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2 Notas sobre os conceitos semióticos na organização do conhecimento

Entendemos aqui por nota uma advertência para se acrescentar à compreensão de um conceito ou tema. Uma nota deve ser feita para compreendermos os conceitos extraídos da Semiótica, qual seja: a vinculação da Semiótica com a Filosofia de Peirce. É mencionado as vezes sem a devida compreensão da natureza cósmica da Filosofia de Peirce. De acordo com Ibri (1994), “A filosofia de Peirce propõe o desafio de relocar o homem no mundo, uma vez que a náusea do estranhamento sujeito-objeto se dissolve na conaturalidade eidética.”(p. 6). Esse ponto é crucial para entender a dimensão do conceito de signo e semiose. O pensamento que subjaz os conceitos de signo e semiose está relacionado à continuidade do processo de interpretação na natureza, compreendendo a díada sujeito-objeto como uma forma pouco semiótica de explicar a representação. Não se conhece uma realidade separando-se dela, pois estamos unidos umbilicalmente com o mundo. A representação não nasce fora dessa relação vivida e prática.

Se o homem não é o centro da cognição, o que é? Para Peirce, o sujeito cognitivo está no processo sígnico, pois não controlamos totalmente o processos representacional. Outra nota que deve elaborar como advertência, é a da continuidade. A processualidade do significado volta-se para o futuro. O significado não é uma ideia já pronta que temos que sempre mobilizamos para entender uma palavras ou signo, mas relaciona-se com as possíveis ações futuras que poderíamos, em uma situação limite, executar. Não é sem razão que Peirce afirma que o significado de um signo está em outro signo, e deste em um terceiro e assim ad infinitum.

Sendo assim, podemos apontar os seguintes conceitos fundamentais à Organização do Conhecimento que precisam ser compreendidos neste universo sígnico: contínuo e in futuro. Podemos elencar os seguintes: signo, símbolo, semiose, classes de signos, interpretante e hábito. Esses conceitos já operam no campo da Organização do Conhecimento no sentido de explicar fenômenos comum.

É o caso, por exemplo, do conceito de signo. Às vezes encontramos na literatura que o conceito é comunicado por entidades linguísticas, em outros casos, a teoria do signo é utilizada para compreender o que é conceito, como é o caso da teoria triangular do conceito que sugere uma equivalência entre o signo de Ogden e Richards e o signo de Peirce.

A tríade conceitual que apresenta referente, características e forma verbal não equivale ao signo peirceano, pois o conceito seria um tipo especial de signo, no caso, um conceito científico. Diferentemente da proposta de Dahlberg (1978a, 1978b), o signo é geral, pois a Semiótica é uma ciência normativa e formal, o conceito seria uma ocorrência deste.

Santaella (2005, p. 43) explica alguns pontos da noção de signo, a saber: o signo é determinado pelo objeto, o signo representa o objeto, signo representa algo, mas é determinado por aqui que representa, o signo representa o objeto parcialmente, pode representar o objeto falsamente, signo está apto para afetar uma mente, o efeito produzido é o interpretante, o objeto também causa o interpretante pela mediação do signo, o interpretante é determinado imediatamente pelo signo e mediatamente pelo objeto, signo é uma mediação entre objeto e interpretante e o interpretante é uma mediação entre o signo presente e um futuro signo.

Nesse sentido, não existe signo sem objeto. Caso o signo tenha uma ficção como o objeto, ainda assim terá o objeto imediato como determinação do signo. Outro ponto, respeita o conceito de semiose ou a ação do signo in futuro. A significação para a Semiótica de Peirce, fundada no Pragmatismo, é um pode ser no futuro. Em outras palavras, um termo científico não tem um significado no passado, determinado pelas discriminações conhecidas, características enunciadas, prescritas e dicionariadas, mas depende das disposições mentais ou hábitos, que o termo científico gera em uma hipotética situação futura. O significado compreende os efeitos do signo produzidos em uma mente no futuro, pois o entendimento que temos de um signo, conceito, palavras, termo ou ideia está condicionado às ações e condutas que elas envolvem em uma situação experimental determinada.

