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Individuação e Função Transcendente: a saúde da psique

No documento O AMOR E A CURA DA ALMA EM PLATÃO E JUNG (páginas 160-167)

Capítulo 3 Jung e a Ciência Psicológica

2. O Resgate do Sagrado e a Saúde Psicológica em Jung

2.3. Individuação e Função Transcendente: a saúde da psique

A plena expressão e manifestação da personalidade levam uma vida inteira para desenrolar-se. Através dos numerosos estágios do desenvolvimento humano, o desenvolvimento psicológico acompanha, até certo ponto, o desenvolvimento físico. O ego não muda com o tempo, mas a persona pode ser e é modificada muitas vezes ao longo da vida. Basta para isso, que o ego perceba mudanças ocorridas no ambiente e de sua capacidade de interação. Essas mudanças são mais impactantes nas transições da adolescência para a fase adulta, dessa para a meia-idade e daí para a velhice. O ego competente enfrenta esses desafios de adaptação, alterando a representação que faz de si mesmo, através da persona (STEIN, 2006, p. 110).

A persona tem, como qualquer complexo funcional, um núcleo arquetípico. Existem papéis típicos88 a serem preenchidos, em todos os grupos humanos. Tais papéis são atribuídos às pessoas por uma dinâmica inconsciente, no meio das famílias e grupos. As pessoas aderem às personas, por identificação e familiaridade com a personalidade. Outro motivador fundamental é evitar a vergonha e a culpa89, a respeito das coisas que fazemos, e estão em discordância com as expectativas do ego e da persona. Isto é a realização da sombra na personalidade. Uma vez que a tarefa global do desenvolvimento psicológico é a integração e a totalidade é o valor supremo, é necessário integrar a sombra e a persona (STEIN, 2006, p. 111, 112).

Outra estrutura que tal como a sombra, é uma personalidade dentro da psique, que não combina com a representação da persona, é a anima e o animus. É diferente da sombra, na medida em que não pertence do mesmo modo, ao ego. Assim como existe uma disposição externa (persona), também existe uma relação com os objetos interiores, uma disposição íntima, que é a anima/animus. Se a persona refere-se exclusivamente às relações com os objetos, a anima/animus refere-se à “relação do ego com o sujeito”.

Entende-se por sujeito, todos os estímulos, sentimentos, pensamentos e sensações que não são possíveis demonstrar. Eles são emanados da continuidade da vivência consciente do objeto, mas surgem como perturbações e obstáculos do íntimo mais obscuro, da profundeza da consciência, de suas camadas mais remotas que a sombra, e que no seu conjunto são a percepção da vida do inconsciente. Portanto, o sujeito é primordialmente o mundo do inconsciente, não o ego.

Jung explica que a autonomia do inconsciente coletivo se expressa nas figuras da anima e do animus. Eles personificam os seus conteúdos, os quais podem ser integrados na consciência depois de retirados da projeção. Neste sentido, constituem funções que transmitem conteúdos do inconsciente coletivo para a consciência, desde que eles não sejam

88 Por exemplo, há a criança mais velha que é o pequeno adulto, o filho do meio é um mediador, e o

caçula o bebê criativo. Há aquela persona de quem já entrou na meia idade e está entrando na velhice, mas faz o papel de garoto travesso, que comete brincadeiras pesadas e trotes de mau gosto. A mulher fatal que flerta e seduz ao longo da vida. A ovelha negra, assim como o bode expiatório, são encontrados em todas as partes e em todas as épocas. As famílias atribuem papéis de modos típicos a seus filhos e a seus membros adultos. A ordem de nascimento dos filhos desempenha um papel, frequentemente, importante na persona que irão adotar. (STEIN, 2006, p. 111)

89 Os estudos de Ruth Benedict sobre culturas da vergonha e da culpa demonstraram que, as nações

ocidentais são caracteristicamente culturas da culpa, e os países orientais culturas da vergonha. As culturas da vergonha conferem maior ênfase à persona que as figuras da culpa, no sentido de que, se uma pessoa perde sua reputação e honra só lhe resta morrer. A situação é muito diferente em culturas da culpa, onde a culpa pode ser mitigada ou reparada: a pessoa culpada pode pagar o preço e ser recuperada pela sociedade. (STEIN, 2006, p. 111)

demasiadamente divergentes. Porém, se surge uma tensão, a funçao até então inofensiva, se ergue personificada contra a consciência, comportando-se como uma cisão sistemática da personalidade ou como uma alma parcial. Mas como nada daquilo que pertence à personalidade se acha separado dela, as duas formas constituem um acréscimo perturbador. Isso se dá porque, embora seus conteúdos possam ser integrados, a própria anima/animus não podem, porque são arquétipos (JUNG, 1990, p. 18).

