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O número de postos de trabalho no setor naval caiu significati- vamente nos países que até então eram os principais produtores. O Japão, mesmo com as medidas tomadas pelo governo, perdeu mais de 100 mil postos de trabalho entre 1971 e 1982 (de 246.500 para 116.000). O país sofreu múltiplas falências e demissões vo- luntárias no final da década de 1970 (HARAGUCHI, 2013, p. 1).

O Reino Unido e a Alemanha, líderes quase isolados até a década de 1950 na indústria de construção naval, tiveram igual- mente uma queda acentuada no emprego (tabela 5). O primeiro, responsável em 1956 por 23,1% da produção naval e com uma mão de obra de 294.000 trabalhadores em 1957, chegou ao ano de 1982 produzindo apenas 2,6% do segmento e com 60.000 tra- balhadores. A Alemanha Ocidental, que na década de 1950 con- tribuía com 17,3% da produção e possuía 92.800 trabalhadores,26 em 1982 era responsável por apenas 3,7% da produção e tinha 27.600 trabalhadores.

Vários estaleiros tradicionais também fecharam na década de 1980. Na França, o grupo Normed iniciou o ano de 1984 com a de- missão de 5.600 trabalhadores. Somente na primeira metade da déca- da de 1980 mais de 50% dos trabalhadores da Bélgica foram despedi- dos. Na Alemanha Ocidental, 7.000 trabalhadores foram eliminados, tendo a Espanha cortado 10 mil27 do seu montante de 39 mil.

26. Nos anos de 1956 e 1957, respectivamente.

27. Rubén Vega mostra que na década de 1980 os trabalhadores espanhóis, através de barricadas, greves e mobilizações que movimentaram toda a região das Astúrias, impediram o encerramento das atividades do estaleiro Naval Gijón por quase três décadas. As lutas destes trabalhadores e a trajetória dos principais líderes sindicais destas mobilizações, Candido e Morales, inspiraram o belíssimo filme Los lunes al Sol, de Fernando León (VEGA, 2013).

Tabela 5

Emprego na indústria naval 1957-1982 (1000s). Duas últimas colunas: diferença entre o emprego em

1957-1982 e 1975-1982 País 1957 1965 1971 1975 1978 1982 1957- 1982 1975- 1982 Reino Unido 294,0 221,4 189,4 78,4 72,1 60,0 234 18,4 Alemanha Ocidental 92,8 73,2 67,4 46,8 31,3 27,6 65,2 19,2 Suécia 30,8 28,7 29,0 23,7 14,8 8,0 22,8 15,7 França 38,9 29,1 32,2 32,9 25,4 23,9 15 9 Holanda 55,8 46,8 47,6 49,7 39,3 34,4 21,4 15,3 Bélgica 16,3 9,4 12,4 6,1 5,2 4,0 12,3 2,1 Dinamarca 23,9 24,0 25,3 16,6 12,0 11,2 12,7 5,4 Japão 108,2 169,3 246,5 183,0 137,0 116,0 -7,8 67

Fonte: Elaboração própria, com dados de 1957-1971: Shipbuilding Conferences of The International Metalworkers Federation (IMF Archives, Geneva); 1975-1982: OECD Statistics e Bo Strath (1987, p. 8)

A Argentina, entre 1974 e 1985, seguiu uma trajetória estável para, a partir deste último ano, mergulhar numa profunda crise que fechou 25 estaleiros e fez desaparecer várias subsidiárias do setor. Estima-se que 30 mil pessoas ligadas direta ou indireta- mente ao segmento naval perderam seus empregos. O país não recuperou sua atividade industrial e em 2010 operava com 60% de sua capacidade instalada (RUSSO, 2013, p. 4-6).

Tabela 6

Divisão da produção naval do mundo em 1956 e 1982 (porcentagem) País 1956 1982 França 4,0 <2 Itália 4,3 <2 Holanda 6,3 <2 Suécia 7,7 <2 Alemanha Ocidental 17,3 3,7 Reino Unido 23,1 2,6 Japão 24,4 48,5 Coreia do Sul --- 8,3 Espanha --- 3,3 Brasil --- 3,0 Taiwan --- 2,7 Outros 12,9 21,9

Fonte: Verband de Deutschen Schiffbauindustrie (HAMBURG apud STRATH, 1987, p. 9) Na Europa, de forma geral, intensificaram-se as subcontrata- ções, a externalização de atividades, a automatização do processo produtivo e o uso de mão de obra flexível. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), até 60% das partes de um barco “europeu”, edificado pelos países de tradição naval, passaram a ser construídas por provedores externos (GITAHY et al., 2009, p. 7), principalmente os países do Leste europeu, do sul da Europa ou os asiáticos.

