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Indenização por benfeitorias

No documento Coleção Jovem Jurista 2010 (páginas 141-144)

CARLA RIBEIRO TULL

V. EFEITOS E LIMITES DA TUTELA DO POSSUIDOR DE BENS PÚBLICOS

5.2. Indenização por benfeitorias

As benfeitorias são obras ou despesas realizadas no bem com a fi nalida- de de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo164, sendo classifi cadas de acordo

com a sua essencialidade pelo art. 96 do Código Civil em voluptuárias, úteis e necessárias165.

Dispõe o art. 1.129 do Código Civil que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis erigidas no bem, podendo com relação a estas exercer seu direito de retenção; com relação às benfeitorias voluptuárias, caso não lhe sejam pagas, tem apenas o direito de levantá-las, se não causarem prejuízo à coisa. Em seguida, dispõe o art. 1.220 que o possuidor de má-fé tem apenas direito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, não tendo, com relação a elas, direito de retenção. Igualmente, não lhe assiste o direito de levantar as benfeitorias voluptuárias.

Nesse aspecto, o Código Civil diferencia a extensão dos efeitos da posse conforme a boa ou a má-fé do possuidor. Portanto, cabe-nos aqui mais uma vez a ressalva de que o critério da melhor posse nem sempre é defi nido pelo

163 ARAUJO, Barbara Almeida, op. cit., p. 175.

164 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 97

165 Código Civil, art. 96: “As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§1º: São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§2º: São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

aspecto subjetivo da conduta do possuidor, mas, sim, na medida em que a situação possessória atende a sua função social e os valores alçados ao patamar de fundamentais pela Constituição da República. Desta forma, sendo o caso de prevalência da situação proprietária, só será possível aferir a necessidade de pa- gamento da respectiva indenização pelas benfeitorias diante do caso concreto, à luz do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.

Essa noção, com certeza, encontrará muita resistência na jurisprudência, sobretudo em razão do fato de que o reconhecimento, pelos Tribunais, da de- tenção do bem público torna despicienda a análise da boa ou má-fé do possui- dor. Isto, pois reconhecer a detenção signifi ca realizar uma análise superfi cial dos fatos, porque ao argumento de que não poderia haver posse com relação ao bem – apenas pelo fato de não ser possível existir propriedade – nem sequer importa se o ocupante atuou de boa ou má-fé.

Entretanto, mais difícil ainda é reconhecer e fazer parecer legítimo que, diante da omissão do titular em conferir função social ao bem, seja possível negar ao possuidor o direito à indenização pelas benfeitorias erigidas. Por tal razão, e pautando-se no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no julga- mento da Apelação nº. 2008.001.08042, privilegiou a situação do ocupante, ainda que reconhecendo a detenção. Trata-se de transformação que, embora pequena, já atenta para o fato de que o ordenamento jurídico não pode tutelar ou ser conivente com situações que favoreçam a conduta do titular que não destina a sua propriedade à satisfação de interesses extra-proprietários.

O referido caso versava sobre o pedido de reintegração de posse formulado pelo Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro – Rio- Previdência em face de particular que ocupava, sem título jurídico, bem de propriedade daquela autarquia desde 1988, utilizando-o para o seu trabalho. A sentença de 1ª instância julgou procedente o pedido do autor e, em par- te, o pedido contraposto pelo ocupante. Este último, então, interpôs Apelação pleiteando o direito de retenção pelas benfeitorias e acessões industriais até o pagamento da respectiva indenização. O RioPrevidência, por sua vez, interpôs Apelo adesivo, insurgindo-se contra as alegações do ocupante, tendo em vista o reconhecimento, em 1ª instância, da situação de detenção.

Em decisão monocrática, o Desembargador Relator deu provimento limi- nar à Apelação do ocupante, concedendo-lhe o direito de retenção pelas acessões e benfeitorias erigidas no imóvel. Quanto ao Apelo Adesivo da autarquia estadu- al, foi-lhe negado seguimento. A questão foi colocada na pauta para julgamento pelo colegiado da 8ª Câmara Cível, após a interposição de Agravo (art. 557, §1º,

CPC) pelo RioPrevidência. Vejamos trecho do voto do Relator, acompanhado à unanimidade pelos demais Desembargadores da 8ª Câmara Cível166:

Aliás, o agravado só é mero detentor do imóvel há vinte anos (ocupação ini- ciada em 1988) – pois que inexiste posse ad usucapionem de res pública –, bem que ocupara em virtude de verdadeiro abandono pelo Estado (delegacia de polícia desativada) e ao qual imprimira verdadeira função social, inclusi- ve, fazendo-o de sua moradia, não deve ser óbice ao direito de retenção pelas inúmeras melhorias (acessões e benfeitorias necessárias e úteis) realizadas no bem e comprovadas ao longo das duas décadas de relação fática com a coisa (cf. laudo pericial de fl s.223/257).