Em seu livro Aion, Jung demonstra como esse arquétipo é forte e pode ser muito prejudicial, quando não é levado em consideração.

Mostra-nos a experiência que esse dois aequétipos têm caráter fatal que atua, em determinados casos, de maneira trágica. Eles são, no verdadeiro sentido da palavra, o pai e a mãe de todas as grandes complicações do destino e, como tais, são concebidos no mundo inteiro desde épocas imemoriais: trata-se do par de deuses, um dos quais, por causa da sua natureza de “Logos”, é caracterizado pela “Pneuma” e pelo “nous”, como o Hermes de múltiplas facetas, enquanto a segunda é representada sob os traços de Afrodite, Helena (Selene), Perséfone e Hécate, por causa de sua natureza de “Eros”. São potências inconsciêntes, ou precisamente deuses, como a antiguidade muito “corretamente” os concebeu. Esta designação os aproxima, na escala dos valores psicológicos, daquela posição central em que eles, seja qual for o caso, sempre se situam, quer a consciência lhes reconheça este valor ou não, pois o seu poder aumenta de modoproporcional ao seu grau de inconsciência. Quem não os percebe, fica ao seu sabor, como essas epidemias de tifo que se alastram quando não se conhece a sua fonte infecciosa. (JUNG, 1990, p. 19)

Sombra e persona são um par clássico de opostos, figurando na psique como polaridades do ego. Surge, porém, uma agulha na bússola do ego, indicando o caminho do meio, uma alternativa à identificação com um dos opostos é integrá-los. Trata-se do arquétipo primordial (o Uno) fonte de todos os outros arquétipos e imagens arquetípicas – o si-mesmo (self). Jung usou o termo individuação para se referir ao desenvolvimento psicológico, que ele define como o processo de tornar-se uma personalidade unificada, mas também única, um indivíduo, uma pessoa indivisa e integrada.

Sinteticamente, a tomada de consciência do inconsciente pessoal, ou seja, a integração da sombra é a primeira etapa do processo analítico, sem a qual não se conhece a anima ou o animus. Só se toma conhecimento da sombra, pela projeção na face de outra pessoa qualquer. Já a anima/animus se torna conhecida somente na relação com o sexo oposto, porque só dentro de uma relação a projeção se torna eficaz. No homem esse conhecimento forma uma tríade: o sujeito masculino, o sujeio feminino, e a anima transcendente; para formar a totalidade arescenta-se o arquétipo do velho sábio. Na mulher, dá-se o inverso, e a quarta figura é mã ctônica. Esse conhecimento dá origem ao arquétipo que Jung denominou de

quartérnios de matrimônios. O quartérnio forma um esquema do self, que é uma imagem divina (JUNG, 1990, p. 19, 20).

A integração dos conteúdos coletivos inconscientes, pela retirada das projeções, influencia a personalidade do eu. No confronto entre ego e anima/animus há que ser feito um trabalho de elevar o nível de consciência. Tomar conhecimento das projeções significa desafiar as românticas e bem guardadas ilusões, desmembrando o mundo ilusório da fantasia inconsciente. Por outro lado, isso permite experimentar plenamente, as alturas e profundidades do próprio universo mental, os pressupostos inconscientes do desejo, dos padrões emocionais. No entanto, é muito rara a capacidade de diferenciar entre projeção e portador da projeção, entre fantasia e realidade. Assim, a realização da integração envolvida nessa constelação e realização das características transcendentes na experiência, está reservada a indivíduos com discernimento psicológico que é apanágio de mestres como Kundalini e outros (STEIN, 2006, p. 131 – 133).