Parecer uma definição comum aquela que descreve que o signo “é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.” (Peirce, 2000, p. 46), porém não pode ser compreendida de maneira categórica. Em complemento, devemos ressaltar que:

O pensamento não está necessariamente ligado a um Cérebro. […] Não apenas o pensamento está no mundo orgânico, como também ali se desenvolve. Mas assim como não pode haver Geral sem Casos que o corporifiquem, da mesmo forma não pode haver Pensamento sem Signos. Devemos aqui, atribuir “Signo” um sentido muito amplo, sem dúvida, mas não um sentido tão amplo que venha a cair em nossa definição. (Peirce, 2000, p. 190).

Nesse sentido, o signo como manifestação do pensamento não está condicionado à presença humana, nós manifestamos um caso dos signos no universo. Essa visão pan-semiótica de Peirce lança-nos a uma compreensão holística e cósmica do signo e não está de acordo com a subjetividade que é comum à compreensão de signo. A mente que recebe o signo é um tipo geral de movimento intelectual que persegue a generalidade e a continuidade da representação e da interpretação dos signos. Sem essa observação, desmoronaria toda a tentativa de alinhar a teoria de Peirce à Organização do Conhecimento, pois signo e mente não é exclusividade humana.

Nessa mesma direção, não custa-nos acreditar que o objeto determina o signo. Em uma plataforma pragmática, aceitamos que sempre nossos pensamentos vão em direção dos objetos dinâmicos, sendo assim, procuramos representá-los da melhor forma possível. Esse argumento não entra em contradição com o pressuposto da Organização do Conhecimento, o qual sustenta que os signos linguísticos e a linguagem de modo geral, constroem a realidade, e em cada contexto e grupo teríamos uma forma específica de compreender a realidade que não é uma entidade a priori, mas passa a existir com a linguagem.

Nada mais grosseiro e anti-semiótico que tal compreensão na medida em que não formamos o mundo em nossa volta. Os conceitos, mesmo na versão apresentada por Dahlberg (1978a; 1978b; 1993; 2006), procuram dar abertura aos objetos da realidade que determinam as características e os anunciados. Tanto a teoria de Dahlberg quanto a de Peirce estariam de acordo em uma coisa: não construímos nossa realidade literalmente via linguagem e conceitos, mas representamos tal realidade pari passu com a linguagem e os conceitos. Sem isso, o procedimento de predicação e de teste dos enunciados dos conceitos seriam destituídos de utilidade para a análise dos conceitos.

Com essa breve nota, encerramos a análise do conceito de signo, fundamental à Organização do Conhecimento porque relaciona-se aos fundamentos do paradigma vigente no campo. Mas in natura, o signo não é tão importante quanto uma de suas espécies: o símbolo.

O símbolo, na taxionomia de Peirce, é o signo que representa seu objeto por um conjunto de ideias associadas e imputadas a ele por uma mente que é forçada por convenção a reconhecer aqueles qualificativos do objeto. É o que comumente, de maneira senão equivocada, porém um tanto arriscada, chamamos de signo linguístico. Há uma nota associada à comparação do signo linguístico com o símbolo e que causa certa estranheza de imediato. Primeiro, a teoria do signo linguístico destitui o símbolo de sua relação com objeto. Segundo, o signo linguístico originado arbitrariamente não compreende a indicação e a significação como dependentes de signos anteriores e menos complexos; já o símbolo sim, pois depende do índice e do ícone. Em outras palavras, o símbolo nasce como uma inclinação para a convenção que requer capacidades anteriores de referência e corporificação do significado através do índice e do ícone. Nesse sentido, uma face do símbolo é convenção arbitrária no sentido do signo linguístico, mas ao mostrar essa face o símbolo faz isso com o recurso do índice para fazer referência a um conjunto de coisas e qualifica uma ideia com uma imagem, adjetivando o índice e o explicando com o auxílio do ícone. Nesse sentido, não seria possível convergir símbolo em signo linguístico do ponto de vista teórico; o que se erige em circunstâncias específicas de aproximação não é mais que uma adaptação.

