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2 Indexação: os caminhos tradicionais

O processo de indexação é, com frequência, abordado como algo relativamente novo dentro do escopo de abordagens que resultaram da demanda por parte da Ciência, consolidada em fins do século XIX, pela representação temática de periódicos. É popular a história de uma Biblioteconomia avessa ao tratamento de periódicos e de outros formatos que não o livro, dando lugar a uma “nova” Ciência, a Documentação ou Documentologia, que uma leitura mais atenta de um de seus maiores idealizadores, Paul Otlet, em seu Tratado de Documentação, vai revelar que com frequência alterna como se mesma coisa o fosse Documentação com o termo Bibliologia (Otlet, 1934).

Silva e Fujita (2004, p. 138), em revisão da História da Indexação, afirmam, com Collinson (1971) que “o primeiro tipo de indexação existente era baseado na memória. Textos célebres, como as grandes epopeias, por exemplo, eram transmitidos oralmente.” As autoras indicam que após esse momento, os primeiros índices seriam arranjados pelas primeiras frases de cada parágrafo dos textos. É no século V, em obra apócrifa, que situa o mais próximo do índice alfabético de assuntos. Trata-se de Apothegmata, e consistia em uma listagem de provérbios de tópicos teológicos gregos. Nesse momento as obras já eram divididas em capítulos e seções numeradas, podendo-se facilmente localizar suas partes.

No século XIV, com a elaboração de inventários de livros em mosteiros, alguns métodos se tornam permanentes, como os cabeçalhos de capítulos, a presença de sumário ou tábuas de matéria; a inserção de cabeçalhos nas margens, citando obras como Short History of English Literature de Saintsbury e History of Greece de Bury; a impressão de um cabeçalho descritivo no alto de cada página ou a repetição do título do livro ou do capítulo. Concluem que a “noção de índice nessa época

significou uma lista de conteúdo, lista de resumos ou várias notas e muito raramente essas listas representavam o que se conhece de índice atualmente.” (p. 139). As autoras percebem nessa prática de aditar palavras ou frases explicativas sobre trechos do texto às suas margens um indicativo de uma variação da qualidade, pois eram realizados pelo “grau de entendimento” de cada copista.

Temos, aqui, a primeira afirmação de que a indexação realizada em épocas diversas e por pessoas diferentes diferia, também, quanto à qualidade (Silva; Fujitta, 2004 P. 139).

Outro momento histórico da construção da representação temática visualizado por Collinson (1971) está na necessidade de elaboração de índices no contexto de surgimento da Bíblia Inglesa, em grande escala em 1737, com a compilação da primeira concordância completa da Bíblia por Alexandre Cruden. Tratava-se dos índices que relacionavam citações com sua localização no texto.

O século XVII foi, portanto, o início da grande época do índice facilitada pela Reforma Protestante que possibilitou a tradução da Bíblia e, portanto, franqueada ao público em geral (Silva; Fujitta, 2004 P. 139). As autoras afirmam que foi “atribuído a Cruden e a Jonson, [que indexou a língua inglesa no século XVIII] o estabelecimento de verdadeiros padrões de clareza e consistência para a indexação” entre os séculos XVII e XVIII. Foi na Alemanha, a partir dos processos de indexação, que surgiu a ideia de palavra-chave (‘schlagwort’) na representação de um item.

As autoras localizam nos séculos XVIII e XIX o crescimento com mais intensidade de periódicos referenciais e que podem ter derivado do que Kobashi (1994 apud Silva; Fujitta, 2004 P. 139) entende como a origem da Documentação como praticada hoje. Essa origem estaria no aparecimento do Journal des Sçavans, em 1665, que trazia resumos dos trabalhos científicos, filosóficos e artísticos.

Até o surgimento da Imprensa as listas de registros de livros chamadas de índices eram as únicas formas de acesso aos livros nos mosteiros. Depois disso houve um impulso maior para o aparecimento de várias listas com diversas finalidades. O índice alfabético de assuntos Pandectarum sive partitionum uníversalium, libri XXI foi publicado posteriormente ao que se referia, ou seja, o Bibliotheca Universalis de Konrad von Gesner, a primeira bibliografia de títulos europeus de caráter geral. (Figueiredo; Cunha, 1967. P. 21). Seu conteúdo era justamente os livros compilados por Gesner reorganizados por assuntos.