Mas o que seria o self na personalidade humana? O texto mais concentrado de Jung sobre este assunto é o Aion90, uma obra publicada em 1951. Ele compreende o estudo de muitas representações simbólicas do self, presentes no gnosticismo, alquimia, astrologia, teologia. Isso configura uma extensa monografia difícil de acompanhar, mas que confirma que esse arquétipo foi estudado e conhecido por muitos povos, em tempos longínquos. Jung considera que seus símbolos são úteis para apresentar a natureza e energia do self.

Portanto, o simbolismo do self não é simples e requer um estudo bem aprofundado, mas a resposta àquela pergunta pode ser compreendida basicamente. Jung preconiza que o self está completamente além dos limites da esfera pessoal e, quando se manifesta, se é que isso ocorre, é tão somente sob a forma de um mitologema religioso. Essa entidade não-psicológica transcende, atua sobre o sistema psíquico para produzir símbolos de integridade, frequentemente como imagens de quaternidade (quadrado) ou mandalas (círculo). A integridade resulta quando o self é realizado na consciência, e para isso, há que se confrontar a anima/animus. A meta do self é a unidade e o equilíbrio da personalidade, e sua influência é refletida pela influência do ego sobre a consciência. Pois a função do ego também é centralizadora, ordenadora e unificadora, e seu objetivo também é equilibrar e integrar as funções dada a existência dos complexos e das defesas (STEIN, 2006, p. 143, 144).

90 O título do livro é inspirado pela antiga religião do mitraísmo em que o Aion é o nome de um deus que

governa o calendário astrológico e, por conseguinte, o tempo. O título sugere, portanto, um fator que transcende o contínuo espaço/tempo que rege a consciência do ego. (STEIN, 2006, p. 142)

O surgimento do self na estrutura psicológica é denominado na Psicologia Analítica como individuação. Esse conceito baseia-se em parte na observação do desenvolvimento e declínio físico no curso de uma vida. O processo físico de desenvolvimento é governado por programas genéticos, os quais na teoria junguiana da psique, têm fronteiras comuns com os padrões arquetípicos. Um conjunto de imagens arquetípicas fornece uma sólida base de apoio a cada etapa da vida. Assim como o par mãe-bebê descreve um padrão arquetípico de fantasia humana e de ação recíproca interpessoal, para cada etapa da vida existem tais constelações de intinto e arquétipo, que resultam em padrões de comportamento, sentimento e pensamento. Por isso Jung diz: “Hoje todo mundo sabe que temos complexos, mas poucos sabem quais complexos nos têm” (JACOBI, 2017, p. 10).

Jung usou o termo individuação para falar sobre desenvolvimento psicológico, e o mecanismo psicológico, por meio do qual a individuação ocorre é a compensação. A relação fundamental entre consciente e inconsciente é compensatória. A primeira metade da vida resulta numa separação, entre a consciência do ego e a matriz inconsciente donde provém. A tendência do ego é tornar-se unilateral e o inconsciente começa a compensar essa unilateralidade. A segunda metade da vida é diferente e a energia psíquica muda de rumo. A tarefa agora consiste em unificar o ego com o inconsciente, o qual contém a vida não vivida da pessoa e seu potencial não-realizado. Esse é o clássico significado junguiano de individuação, tornar-se o que a pessoa já é potencialmente, mas agora de um modo mais profundo e consciente (STEIN, 2006, p. 158).

Entretanto, no Aion Jung alerta que uma pessoa pode permanecer dividida, não- integrada, internamente múltipla até o final da vida, mesmo que socialmente aparente ser bem-sucedida. Jung acredita que o menosprezo pela sexualidade pode consistir numa repressão comum ou em uma depressão manifesta. A depressão surge em certos indivíduos, por conceberem e estimarem a sexualidade de uma maneira meramente biológica. Esta concepção não atenta para as implicações espirituais ou “místicas” do impulso sexual. Apesar desse tipo de implicação se fazer sempre presente como fatos psíquicos, elas são depreciadas e reprimidas por razões racionalistas ou ideológicas. O self só pode surgir em todas as formas, das mais elevadas às mais ínfimas, uma vez que tais formas ultrapassam as fronteiras da personalidade do eu, à maneira de um dáimon socrático (JUNG, 1990, p. 216).

