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A indústria naval continua, como no início do século XX, do- minada por grandes monopólios internacionais.

Em seu estudo na década de 1980, Daniel Tood descobriu que são raras as empresas da indústria naval que se mantiveram sem- pre em operação no mesmo ramo. O comum para as companhias de sucesso era atuar em diferentes áreas, dentro da mesma ca- deia produtiva (TOOD, 1985, p. 358-359). Agiam como grandes monopólios que dominavam o mercado mundial, de forma geral. Segundo este autor, exemplos como estes se deram na indústria do aço dos Estados Unidos, da Alemanha Ocidental, do Japão e da Coreia do Sul, os dois últimos através das corporações zaibat-

su e chaebol, respectivamente. Estas diversificaram sua ativida-

de numa série de produtos conectados inicialmente à construção naval, mas que foram se tornando cada vez mais alheios a ela (TOOD, 1985, p. 363).

Na década de 90, Benjamin Coriat identificou igualmente a dificuldade de o Brasil adotar o modelo just in time devido à sua estrutura industrial “fortemente oligopolizada”. Segundo ele, a oferta de certas matérias-primas essenciais, como aço e vidro, era concentrada por grupos privados ou públicos que impunham seus prazos de forma a controlar o mercado a seu bel prazer (CO- RIAT, 1994, prefácio à edição brasileira, p. 14).

Nossa pesquisa também indica a força que os monopólios do setor naval, tanto no plano local quanto no global, possuem ao pressionarem economicamente os estaleiros menores. No Japão, por exemplo, o poder das grandes empresas da indústria naval pe- sada do pós-Segunda Guerra Mundial lhes deu a alcunha de “big seven”. São elas: Mitsubishi Heavy Industries, Ishikawagima Hari- ma Industries (IHI), Kawasaky Heavy Industry, Mitsui Engineering and Shipbuilding, Hitachi Shipbuilding, NKK Corp (Japan Seam- less Pipe) e Sumitono Heavy Industries (HARAGUCHI, 2013, p. 1). As “big seven” atuavam de forma articulada e dividiam entre si a produção de navios. Definiam a produção dos estaleiros me- nores e construíram uma estrutura de divisão que só foi quebrada no final da década de 1970, durante o período de recessão japo- nesa. Nesse contexto, as maiores empresas conseguiram garantir seus lucros fora das divisões da indústria naval através da diversi- ficação das suas atividades.47 As pequenas e médias, sem liquidez para adotar tais estratégias, faliram (HARAGUSHI, 2013, p. 3).

Em 2009 tais empresas continuaram dominando o mercado japonês e com significativa influência no mercado mundial. A Ishikawagima Harima Industries (IHI) uniu-se formalmente à Su- mitono Heavy Industries e montou a gigante mundial IHI Mari- ne United. A Kawasaky Heavy Industry realiza parcerias formais com a Mitsubishi Heavy Industry (conhecida também como MHI Shipbuilding & Ocean). A Hitachi fundiu-se à NKK Corp (Japan 47. Como já indicava Daniel Tood.

Seamless Pipe). A Samsung Heavy Industry está associada à cor- poração composta pela Tsuneishi Corp e a Hashihama Shipbuil- ding, que possui 40 companhias e 100 afiliadas (COLIN, 2009).

Na Coreia do Sul, a Hyundai Heavy Industry segue como líder do mercado. Segundo pesquisa do Centro de Estudos em Gestão Naval, a empresa possui 15% da divisão do mercado mundial da indústria naval (COLIN, 2009). Dos 13.559.092 CGT produzidos pela Coreia em 2011, a Hyundai Heavy Industry era responsá- vel por 3.317.893, a Hyundai Samho, por 1.744.193 e a Hyun- dai Mipo, por 1.348.213, ocupando a primeira, quarta e a quinta posições do mercado, respectivamente. Entre as seis gigantes da indústria naval coreana se encontram também a Samsung Heavy Industry, a Daweoo e a STX, com filiais em todo o mundo.48

