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ESTALEIRO CAPITAL TRABALHADORES CAPACIDADE

5.4 Sindicalismo e Judicialização

Pesquisas desenvolvidas pelo grupo de investigação Trabalho, Sindicalismo e Justiça do IFCS/UFRJ também procuraram investi- gar essa complexa relação entre sindicato e judiciário trabalhista.

Marcia Barroso (2012, p. 35), em sua dissertação de mestra- do sobre o teletrabalho, demonstrou que algumas empresas vem realizando consultas aos sindicatos profissionais para firmarem acordos coletivos. O objetivo é simplesmente “evitar possíveis li- tígios” coletivos ou individuais na esfera trabalhistas. Numa das empresas pesquisadas, que presta serviços à área de informática (suporte, vendas de software e outros), do Rio de Janeiro, foram estabelecidos dois instrumentos jurídicos para a adoção do sis- tema de teletrabalho: um termo de compromisso, firmado entre o empregador e o teletrabalhador; e o acordo coletivo, entre a empresa e os órgãos de representação sindical. A proteção legal

do trabalhador foi a consequência final, mas a motivação do setor patronal, como mostra a pesquisa, era se ver livre de ações judi- ciais dos trabalhadores e dos sindicatos. No caso analisado esta- vam envolvidos o Sindicato dos Trabalhadores em Informática e Órgãos Públicos de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares do Rio de Janeiro (SINDPD- RJ) e o Sin- dicato das Empresas de Informática do Estado do Rio de Janeiro (SEPRORJ).

Karen Artur (2013, p. 111-116), em pesquisa sobre o poder nor- matizador do TST, identificou que se por um lado a diminuição dos dissídios coletivos na Justiça do Trabalho é um fato, isto não significa que o judiciário trabalhista tenha perdido a influência sobre os atores sociais ou sobre o direito do trabalho. Ao contrá- rio, estes atores têm investido em estratégias que visam sua legi- timação e a de suas pautas, a partir da própria Justiça. Embora alguns setores sindicais tenham podido optar por realizar acordos e não judicializar o conflito, os sindicalistas não abandonaram os mecanismos institucionais e realizam uma “judicialização ativa” das suas relações de classe.

A pesquisa de Artur demonstra que a partir da Constituição de 1988 houve um forte investimento das centrais sindicais na qua- lidade técnica de seus assessores jurídicos, como a intenção de lutar com os mesmos recursos do empresariado para influenciar e atuar na Justiça do Trabalho. Também os sindicatos priorizaram o desenvolvimento das diretorias jurídicas, ainda que tivessem de enfrentar barreiras impostas à coletivização processual, como mostra a tabela 4. Neste período – de vigência do Enunciado 310 e outros mecanismos – o TST conferiu mais poderes aos emprega- dores do que aos sindicatos de trabalhadores, devido à restrição da coletivização processual (ARTUR, 2013, p. 94-99; 113). Com o fim do Enunciado e a legitimação do sindicato como substituto processual, novas possibilidades foram abertas.170

170. Infelizmente os TRTs e o TST não possuem dados sistematizados sobre as ações coletivas impetradas pelos sindicatos como substitutos processuais. Os dados globais disponíveis no site do TST indicam que em 2012 as Varas Trabalhistas do Rio de Janeiro receberam 232.525 novos proces- sos, o Brasil, 2.264.540, sendo o sudeste responsável por 51%. Para mais dados ver as informações sobre as Varas Trabalhistas no anexo deste capítulo.

Tabela 4 - Sindicatos e substituição processual

DATA AÇÃO HISTÓRICO DE DECISÕES

P l a n o s econômi- cos 1986 a 1990 Milhares de ações na condição de substituto pro- cessual

-Ganhos na Justiça do Trabalho fa- voráveis ao pagamento das diferen- ças salariais

-TST limita significativamente a pos- sibilidade do ajuizamento das ações pelo sindicato através do Enunciado 310 1997 Recursos de en- tidades sindic- ais bancárias, de metalúrgicos e servidores públi- cos federais con- tra as decisões do TST

-STF julga improcedentes os pedi- dos referentes aos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor. Quanto à URP de abril e maio de 1988, limita- a aos respectivos meses, sem reper- cussões futuras;

-Retoma o julgamento quando a substituição processual em 2003; -Prevendo a decisão do STF, o TST cancela o Enunciado 310 no ano de 2003 e passa a decidir caso a caso; -Em 2005, demais centrais somam- se à CUT para influenciar no jul- gamento;

-Em 12/06/2006, o STF confere aos sindicatos legitimação processual para a defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e co- letivos trabalhistas dos quais sejam titulares os associados da categoria profissional representada pela enti- dade sindical.