Quanto mais se estende o represamento da libido, mais se eleva o valor das posições opostas. De acordo com isso a oposição se enriquece com associações, incorporando sempre novos territórios do material psíquico. A tensão leva ao conflito, o conflito leva à tentativa de reprimir-se reciprocamente, e, quando se consegue suprimir o partido oposto, intala-se a

dissociação, a “cisão da personalidade”, o desacordo consigo mesmo, criando assim a neurose. O resultado deste estado são atos descoordenados, patológicos, e adquirem o aspecto de ações sintomáticas, embora, normalmente, sejam parcialmente determinados, eles se baseiam, por outro lado, no oposto reprimido, o qual, não o equilibra mas perturba-o (JUNG, 2013, p. 45).

A natureza determinada e dirigida dos conteúdos da consciência é uma qualidade, quase sempre, prejudicada nos pacientes neuróticos. Por outro lado, eles se distinguem dos indivíduos normais pelo fato de o limiar da consciência ser mais facilmente deslocável, ou, a parede divisória situada entre a consciência e o inconsciente, ser muito mais permeável. O psicótico, por sua vez, se acha inteiramente sob o influxo direto do inconsciente (JUNG, 2009, p, 1, 2).

No texto da Energia Psíquica também fica claro que a repressão da sexualidade afasta as pessoas da vida saudável. Isto é o mesmo que impor a infeliz obrigação de assumir uma vida extremamente inadequada e neurótica. Para Jung, a juventude aceita melhor a natureza do instinto e da sexualidade. Este reconhecimento e respeito pelos instintos normais permitem ao jovem, avançar nas necessidades de trabalhos e sacrifícios, que acabam lhe fortalecendo o caráter. Enquanto que o adulto da segunda metade da vida, ao contrário, tende à simplificação, restrição e interioridade, orientando-se para uma cultura individual. Assim, Jung critica a falta de uma educação voltada para esta fase da vida (JUNG, 2013, p. 74).

Na esfera da passagem biológica para a cultural, muitos sucumbem. A nossa educação de massa não tomou nenhuma medida para facilitar essa passagem. Há muita preocupação com a educação juvenil, e nenhuma com a educação do adulto. Não sabemos com que direito, sempre se parte do pressuposto de que o adulto não precisa mais de educação. Falta-lhe toda orientação nessa fase importantíssima da passagem da atitude biológica para a cultural, em que a energia se transfere do biológico para o cultural. O processo desta transferência é individual e não pode ser obtido à força mediante regras e preceitos gerais. A transferência da libido dá-se através do símbolo. (JUNG, 2013, p. 75)

Na concepção de Jung, entre as pessoas maduras, muitas (mas não todas) pessoas teriam uma necessidade indispensável, de desenvolver sua individualidade. Pois de acordo com um ditado, “a maior ventura dos mortais é somente a personalidade”, e o adulto foi formado exclusivamente no coletivo. Em sua juventude, na escola, na universidade, ele foi literalmente impregnado de mentalidade coletiva. E acrescenta que, no seu tempo, a necessidade de desenvolver a individualidade seria ainda maior, por predominar uma cultura achatada, em que realmente a mídia domina o globo (JUNG, 2013, p. 74).

Jung considera que um dos principais fatores da massificação seja o racionalismo científico, que poderia ser traduzido por racionalidade instrumental. Os fundamentos e a dignidade da vida individual são abolidos, quando se transforma o homem em unidade social e num número abstrato da estatística de uma organização. Como antídoto ou “contrapeso” à massificação, Jung aponta a religião. Pois se é o racionalismo científico que organiza o mundo e as consciências na sociedade de massas, então a reequilibração da unilateralidade dessa forma de construção deve ser buscada naquilo que, por princípio, ela exclui. E a religião, tradicional portadora do ethos em todas as culturas conhecidas, encontra-se entre os conteúdos do recalcado pela pedagogia positivista e cientificista da racionalidade instrumental (BARRETO, 2006, p. 126).