A China apresenta uma realidade diversa da de outros países, já que a intervenção do Estado é mais direta. O CSSC domina a indústria naval no país e tem forte influência internacional. O se- gundo maior estaleiro, o China Shipbuilding Industry Corporation (CSIC), também é influenciado pelo Estado chinês, que define sua gestão de capital e investimento. Atua ainda no país o gru- po Nangton Cosco KHI Ship Engineering Co., uma joint venture (operação de risco) entre a COSCO e a Kawasaki. A China conta igualmente com a articulação da KHI e a China Ocean Shipbuil- ding Industry (COLIN, 2009).

De Singapura, dois estaleiros se destacam no cenário mundial: o Jurong Shipyard, uma joint venture entre o governo da Singapura e a Ishikawagima Harima Heavy Industry, e o Keppel Offshore & Ma- rine. Este atua em diversos países, incluindo o Brasil (COLIN, 2009). Na Itália, um dos principais estaleiros é o Ficantieri, que pos- sui os estaleiros Monfalcone, Sestri Ponente e Palermo. Na Dina- marca, o grande grupo do setor se chama Odense Steel Shipyard Group, que possui, além do estaleiro que leva o seu nome, o Volkswerft Stralsung (ligado ao P+S Werften da Alemanha), o Baltya Shipbuilding Yard e o Loksa Shipyard. A Romênia conta com o Damen Shipyard Galatz, que é parte do grupo holandês Damen. A Polônia, após o colapso da indústria em 2009 quando 48. Informações do “Shipbuilding Industry Map”, relatório de Wonchul Chin. Ver Pereira (2013b).

o emprego no setor caiu cerca de 50%, conta com o Stoczma Gdy- ma, que possui os estaleiros Gdynia e Gdanska e o Szczecinska Nowa Stoczma.49 Já a Noruega possui o forte grupo Aker Yards S/A, formado por cerca de 16 estaleiros localizados na Noruega, Finlândia, Romênia, França, Alemanha e Brasil (COLIN, 2009).

Na Alemanha, os principais estaleiros são o Meyer Werft Gruppe, o P+S Werften, que é também parte do já citado gru- po Volkswerft Stralsund que atua na Dinamarca, o Fr. Lürssen Gruppe, o FSG (Flensburger Schiff ) e o Howaldtswerke, parte do Thyssenkrupp Marine Systems.50 O Thyssenkrupp, um grupo industrial diversificado que só no Brasil emprega cerca de 21 mil pessoas em 20 empresas distribuídas pelo país,51 tem estaleiros em Hamburgo, Emden, Rendsburg, Kariskrona e Malmo, na Sué- cia, e em Scaramanga, na Grécia (COLIN, 2009).

No Brasil, como veremos a seguir, os grandes grupos que dina- mizaram e concentraram grande parte da indústria naval nacional na metade do século XX eram de capital japonês (Ishikawagima Harima, uma das “big seven”) e holandês (Estaleiro Verolme). Ao longo dos anos cresceu também a influência do grupo sul-coreano ligado à STX, do norueguês Aker Yards ASA, do Jurong e do Keppel FELDS, da Singapura, e do Kawasaki, japonês. Os grupos atuam de forma independente no país ou associados a estaleiros nacionais.

Em 2005, o London-based Shipbroker Clarkson52 apresentou o ranking dos 10 principais estaleiros da indústria naval mundial. A Hyundai Heavy Industries ocupava o primeiro lugar e a Sam- sung Heavy Industries, o segundo. A Hyundai Mipo Dockyard e a Hyundai Samho Heavy Industries, subsidiárias da Hyundai Heavy, ocupavam o quinto e o sexto lugares, mostrando a força do grupo no setor, a Hanjin Heavy Industries & Construction, o sétimo e a STX Shipbuilding, o oitavo. Na lista de 2005 constavam ainda duas empresas japonesas e uma chinesa.