O desenvolvimento das práticas de representação temática ganha, a partir da virada do século XIX para o XX, uma crítica epistemológica e um discurso profissional. Biblioteconomia, Bibliografia e Documentação são construções conceituais que refletem as principais disputas teóricas e técnicas na visão científica do processo de indexação. Coblans (1954. P. 20) afirma que a separação entre a Documentação e a Biblioteconomia ortodoxa começa no século XIX e que, por ambas serem sinônimas, essa divisão não foi compreendida em sua época. A “história da documentação desde aquêle período é, na verdade, a história da bibliografia por assunto aplicada principalmente ao controle da literatura em periódicos científicos e técnicos.” Para o cientista, o catálogo por assunto se tornara insuficiente e junto ao despertar para a necessidade de se organizar internacionalmente a bibliografia nacional, é no fim do século que isso se traduz em ação efetiva.

Neste sentido, foram as sociedades científicas, com pouco conhecimento sobre técnicas de catalogação, que iniciaram esse processo de trabalho bibliográfico. Coblans aponta esse fato como um dos motivos para a história “quase trágica do fracasso que chegou até nós” (p. 20). Embora a organização internacional da bibliografia universal seja “necessidade vital para a continuação da

civilização como a conhecemos” sua complexidade se torna extremamente difícil num mundo de estados soberanos, com culturas diferentes e uma variedade de línguas importantes.

Outra questão de ordem epistemológica, importante no contexto da passagem dos séculos anteriores, é distinguir os conceitos estruturais dos processos de metarrepresentação, como catalogação, catalogação por assunto, classificação e indexação. No cerne dessas duas últimas, Langridge (1977. P. 105) ensina aos alunos de Biblioteconomia relações que se identificam a partir de três usos principais do termo indexação: a) sinônimo de organização do conhecimento em bibliotecas; b) ato de registrar o conteúdo de uma coleção; c) provendo uma chave alfabética a uma ordem sistemática. Com isso o teórico coloca a polissemia para problematizar o uso restrito que se dá à classificação como técnica para endereçar livros às estantes sem levar em conta que a análise de assunto e a própria classificação são a chave para uma boa indexação e vice-versa, como na concepção “c”.

Para Langridge (1977) “a menos que iniciemos com uma análise de assuntos correta é absolutamente impossível estabelecer um número de classe ou entrada de índice corretos.” (1977, p. 106). É com Ranganathan que Langridge (1977, p. 108) propõe que a classificação é a base de todas as linguagens de indexação e o controle de vocabulário é a garantia de classificação e indexação adequadas. Na filosofia da classificação de Ranganathan, por exemplo, há o plano da ideia, onde ocorre a análise de assunto, o plano verbal, onde os cabeçalhos de assunto ou descritores são selecionados e o plano notacional, este último utilizado nos esquemas de classificação para o endereçamento de posições físicas de documentos, por exemplo.

No caminho apontado por Langridge (1977), Classificação é mais que endereços, números e índices, é uma forma de compreender o mundo e os assuntos são chaves de um arquivo maior que é a nossa própria compreensão da realidade. Ele cita, entre psicólogos e estudos sobre a classificação na mente humana, o “filósofo americano” John Dewey para dizer “conhecimento é classificação” (Langridge, 1977, p. 11), demonstrando a importância que adquire a mesma no papel que exerce. Afirma também que “o fato de que a maioria das pessoas não percebe o quanto classifica é meramente um indício da natureza fundamental do processo de classificação.” (Langridge, 1977, p. 11). Alvares Jr. (2008) explora, em artigo, a natureza aparentemente transparente ou invisível das infraestruturas de informação e como elas não são notadas, por mais que sejam necessárias e utilizadas, até que de alguma forma elas parem de funcionar. Classificação e Indexação são métodos de mapear o mundo e essa cartografia nos leva a colher os assuntos e escolher os que nos são pertinentes, os que são secundários, ou os que, momentaneamente ou definitivamente, não são relevantes.

3 Livro da natureza, natureza do livro: os saberes e o “conhecimento” diante da