Ao lado da não equivalência do conceito de símbolo podemos apontar o caráter evolutivo ao lado da necessidade prática de fixação do significado. A posição de equilíbrio deste pêndulo talvez seja o grande desafio para operacionalizar a organização e a comunicação de símbolos. O melhor exemplo de símbolo é o conceito científico. Em sua gênese semiótica há que reconhecer a tríade envolvida no símbolo, o que o distancia ainda mais de seu congênere linguístico.

Um trecho de Peirce pode elucidar essa necessidade psicológica e lógica pela manutenção de significados unívocos ao lado de sinais individualizantes dos conceitos científicos. Segundo Peirce (2000),

Quanto ao ideal a ser alcançado, em primeiro lugar, é desejável que qualquer ramo da ciência tenha um vocabulário que forneça uma família de palavras cognatas para cada conceito científico, e que cada palavra tenha um único e exato significado, a menos que seus diferentes significados se refiram a objetos de diferentes categorias que nunca poderão ser confundidas umas com as outras. Por certo, esse requisito poderia ser entendido num sentido que o tornaria absolutamente impossível, pois todo símbolo é uma coisa viva, num sentido muito estrito que não é apenas figura de retórica. O corpo de um símbolo transforma-se lentamente, mas seu significado cresce inevitavelmente, incorpora novos elementos e livra-

se de elementos velhos. Mas todos deveriam esforçar-se por manter imutável e exata a essência de cada termo científico, embora uma exatidão absoluta não chegue a ser concebível (p. 40).

A primeira parte desta citação é como uma descrição de uma clássica teoria do conceito que pactua uma teleologia, a qual enaltece o universo estático, incluindo aí o universo das ideias. A orientação Semiótica, cujo conceito central refletivo é semiose, condiz com a segunda parte da citação, pois os conceitos são coisas vivas, o que, em que pese a “fixação” por fixação de significados, denota uma teoria só recentemente descoberta. No que respeita a teoria de Peirce, o conceito enquanto exemplo de símbolo deve ser observado objetivamente sob o espectro do evolucionismo (cósmico e intelectual), do realismo e do pragmatismo peirceanos.

O símbolo é um exemplar dos tipos de signos e como todos os demais formam por uma regra de validação as classes de signo. As classes de signos estão entre um dos problemas de entendimento da teoria de Peirce. Seu número é pouco compreendido, e a formação das classes nem sempre é explicada. Compete a nós destacar que a classe de signo permite identificar as formas dos signos segundo um pressuposto lógico, isto é, o tipo de pensamento ou padrão de significância. Para a Organização do Conhecimento, as classes explicam os processos de tratamento da informação, tal como fez Mai (1997a; 1997b; 2000, 2001) em seus estudos. O processo de indexação de assunto opera por inferência e em cada momento do processo gera um tipo de signo (Argumento, Símbolo Dicente, Legisigno Indicial Dicente e Legisigno Indicial Remático).

Não obstante as classes de signos surgirem de três tricotomias, as mais conhecidas são as que tratam da relação o signo com ele mesmo, do signo com o objeto dinâmico e do signo com o interpretante. Contudo, por volta de 1908, Peirce em uma carta a Lady Welby, apresenta dez tricotomias, com tipos de signos ainda pouco estudados. Como registra Silveira (2007, p. 62), considerando a estimativa de Peirce, teríamos 59.049 classes de signos, mas descartando as classes logicamente inválidas, o número seria reduzido para 66 classes. As dez classes de signos válidas mais conhecidas surgem de um total de 27 classes, mas nem todas as combinações são válidas. A regra que permite a validação destes signos é complexa, e precisa ser examinada com mais detalhe.

O importante é considerar que as classes não são tipos fixos de signos, os quais servem para enquadrar ou não um fenômeno simbólico. As classes de signos são formas lógicas utilizadas para compreender os signos que uma mente pode produzir. O uso das classes como formas rígidas ou auto-exclusivas, não seria recomendável. As classes são utilizadas na Organização do Conhecimento para compreender os vários estágios da indexação de assunto, contudo, podem ser aplicadas para reconhecer a natureza de gêneros textuais e esquemas indiciais que permitem a recuperação da informação.