49. Ver relatório de Sarah Graber em Pereira (2013b).

50. Informações sobre o “Shipbuilding Industry Map”, ver relatório de Johanna Wolf, em Pereira (2013b).

51. Informações disponíveis no site do grupo: http://www.thyssenkrupp-brazil.com/cl/ content.php ?navid=2&subnavid=1&sprache=cl. Acesso em: 05/09/2013.

52. Disponível em: http://www.marinetalk.com/articles-marine-companies/art/7-Korean-Shipbuil- ders-Rank-in-Top-10-xxx000123742OT.html. Acesso em: 05/09/2013.

Em 2012, o Clarkson World Fleet Register53 divulgou uma nova lista, que continha pouca diferença. Nesta, a Shanghai Waigao- qiao (Shanghai, China), subisidiária da holding China State Ship- building Corp. ocupava o décimo lugar e a Imabari Shipbuilding (Marugame, Japão), o nono. O grupo Hyundai continuava com grande influência no setor, ocupando o oitavo lugar com a Hyun- dai Mipo (Ulsan), o quarto lugar com a Hyundai Samho (Samho), e o primeiro lugar com a Hyundai Heavy Industry (Ulsan), todas na Coreia do Sul. Em sétimo lugar estava a Oshima Shipbuilding (Oshima, Japão), seguida das também japonesas Tsuneishi Shi- pbuilding (Numakuma) e Mitsubishi Heavy Industry (Nagasaki), na sexta e na quinta posições. A Coreia volta ao terceiro e ao se- gundo lugares com a gigante Samsung Heavy Industry (Goeje) e a Daewoo Shipbuilding (Okpo), respectivamente.

Tabela 9

10 principais construtores navais em Gross Tonnage – 2012

10 Shanghai Waigaoqiao – Shanghai, China

9 Imabari Shipbuilding – Marugame, Japan

8 Hyundai Mipo – Ulsan, South Korea

7 Oshima Shipbuilding – Oshima, Japan

6 Tsuneishi Shipbuilding – Numakuma, Japan

5 Mitsubishi Heavy Industry – Nagasaki, Japan

4 Hyundai Samho – Samho, South Korea

3 Samsung Heavy Industry – Geoje, South Korea

2 Daewoo Shipbuilding – Okpo, South Korea

1 Hyundai Heavy Industry – Ulsan, South Korea

Fonte: Clarkson World Fleet Register, 2012. Disponível em: “Top 10 Shipbuilding Companies in the World in 2012”: http://www.marineinsight.com Acesso em: 06/09/2013

Coreia do Sul, China, Japão e Singapura se especializaram na produção em larga escala de grandes embarcações de carga, gra- neleiros e porta-contentores. Por possuírem mão de obra abran- 53. Disponível em: http://www.marineinsight.com/marine/marine-news/headline/top-10-shipbuil- ding-companies-in-the-world-in-2012/. Acesso em: 06/09/2013.

gente e tecnologia desenvolvida para a produção de navios em série, os países asiáticos se destacam na produção de grandes embarcações com baixo custo. A China, que realiza joint ventures com coreanos e japoneses, tem investido principalmente no setor

offshore (GOULARTI FILHO, 2014, p. 4).

Na Europa, Alemanha, Itália e França têm se especializado em cruzeiros de luxo, navios técnicos e altamente tecnológicos. A Noruega, além de cruzeiros e ferry boats, tem sua produção voltada também para o setor offshore através de uma ampla rede de empresas e alta capacidade de atender a demandas complexas, sobretudo na prospecção de petróleo em plataforma marítima (GOULARTI FILHO, 2014, p. 5), continuando com forte atuação na construção de embarcações para a atividade pesqueira. Tais países, como já destacado, têm centralizado suas produções em navios especializados, com grande tecnologia agregada, contan- do com mão de obra extremamente qualificada e de alto custo. Optam por encomendar partes mais simples das embarcações em outros países, como Polônia e Espanha. Estes, por sua vez, têm atuado no setor de navipeças, produzido equipamentos, peças e partes de navio através da subcontratação. Portugal tem limitado suas atividades, quase hegemonicamente, ao setor de reparação naval, estimulado pela posição geográfica do país na rota comer- cial e pela intenção do governo de eliminar o setor de construção. O único estaleiro do país voltado para a fabricação de navios, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, sofreu um processo de es- vaziamento a partir do ano de 2006, quando deixou de contratar mão de obra. Desde 2012 o governo tenta reprivatizá-lo.54

