• Nenhum resultado encontrado

A teoria objetiva de Ihering

No documento Coleção Jovem Jurista 2010 (páginas 102-104)

CARLA RIBEIRO TULL

II. O ESTÁGIO DO PENSAMENTO JUSCIVILISTA SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE E DA PROPRIEDADE

2.2. A teoria subjetiva (Savigny) e objetiva (Ihering) da posse e o tratamento conferido à posse pelo Código Civil de

2.2.2. A teoria objetiva de Ihering

Destaca-se na teoria de Rudolf Von Ihering a questão de ser a posse con- cebida como hierarquicamente inferior e anterior historicamente à proprie- dade. Neste contexto, no entendimento de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, “a posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito

sobre a coisa”61.

Em regra, esses dois poderes encontram-se nas mãos do proprietário, con- quanto seja possível que o poder de fato (posse) esteja nas mãos de terceiros. Decorrência lógica, o fundamento da proteção possessória é tão somente a de- fesa imediata da propriedade, pois a posse a esta última se subordina, de modo que só há posse onde pode haver propriedade.

O conceito de posse é, assim, fi xado através dos elementos corpus e aff ectio

tenendi. A noção de corpus na teoria objetiva é mais abrangente, não se classifi -

cando como o mero poder material sobre a coisa, mas sim, na exterioridade da propriedade, isto é, o poder de destinar o bem ao seu uso econômico62. Desta

60 Idem. Ibidem, p. 40.

61 Ainda segundo os autores, “A posse não é reconhecida como modelo jurídico autônomo, pois o possuidor seria

aquele que concede destinação econômica à propriedade, isto é, visibilidade ao domínio. A posse é a porta que conduziria à propriedade, um meio que conduz a um fi m. A propriedade sem a posse seria um tesouro sem a chave, uma árvore frutífera sem a escada que atingisse os frutos, pois a propriedade sem a posse restaria paralisada”. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 31).

62 Em complemento, Orlando Gomes reproduz exemplo citado por Ihering como forma de melhor explicar o critério da destinação econômica: “O que importa é o uso econômico, a destinação das coisas, a forma

econômica de sua relação exterior com a pessoa. Algumas coisas comportam o poder físico porque podem ser guardadas e defendidas. Outras, porém, não o admitem, porque são livres e abertas. No entanto, umas e outras podem ser possuídas. Segue-se que o chamado corpus, no sentido de poder material da pessoa sobre a coisa, é insufi ciente, porque não abrange todas as relações possessórias, mas, somente, as que incidem em bens que devem ser guardados. Adotando-se o critério da destinação econômica, será fácil reconhecer a existência da posse, mesmo sem ter a menor idéia de sua noção jurídica. Ihering empresta grande valor à possibilidade do imediato reconhecimento da posse. Com o propósito de demonstrar a excelência do seu critério, serve-se de um exemplo, que vale a pena ser transcrito: ‘Suponhamos dois objetos que se acham reunidos no mesmo lugar, uns pássaros seguros por um laço no bosque, ou, num solar em construção, os materiais, e ao lado uma cigarreira com cigarros; o mais ignorante dos homens sabe que será culpado de um furto se tirar os pássaros ou alguns materiais, mas nada tem a temer se tirar os cigarros; qual a razão desse modo diferente de proceder? Com relação à cigarreira, cada qual dirá: perdeu-se; deu-se isso contra a vontade do proprietário, e torna-se a pô-lo em relação com a coisa, dizendo-se-lhe que foi encontrada; com relação aos pássaros e aos materiais, sabe-se que a posição em que se acham tem sua causa em uma disposição tomada pelo proprietário; estas coisas não poderão ser encontradas, porque não estão perdidas: seriam roubadas’. ‘Afi rmando-se que a cigarreira se perdeu, diz-se: a relação normal do proprietário com a coisa está perturbada; há, portanto, uma situação anormal.’

forma, o elemento animus domini é aqui irrelevante, pois a posse torna-se re- conhecível externamente por sua destinação econômica, independentemente de qualquer manifestação de vontade do possuidor, sendo sufi ciente que este proceda em relação à coisa da forma como o proprietário se comportaria em relação ao que é seu63. E nesse proceder como se proprietário fosse é justa-

mente onde reside o elemento aff ectio tenendi64. Consequentemente, na teoria

objetiva, podem se valer da tutela possessória os que na teoria subjetiva eram considerados como meros detentores. Reconhecendo-se o fenômeno do des- membramento possessório, é possível que os locatários e comodatários, por exemplo, sejam considerados possuidores, haja vista a ausência da exigência de intenção de ser dono para a caracterização do instituto.

No que tange à natureza jurídica da posse, Ihering a classifi ca como um direito. Por ser um interesse juridicamente protegido, a posse é entendida como direito subjetivo, nela se reunindo dois elementos: substancial e formal. O pri- meiro constitui o interesse, de modo que a posse o corporifi ca, por ser a condi- ção para a utilização econômica da coisa. Acresce-se a isso o elemento formal, que confere à posse proteção jurídica65.

Sendo a posse um direito, consoante a doutrina de Ihering, discute-se se a mesma seria um direito real ou pessoal, sendo o primeiro entendimento majori- tário. Neste sentido, a despeito de a posse não ser tratada no título referente aos Direitos Reais no Código Civil de 2002, aduz-se que, por ter a mesma oponibili- dade erga omnes, e por ser a coisa o seu objeto, deve ser tratada como direito real66.

Quanto aos pássaros e materiais, a situação é normal. Vê-se, assim, que qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela destinação econômica da coisa. Sua existência se atesta por sinais exteriores. Ela torna visível a propriedade”. (GOMES, Orlando, op. cit., p. 36). De forma simplifi cada, descreve Caio Mário da Silva

Pereira: “O que sobreleva no conceito de posse é a destinação econômica da coisa. Um homem que deixa um

livro num terreno baldio, não tem a sua posse. Porque ali o livro não preenche a sua fi nalidade econômica. Mas aquele que manda despejar adubo em um campo destinado à cultura tem-lhe a posse, porque ali cumprirá o seu destino. Se o caçador encontra em poder de outrem a armadilha que deixou no bosque, pode acusá-lo de furto, porque mesmo de longe sem o poder físico, conserva a sua posse; mas se encontra em mãos alheias a sua cigarreira deixada no mesmo bosque, não poderá manter a acusação porque não é ali o seu lugar adequado, por não ser onde cumpre a sua destinação econômica”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direitos Reais, volume 4. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 21).

63 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 32.

64 Nas palavras de Caio Mário: “O elemento psíquico, animus, na teoria objetivista de Jhering não se situa

na intenção de dono, mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário – aff ectio tenendi – independentemente de querer ser dono. Denomina-se objetiva a teoria, porque dispensa esta intenção. Para se caracterizar a posse, basta atentar no procedimento externo, independentemente de uma pesquisa de intenção. Partindo de que, normalmente, o proprietário é possuidor, Jhering entendeu que é possuidor quem procede com a aparência de dono, o que permite defi nir, como já se tem feito: posse é a visibilidade do domínio”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 20).

65 GOMES, Orlando, op. cit., p. 42.

66 Confi ra-se, por exemplo, a explanação de Orlando Gomes: “Se a posse é um direito, como o reconhece,

No documento Coleção Jovem Jurista 2010 (páginas 102-104)

Outline

Documentos relacionados