Fonte: Portal do Mundo do Trabalho. 14/06/2006. Sindicatos podem representar trabalhadores em ações. http://www.cutceara.org.br/noticias. Acesso em 20/4/2009 apud ARTUR, 2013, p. 100

José Luiz Soares (2013) mostrou igualmente que os trabalhadores bancários, por mais que tomem a negociação direta como primeiro elemento de solução para o conflito trabalhista e tenham uma visão crítica da estrutura judicial brasileira de um modo geral, não deixam de acionar tanto o MPT quanto a JT, para a resolução de impasses. A Justiça é considerada como a “última estratégia” deste coletivo.

A crítica dos bancários ao judiciário trabalhista é antiga. No Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro (Seemb-RJ) em fins dos anos 1970, período de influência do novo sindicalismo, havia uma forte oposição à JT e muitos sindicalistas defendiam a sua extinção por considerarem-na uma herança autoritária da Era Var- gas. O exercício do poder normativo era visto como propenso a le- sar os interesses dos trabalhadores. Propunham assim uma maior liberdade sindical para a solução dos conflitos trabalhistas via negociação direta com o patronato. A Justiça do Trabalho era ava- liada como uma instituição de classe cuja essência seria adversa à classe operária. O ajuizamento do dissídio coletivo consistia num mecanismo alternativo, utilizado apenas quando os patrões se re- cusassem a negociar uma proposta razoável ou quando não fosse possível realizar uma greve (SOARES, 2013, p 213).

Contudo, segundo o autor, é possível perceber na atitude e no imaginário dos bancários sobre justiça trabalhista, uma profunda ambiguidade. Se por um lado existe forte crítica ao seu caráter “de classe”, por outro, recorrer à Justiça não deixou de ser uma alternativa fundamental. O autor identifica uma concepção de que a Justiça do Trabalho é mais sensível às causas trabalhistas do que os demais ramos do Poder Judiciário. Entrevistas relatam que sem ela a situação seria pior. Exemplo disso é a preferência de que os julgamentos dos Interditos Proibitórios em situações de greve sejam realizados pela justiça trabalhista ao invés de pela Justiça Cível. Segundo os bancários, desde que o julgamento des- se tipo de ação passou a ser de exclusividade da JT via Emenda 45, os trabalhadores têm obtido resultados mais favoráveis.

Já o MPT é visto de forma mais positiva e seu acionamen- to, considerado um recurso importante para o enfrentamento de problemas que envolvem direitos coletivos: más condições do ambiente de trabalho, terceirização, segurança bancária, assédio moral coletivo e discriminações no trabalho. Com isso, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego passou a ser preterida em relação ao MPT, tido como mais eficiente.171

O Seebm-RJ conta com uma estrutura jurídica qualificada que atende tanto demandas coletivas quanto individuais. Existem 171. Segundo Soares (2013, p. 217) essa avaliação a respeito do Ministério Público foi forjada a partir do sucesso de algumas ações judiciais e extrajudiciais mediadas pelo órgão ao longo dos últimos anos.

escritórios específicos para as áreas: trabalhista, criminal, pre- videnciária e cível. Estes escritórios municiam o departamento jurídico de advogados que se revezam em plantões para o aten- dimento sindical. Há igualmente: uma secretaria que acompanha os processos instruídos pelos escritórios de advocacia e presta o primeiro atendimento aos bancários que buscam este serviço no sindicato; dois contadores, responsáveis pelos cálculos dos pro- cessos; e dois homologadores. Os jornais e sites das organizações sindicais bancárias também dão grande espaço às notícias das ações ajuizadas pelo Seebm (SOARES, 2013, p. 209-210).