Na década de 1980, apenas o Japão manteve sua capacidade e um alto nível de empregabilidade no setor, através de uma indús- tria fortemente subsidiada e com baixos salários. Esta estratégia japonesa, de proteção do mercado interno, gerou profundas crí-

ticas e ações de sabotagem da International Metalworkers Fede- ration (IMF),28 através do Departamento da Indústria Naval.29 O Japão era acusado de promover uma concorrência desleal à custa dos trabalhadores e de subsídios. A IMF já fazia críticas e articu- lações junto à OCDE para prejudicar a produção naval japonesa desde a 1a Conferência sobre a Indústria Naval, ocorrida em New Castel, Reino Unido, em 1951. A crítica se tornou mais aguda na 3a Conferência do setor em Roterdam, Holanda, em 1957. Em 1967, a IMF chegou a articular um lobby internacional junto com a OCDE contra os subsídios.30

Com a diminuição do nível de emprego nos países tradicionais e a flexibilização da mão de obra, a IMF mudou sua tática. Pas- sou a defender os subsídios “temporários” e a modernização da produção de navios ecologicamente sustentáveis e tecnologica- mente avançados. Em 1979, na 8ª Conferência da Indústria Naval

do IMF, realizada em Copenhagen, os sindicalistas defenderam a prevenção da poluição dos mares ocasionada pelos grandes na- vios petroleiros, e a construção de novos tipos de embarcações,

menores, mais tecnológicas e “limpas” (clean ships).31

No final da década de 1980, novos grupos da indústria naval emergiram. O primeiro foi composto por produtores da Europa Ocidental, com maior tradição no setor. O segundo, por países orientais: Coreia do Sul, Taiwan e China, sob a liderança do Ja- pão.32 O terceiro grupo foi formado por países “menos desenvol- vidos” até então no segmento: Brasil, Índia, Argentina, Turquia, Grécia, México, Egito, Espanha. Este conjunto produziu três ve- 28. Sobre a atuação internacional da IMF através do Departamento da Indústria Naval e a questão dos subsídios estatais, ver também Pereira (2013a).

29. Minutos do 2o Seminário Asiático sobre a Indústria Naval, ocorrido em 1978 (IMF Collection, International Institute of Social History, pasta 42, n. A2). Referências da coleção estão disponíveis em http://hdl.handle.net/10622/ARCH00643. Acesso em: 04/12/2012.

30. A análise da documentação do Departamento da Indústria Naval da IMF foi realizada entre de- zembro de 2012 e maio de 2013 no arquivo do International Institute of Social History, Amsterdam, Holanda, em parte do período de vigência do doutorado sanduíche realizado na Holanda e em Portugal com apoio do CNPq. Esta investigação rendeu a apresentação de um trabalho na II Con- ferência Internacional Strikes and Social Conflicts Combined Approaches to Conflicts (Eighteenth century to present), Dijon, maio 2013.

31. A 8a Conferência aprovou um documento chamado “Against pollution of the seas: measures to be taken in shipbuilding to improve security of tankers” (IMF Collection, International Institute of Social History, pasta 23, n. 6).

32. Estes países chegaram a contribuir, na década de 1980, com cerca de 12 vezes mais na constru- ção de graneleiros do que a Europa Ocidental.

zes mais graneleiros do que a Europa Ocidental, porém 30% me- nos tanques e 54% menos cargueiros e contentores. Para Daniel Tood, tais países tornaram-se especialistas em graneleiros e man- tiveram um portfólio menos diversificado de navios, em compa- ração com os países da COMECON (Council for Mutual Economic Assistance)33 e da Europa Ocidental (TOOD, 1985, p. 22).

Tabela 7

Tonelada Ordenada em vários países (‘000 TPB) – 1983

País Contentores/ Carga seca

Tanques Graneleiros Total

Japão 2,127 2,960 18,976 24,063 Coreia do Sul 1,104 1,564 5,226 7,894 Polônia 765 836 1,117 2,747 Brasil 184 438 2,053 2,674 Espanha 362 413 1,755 2,530 Taiwan 345 165 1,256 1,766 URSS 251 884 478 1,613 China 518 209 726 1,455

Fonte: Fairplay, 21 July 1983, Table IX (Tood, 1987, p. 6)