Nossa psique está profundamente conturbada pela perda dos valores morais e espirituais. Sofre de desorientação, confusão e medo, porque perdeu suas “idées forces” dominantes e que até agora mantiveram em ordem nossa vida. Nossa consciência já não é capaz de integrar o afluxo natural dos epifenômenos intintivos que sustentam nossa atividade psíquica consciente. Isto já não é possível como antigamente, porque a própria consciência se privou dos órgãos pelos quais poderiam ser integradas as contribuições auxiliares dos intintos e do inconsciente. Esses órgãos eram os símbolos numinosos, considerados sagrados pelo consenso comum, isto é, pela fé. (JUNG, 2011, p. 274)

Equilibrando assim o peso do mundo externo, as religiões propiciam ao homem a possibilidade de deliberar com liberdade. Assim sendo, a religião representa uma forma de proteção para a individualidade pessoal, e justamente por isso, Jung considerava as grandes religiões como sistemas psicoterapêuticos. Ao atribuir sentido e uma função inestimável à religião na sociedade contemporânea, Jung estabelece o resgate do sagrado, algo de essencial da tradição de que a modernidade se separou. No entanto, a condição para esta recuperação, respeita as exigências fundamentais da mentalidade moderna.

Em vez dos antigos processos de imposição da fé e da irrefletida experiência social da religião, trata-se agora de uma experiência individual. Essa experiência exige novos processos de compreensão, compatíveis com o estado histórico da consciência moderna. Jung acreditava que precisamente a noção de símbolo seria decisiva na elaboração desses processos, e consequentemente, na restauração do vínculo rompido entre modernidade e tradição. Por esta razão, a sensibilidade simbólica lhe afigurava como o único remédio capaz de fazer frente à ameaça do niilismo e do desenraizamento modernos (BARRETO, 2006, p. 126).

Uma consciência pouco desenvolvida por causa da grande massa de projeções, por exemplo, se acha predominantemente sob a impressão de coisas e de estados concretos ou aparentemente concretos. Ela considerará os instintos, naturalmente, como fonte da realidade.

Nesta situação, ela se acha inteiramente inconsciente do caráter espiritual de sua constatação filosófica e está convencida de que, com sua opinião, determinou a instintividade essencial dos processos psíquicos. Inversamente, uma consciência que se acha de algum modo em oposição com os intintos pode, em consequência de uma influência enorme, exercida pelos arquétipos, considerar os instintos de tal modo subordinado ao espírito, que complicações espirituais grotescas podem surgir, daquilo que são, indubitavelmente, processos biológicos (JUNG, 2009, p. 147).

Portanto, apesar de sua polaridade, os opostos mostram também uma tendência permanente a se unirem. Assim, a psique consiste em processos cuja energia pode se originar do equilíbrio entre os mais diversos tipos de opostos. Para Jung a neurose é a expressão da pessoa toda que não pode ser tratada apenas nas categorias de uma especialidade médica. Pois se existe uma doença que não pode ser localizada porque procede da totalidade da pessoa humana, essa doença é a neurose psíquica (BARRETO, 2006, p. 134).

A conseqüência desta ampliação na compreensão da neurose, correlata no nível clínico da compreensão histórico-cultural do sofrimento espiritual moderno, é que a própria definição da psicoterapia que precisa ser ampliada. Trata-se de um procedimento que, de partida, destina-se a curar o mal-estar neurótico, “mas o que cura uma neurose?”, pergunta Jung. E afirma em seguida: “Para encontrar a verdadeira resposta a essa pergunta, a psicologia das neuroses precisa ir muito além de seus limites puramente médicos” (JUNG, 1978, p. 9). Assim, numa posição que certamente surpreende o leigo que desconhece o sentido e a natureza de sua práxis psicoterapêutica, Jung sustenta que a neurose é, portanto, uma espécie de corretivo de uma “falsa atitude do Eu”, que deve desmoronar, e representa uma oportunidade para o conhecimento de si mesmo.

Jung (2009, p. 4) acredita que o tratamento analítico poderia ser considerado um reajustamento da atitude psicológica, realizado pelo paciente com a ajuda do médico. Porém, convém manter sempre em mente que a análise não é uma “cura” que se pratica de uma vez para sempre. A vida do incosciente prossegue o seu caminho, e produz continuamente situações problemáticas. Também não há que ser pessimista, porque a análise produz excelentes resultados, em um processo de reajustamento que é praticamente completo. Mas uma espécie de lei dita, que não há mudança incondicional no tempo, pois a vida tem que ser conquistada sempre e de novo.

No documento O AMOR E A CURA DA ALMA EM PLATÃO E JUNG (páginas 160-167)