Apesar da pesquisa de Soares (2013) não realizar indicações neste sentido, identificamos que ao lado do julgamento dos pro- cessos em curso, tanto no MPT quanto na Justiça do Trabalho, os bancários realizam igualmente manifestações nos Tribunais Regionais do Trabalho, nas sedes do Ministério Público, com o objetivo de pressionar a Justiça a favor dos trabalhadores. 172

Pessanha, Alemão e Soares (2009) também mostram que mesmo com a retração da JT no acolhimento de ações coletivas, as entidades trabalhistas no contexto da crise cíclica do capitalismo do final da década de 2000, encontraram nos dissídios de natureza jurídica uma relevante via estratégica de procedimentalização do direito.

Em março de 2009 o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Flumi- nense ajuizou no TRT-RJ um dissídio de natureza jurídica contra a Companhia Siderúrgica Nacional em face da ameaça de demis- são de 1.800 trabalhadores. A liminar suspendeu qualquer despe- dimento e foram realizadas audiências de conciliação. A empresa se comprometeu a não proceder com as dispensas e o processo foi extinto. Em abril do mesmo ano trabalhadores da Usiminas ajuizaram uma ação no TRT-MG e conseguiram liminar proibindo a empresa mãe e outras seis prestadoras de serviço de demitir funcionários, até o estabelecimento de critérios de dispensa e da exibição da listagem dos dispensados. O dissídio terminou em acordo, com o estabelecimento de um programa de demissão vo- 172. Ver por exemplo: “Dia D para os bancários: TST julga dissídio coletivo” disponível em: http:// www.parana-online.com.br. Ou “Bancários completam uma semana de greve; TRT faz reunião à tarde” Disponível em: www.uol.com.br Acesso em 19/11/2013

luntária. No mesmo período o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Presidente Prudente ajuizou uma ação no TRT de Campinas contra o Frigorífico Independência, exi- gindo a anulação dos 700 despedimentos realizados pela empre- sa. Em 1o de abril de 2009, o TRT-SP proferiu sentença favorável aos trabalhadores metalúrgicos da Bekum do Brasil em relação ao mérito da greve deflagrada e à demissão em massa realizada pela empresa em fevereiro. O resultado da sentença foi a readmissão de 58 dos 84 demitidos e a concessão de licença remunerada de 60 dias a todos os dispensados. A empresa ficou também obriga- da a pagar verbas rescisórias e um salário de acréscimo para cada funcionário, caso mantivesse a decisão da demissão. Em todos os casos os sindicatos alegavam que as dispensas haviam sido feitas de forma arbitrária, sem comunicação prévia ou tentativa de negociação com os trabalhadores, sob a justificativa da crise econômica internacional (PESSANHA, et al., 2009).

De todos esses casos de procedimentalização do direito via dissídio coletivo, o que ganhou maior repercussão nacional e es- forço de análise dos autores foi o dos trabalhadores da Embraer. Em fevereiro de 2009 a empresa anunciou um corte de 20% de seu quadro de trabalhadores (cerca de 4.400) com a justificativa de reduzir custos diante da crise. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e a Federação dos Metalúrgicos de São Paulo instauraram dissídio coletivo com pedido de medida liminar, exigindo a anulação da dispensa.

No primeiro pronunciamento, o TRT de Campinas concedeu liminar suspendendo as rescisões contratuais (já realizadas e fu- turas) até a data da audiência de conciliação. Exigiu também que a empresa apresentasse seus balanços patrimoniais e demonstra- ções contábeis. 173

A tentativa de conciliação se mostrou frustrada e diante disso a Seção de Dissídios Coletivos do TRT estabeleceu que, sendo as demissões abusivas, a Embraer deveria arcar com plano familiar dos dispensados por 12 meses, pagar indenização de dois salários (com teto de R$ 7.000), além das verbas já previstas por lei. Nes- 173. Processo nº 00309-2009-000-15-00-4DC, fls. 195-202 apud Pessanha et al. (2009).