Isto porque, se o particular estabelece relação fática de detenção com o bem (Art. 1198, NCC) ao longo de vinte anos, conquanto não se possa confi gurar

166 TJRJ, Apelação Cível nº. 2008.001.08042, Rel. Des. Orlando Secco, j. em 10.06.08, DJ 26.06.08, unânime. Ementa: Agravo Inominado em Apelação Cível. Civil. Processual Civil. Administrativo. Possessória. Bem público. Doação. Fundação Estadual. Continuidade da posse. Reintegração. Cabimento. Acessões e Benfeitorias comprovadas. Vedação ao enriquecimento sem causa. Indenização. Direito de retenção.// I) Ação de Reintegração de Posse movida por fundação estadual que, por ocasião de sua instituição, recebe, por lei, através de doação, bem imóvel pertencente ao Estado do Rio de Janeiro que se encontrava abandonado, e ocupado há vinte anos por particular. Ato de alienação constante na matrícula do imóvel. Autarquia estadual donatária que, sendo criada por lei (Lei 3189/99) e ostentando personalidade jurídica de direito público, compõe a estrutura político-administrativa do ente doador, sendo, pois, contínua a posse indireta do Poder Público. Acessio possessionis. Cabimento e adequação da via possessória eleita (Art.927, I, CPC). Inexistência de carência de ação (Art. 301, X, a contrario

sensu, CPC). Preliminar rejeitada. II) Mérito. Ocupação pelo particular de bem público (delegacia)

abandonado pelo Estado, desde 1988. Relação fática de detenção há vinte anos (Art. 1198, NCC) que, conquanto não confi gure posse (Art. 1204, NCC), não obstaculiza a pretensão de retenção das inúmeras acessões e benfeitorias necessárias e úteis implementadas no bem. Ponderação de valores. Preponderância do Princípio da Vedação ao Enriquecimento Sem Causa (Art. 884, caput, NCC), logicamente também dirigido ao Poder Público. Ocupação iniciada em 1988. Notifi cação para desocupação que só se dera após a doação do bem à fundação autora (2001), não se podendo falar em má-fé do detentor. Sentença de procedência do pedido reintegratório, bem como procedência parcial do pedido contraposto para condenar o autor ao pagamento das benfeitorias apontadas pela perícia. Apelos bilaterais interpostos. Decisão Monocrática da Relatoria, dando provimento liminar parcial ao apelo principal (detentor) e negando seguimento ao recurso adesivo.// Se a pessoa jurídica de Direito Público, donatária de bem imóvel pertencente ao Estado, também compõe sua estrutura administrativa, razoável é entendê-la como continuadora da posse, não sendo exigível a via petitória para consecução de fi m que se tem como certo (retomada do bem). Em contrapartida, ainda que o ocupante não ostente a relação fática de possuidor, nem por isto deve suportar os prejuízos pelas acessões e benfeitorias necessárias e úteis implementadas e comprovadas ao longo de mais de vinte anos no imóvel, como demonstra a prova pericial (fotos, notas fi scais e planilha de fl s.223/257). Aliás, se a fundação autora fundamenta seu pedido reintegratório, inclusive, sob o argumento de que o particular jamais tivera posse do bem, mas mera detenção, não pode agora, para eximir-se do dever de indenizar, sustentar alegada má-fé do ocupante, pois que na relação jurídica que o liga à coisa (detenção) não se há de perquirir sobre tal elemento anímico. Manutenção da sentença neste ponto.// Correção do julgado, apenas para conferir direito de retenção ao ocupante pelas melhorias relacionadas na planilha de fl s.257 (atualizada às fl s.226). Apelação principal manifestamente procedente em parte. Recurso adesivo da fundação, que se afi gura irrazoável. Manutenção do Decisum. Improvimento do Agravo Inominado.

efetiva posse (Art. 1204, NCC), não se há de obstaculizar-lhe a pretensão de retenção das inúmeras acessões e benfeitorias necessárias e úteis implemen- tadas, não somente em virtude da chamada Ponderação de valores, atra- vés da qual percebe-se a nítida preponderância do Princípio da Vedação ao Enriquecimento Sem Causa (Art.884, caput, NCC), logicamente também dirigido ao Poder Público, como também pelo próprio tempo de ocupação da res (iniciada em 1988) o qual, por si só, demonstra a boa-fé do ocupante, merecendo relevo, ainda, o fato de que só fora notifi cado pela autora no ano de 2001, quando já implementada grande parte do tempo de ocupação. Verifi ca-se, pois, que o julgamento privilegiou uma análise sócio-fi nalís- tica167 da situação do ocupante, atentando que a desídia do Poder Público em

promover o aspecto funcional de sua propriedade não pode ser fator que garan- ta, além da retomada do bem, o seu enriquecimento às custas do particular que empregou durante anos os seus esforços na manutenção do imóvel.

No documento Coleção Jovem Jurista 2010 (páginas 141-144)

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