Outro conceito que merece nota, é o de semiose. A semiose seria a ação dos signos no mundo da vida. Todo signo tem uma tendência natural para a continuidade e considerando a semiose, temos que o significado de um signo está no futuro, está na semiose ainda por vir. A semiose talvez seja o conceito central na Semiótica de Peirce porque representa o poder da ação, do movimento e da vida na produção do sentido.

Segundo Pinto (1995) “Por semiose entende-se, estritamente, a produção de sentido, processo infinito pelo qual, através de sua relação com o objeto [...], o signo […] produz um interpretante que, por sua vez, é um signo que produz um interpretante e assim por diante.”(p. 49). A semiose trata de um processo que supõe uma relação ad infinitum. Esse processo télico tem como intenção básica alcançar uma representação unida ao objeto, mas sabemos que nunca chegará. Para a Organização do Conhecimento, a semiose é um dispositivo conceitual que explica a incapacidade dos conceitos e interpretações de representarem totalmente seus objetos. A semiose implica um dos principais problemas da área, que é lidar com a evolução dos significados diante das tentativas de solidificação terminológica e conceitual.

Por fim, temos que registrar o conceito de interpretante que não está sendo utilizado pela Organização do Conhecimento e que traz muitas contribuições para a compreensão dos níveis de significado dos conceitos científicos e de nossas formas de atribuição de sentido.

O interpretante é considerado o efeito interpretativo, isto é, o resultado do signo em uma relação triádica em que o signo envolve representamen, objeto e o interpretante. A despeito de seu pouco emprego pela área, é justamente nestas divisões do interpretante que se encontram o entendimento do significado. O interpretante sofre uma divisão tripartida em imediato, dinâmico e final. De acordo com Peirce (2000, p. 168), o interpretante imediato está diretamente expresso no signo, isto é, trata daquela ideia, representação ou conceito presente no primeiro instante do signo. O interpretante dinâmico sugere um efeito real e prático do signo sobre uma mente, é a experiência concreta sobre um intérprete. O interpretante final ou último, retoma o mesmo caráter télico da semiose, pois confere à significação um atributo teleológico, na medida em que o fim do processo é chegar a uma representação última e perfeita, mesmo que praticamente irrealizável. Com isso, uma ideia significa apenas uma resposta parcial para compreender o universo e ganha extensão quando associada a outras mais. Uma resposta disciplinar é sempre parcial, mas quando agregada às respostas acumuladas pelas ciências, moral e outros saberes sobre o objeto tendem, apesar de não alcançar para o interpretante final, o motor que impulsiona todo o processo de significação.

O interpretante, assim definido, bem como a semiose, vincula-se com a formação de hábitos na mente. O objetivo neste processo contínuo em que a única lei vigente é a da disposição de todas as coisas para a formação de tendências, é formar hábitos mentais para se conhecer e com isso regular a conduta inteligente. O hábito e a crença a ele associada de ser “[...] algo de que estamos cientes; segundo, aplaca a irritação da dúvida; e, terceiro, envolve o surgimento, em nossa natureza, de uma regra de ação, ou, digamos com brevidade, o surgimento de um hábito.” (Peirce, 1972, p. 56).

Os hábitos podem ser considerados as disposições de uma mente no sentido de antecipar um acontecimento futuro. A previsão seria uma das formas pelas quais o hábito está presente em nossas vidas. Assim, o significado de um conceito estaria associado aos hábitos mentais envolvidos em um futuro antecipado. Em outras palavras, o significado de uma expressão está na conduta mental envolvida em uma futura ocorrência. Significar é crer que os atributos de um conceito ou ideias aparecerão novamente no futuro, quando isso não ocorre, não alcançamos um significado pragmático. A descoberta dos hábitos de indexadores poderia auxiliar a compreensão do processo que os levam a atribuir significado, pois a definição dos termos e palavras não é uma operação implicada apenas a dicionários ou ao léxico, mesmo que o de uso corrente, contudo, é uma operação que requer as condutas mentais associadas ao significado.

Para a Organização do Conhecimento, tais conceitos semióticos são fundamentais para ultrapassarmos o estágio intermediário de interdisciplinaridade relativamente à Semiótica em que nos encontramos.