se contexto, tanto os sindicatos quanto a própria empresa recor- reram à instancia superior.174 O julgamento do TST foi favorável a Embraer e suspendeu a decisão do TRT da 15a Região. O caso gerou reações tanto contrárias à decisão, alegando que a liber- dade de demitir não deve se dar de forma absoluta e as empre- sas devem discutir os cortes com sindicatos e governos175, quanto críticas à postura do TRT, que estaria cerceando a liberdade das empresas nas dispensas coletivas. 176

Diante de todas essas análises é possível concluir que por mais que tenha existido no Brasil, principalmente a partir dos anos 1990, uma tendência para evitar a coletivização processual, a ação do sindicato como substituto processual e uma consequente diminui- ção de dissídios (ARAUJO et al., 2006; SILVA, 2008; ARTUR, 2013; DIEESE, 2006) estes atores continuaram buscando a Justiça para a efetivação dos direitos coletivos e individuais dos trabalhadores (SOARES, 2013; PESSANHA et al., 2009; ARTUR, 2013; CARELLI & VALENTIM, 2006) reinventando suas formas de ação a partir de antigas (como os dissídios coletivos e individuais e a intermediação da JT) e novas performances (como a ACP e denúncias ao MPT).

Tal processo é também visualizado no Sindicato dos Metalúrgi- cos do Rio de Janeiro e especialmente nos casos da indústria naval carioca, que passou por uma profunda retração produtiva a partir da década de 1980 que fez com que o Sindicato e trabalhadores se considerassem em “situações limites” no conflito trabalhista. Como veremos a seguir, o Sindimetal-Rio, ainda que exercesse uma postura crítica à JT e fosse um dos segmentos que recorriam pouco ao MPT, como mostrado na pesquisa de Carelli e Valentim (2006), investe na judicialização ativa dos seus conflitos coletivos. Recor- rer à Justiça sempre esteve presente no horizonte sindical.

174. Por mais que não seja objeto dessa pesquisa, é importante destacar que não são só os tra- balhadores e seus sindicatos que recorrem à Justiça do Trabalho e à Justiça de forma geral. Em- pregadores, de forma individual ou coletiva, através do sindicato patronal, procuram a intervenção judicial. Tal recorrência ocorre em grande escala nos casos de julgamento de abusividade de greve e/ou Interdito Proibitório.

175. Na ocasião o presidente da Anamatra, associação nacional dos juízes do trabalho, defendeu que gerar empregos é uma função social da empresa e que por isso, ela não poderia reduzir o quadro de pessoal de forma arbitrária. Pessanha et al. (2009).

176. Em 08 de abril de 2009 o jornal “O Estado de São Paulo” publicou um editorial crítico a pos- tura do TRT-Campinas “Ativismo dos TRTs pode agravar efeitos sociais”.

Este fenômeno, como já dito, não é uma novidade. Faz parte do repertório de conflito adotado tanto pelos operários navais (li- gados ao Sindicato dos Operários Navais até 1964) quanto pelos metalúrgicos do Sindimetal-Rio.

Para traçar o quadro de repertório de conflito desses trabalha- dores ao longo dos anos e relacioná-los às correntes políticas que os influenciaram (dirigindo os dois Sindicatos) nos valemos, além de nosso trabalho de campo, das pesquisas publicadas nos livros:

Trabalho e Tradição Sindical no Rio de Janeiro: a trajetória dos metalúrgicos organizado por José Ricardo Ramalho e Marco Auré-

lio Santana (2001); Homens Partidos, também de Santana (2001);

Operários Navais: trabalho, sindicalismo e política na indústria naval do Rio de Janeiro, de Elina Pessanha (2012); e Medição de Forças: o movimento grevista de 1953 e a época dos operários navais, de Dennis Barsted (1987). Por mais que essas obras ti-

vessem objetivos diferentes do nosso, pudemos capturar a partir delas o conjunto de performance adotado por esses operários ao longo dos anos e traçar um perfil geral desses repertórios. É o que apresentaremos no capítulo a seguir.

C A P Í T U LO 6

AÇÕES COLETIVAS DOS OPERÁRIOS NAVAIS: MARÍTIMOS E METALÚRGICOS

6.1. Operários navais: de marítimos a metalúrgicos