de Niterói, seg- mentos mais tradicionais, se recusaram a participar da Câmara, interpretando a prática como submissão e conciliação patronal (PESSANHA, 2001, p. 95-101).

Estabelecidas no final do governo José Sarney, as Câmaras Seto- riais foram criadas com o argumento de atenuar os conflitos dentro das cadeias produtivas, e reuniram representantes de empresas de um mesmo segmento econômico. No governo Collor, foram arti- culadas como Grupos Executivos de Política Setorial (GEPS) e in- corporaram técnicos governamentais, tendo função de negociar e coordenar setorialmente os programas de incremento de qualidade e competitividade que se apoiavam no tripé: abertura comercial, privatização e incentivos governamentais à modernização.205

Em maio de 1993 a Câmara de Bens de Capital do Setor Naval assinou um acordo, com vigência de um ano, para a retomada das atividades. O acordo estabeleceu meta de produção de 1,6 milhões de TPB entre 1993 e 1994; geração de 7 mil novos empre- gos; liberação de recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) para a conclusão de obras; e contratação de novos navios. A Petrobras poderia utilizar, além dos recursos do FAT, os do Adi- cional de Frete de Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) para a encomenda de embarcações. Foram criados igualmente planos de incentivo e desoneração da carga tributária (PESSA- NHA, 2001, p. 96).

De fato nesse curto período, como já destacado no segundo ca- pítulo, os postos de trabalho no setor foram ampliados em pequena esfera: de 5.000 em 1992 para 12.000 em 1993. Os trabalhadores também garantiram a estabilidade, durante a vigência do acordo, e reajuste salarial. Entretanto, a política proposta se mostrou sem fôlego suficiente. O grande contingente de trabalhadores do setor naval acabou demitido e obrigado a atuar no setor informal.

Gráfico 1

Empregos diretos 1990-1998

A fase de maior negociação, através das Câmaras Setoriais, e a derrota dessa experiência refletiram-se nas disputas sindicais. As divergências quanto à estratégia adotada pela direção majoritária geraram uma cisão no campo cutista e a eleição sindical de 1993 contou com a disputa de duas chapas da CUT. A corrente “Arti- culação” 206, ligada ao PT, foi vitoriosa com Carlos Manoel para a presidência e as chapas cutistas alcançaram 70% dos votos (NAS- CIMENTO, 2001, p. 279).

Os operários navais tornaram-se o coletivo mais crítico em re- lação à direção sindical e à prática de negociação implementada pelo grupo que se apresentava como “o novo”. Mobilizavam-se nos estaleiros realizando greves, paralisações e sabotagens contra de- missões injustas e o descumprimento de direitos, como veremos nos casos dos Estaleiros Caneco e IVI. Naquela época os comunis- tas aproveitaram seu trabalho entre os navais, o questionamento das bases e as mobilizações que vinham ocorrendo nos estaleiros, para derrotar o campo petista. Assim, na eleição sindical seguinte, chegaram enfim à “cabeça de chapa” do Sindicato, levando para a presidência o operário naval do Ishibrás Luiz Chaves, em 1996.

Para Ramalho e Santana (2001, p. 41-42), o teor das pautas de reivindicação sindical sofreu nítidas transformações na década de 1990 entre a gestão de Carlos Manoel e de Luiz Chaves, muito em virtude da conjuntura de então. No início da década de 1990, quando a crise não se fazia sentir com tanta força, o Sindicato buscou articular as demandas dos trabalhadores com as dos seto- res mais amplos da sociedade, manifestando uma postura sindi- cal ofensiva e “para fora”, de diálogo com a sociedade. Em mea- dos da década de 1990, na eleição de Chaves, a estratégia sindical que o levou à presidência tinha como proposta voltar o Sindicato “para dentro”, numa postura mais defensiva e de diálogo interno com a categoria. O Sindicato passou a discutir mudanças de pauta condizentes com a realidade de perda de direitos e desemprego, mas também a incorporação de questões sociais e identitárias da classe trabalhadora, como gênero e etnia, sem desprestigiar com isso a importância das comissões de fábrica.