A Turquia se beneficia igualmente da sua posição geográfica para realizar, em larga escala, atividades de reparo naval. Este país, porém, tem consistente atuação na construção de quími- cos, petroleiros e navios de luxo. Os Estados Unidos da América, desde o início de sua atividade industrial, investem fundamen- talmente na Marinha de Guerra e abastecem assim suas forças armadas (SIMONSEN, 2005; GOULARTI FILHO, 2014, p. 4). A Austrália mantém a mesma trajetória norte-americana. Já o Brasil 54. Pude realizar uma investigação sobre este estaleiro também no período de vigência da minha bolsa sanduíche em Portugal, em parte publicada na Revista Rubra. Este estaleiro foi cobiçado pelo grupo empresarial da Rio Nave, cujo coletivo operário investigamos nesta pesquisa. Voltaremos a este tema no terceiro capítulo. Para mais sobre o ENVC, ver Pereira (2013c).

tem se especializado em tanques petroleiros e navios de suporte marítimo para a produção de petróleo offshore, concentrando-se principalmente na demanda interna.

A Índia, além da produção de navios mercantes e navios de defesa, é líder na área de desmonte de navios (shipbreaking). A ati- vidade, que de maneira geral é extremamente perigosa e insalubre, com registro de muitas mortes, é desempenhada por milhares de trabalhadores que vivem em condições desumanas.55 A abundân- cia de mão de obra pouco qualificada e pauperizada faz do país um ambiente economicamente propício a este tipo de ação.

Figura 2

Atividade de demolição de navios por região até maio de 2011

Fonte: Shipbreaking in Bangladesh. Disponível em: http://www.shipbreakingbd.info/ Shipbre- aking%20around%20the%20world.html. Acesso em: 10/11/2012

55. A situação em que vivem esses trabalhadores tem sido alvo de ações políticas e campanhas humanitárias. Em 2009, a OIT afirmou que a atividade tem se tornado o maior problema ambiental e de condições de trabalho do mundo. Ver, por exemplo, http://www.ilo.org/safework/areasofwork/ hazardous-work/WCMS_110335/lang--en/index.htm ou http://www.shipbreakingplatform.org/ what-we-do/. Acesso em: 06/09/2013.

O papel do Estado no desenvolvimento da indústria naval, como proprietário de estaleiros, através de subsídios, ou como comprador de embarcações, foi fundamental em todo o mundo. Avolumou-se principalmente nos momentos de retração do setor, quando governos nacionalizaram estaleiros quebrados, investiram em subsídios e evidenciaram que sem esse tipo de auxílio seria difícil manter uma atividade produtiva significativa no segmento.

O Brasil seguiu a mesma trajetória de dependência do apoio estatal desde as primeiras atividades de construção e reparação naval. Ainda que os principais estaleiros após a década de 1950 fossem privados, o papel do Estado, através de planos, taxas de fi- nanciamento, atração de grupos internacionais, subsídios e enco- mendas, foi vital. Este aspecto tornou-se ainda mais claro quando o setor mergulhou numa crise aparentemente terminal, nos anos 1990, e retomou suas atividades, nos anos 2000, alavancado pelo estímulo e a demanda do Estado em relação ao segmento de pe- tróleo e gás, como veremos a seguir.

C A P Í T U LO 2

INDÚSTRIA NAVAL NO BRASIL