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O INFINITO ENFIM DEFINIDO

No documento BADIOU_Alain. O Ser e o Evento (páginas 130-132)

“há infinito nos múltiplos naturais”

4. O INFINITO ENFIM DEFINIDO

O “existe um ordinal limite” é nossa segunda asserção existencial, depois da asserção do nome do vazio. Ela não introduz, no entanto, uma segunda sutura do dispositivo das Idéias do múltiplo ao ser enquanto ser. Exatamente como para os outros múltiplos, o ponto de ser originário de um ordinal limite é o vazio, e seus elemento não passam de combinações, reguladas pelos axiomas, do vazio com ele mesmo. Desse ponto de vista, o infinito não é em absoluto uma “segunda espécie” de ser que viria se entretecer com. o que resulta do vazio. Na linguagem dos gregos, diremos que não há dois Princípios (o vazio e o infinito), embora haja dois axiomas existenciais. O ordinal limite só é “existente” num segundo momento, já sob a suposição de que o vazio lhe pertence — o que assinalamos no axioma que formaliza a decisão. O que ele faz existir, assim, é o lugar de uma repetição, o Outro dos outros, o espaço de exercício de um operador (a sucessão), ao passo que 0 convoca à apresentação ontológica o ser como tal. Decidir que existe um ordinal limite atinge o poder do ser, não seu ser. O infinito não abre para uma doutrina do misto, em que o ser resultaria, afinal de contas, do jogo dialético de duas formas heterogêneas. Não há senão vazio, e Idéias. Em suma, o axioma “existe um ordinal limite” é uma Idéia escondida sob uma asserção de existência, a Idéia de que uma repetição sem termo — o ainda-um— convoca a um segundo selo existencial a fusão de seu lugar e de seu um, esse ponto exemplannente designado por Mallarmé: “tão longe que um local se funde com um além”. E como, na ontologia, existir é ser um-múltiplo, a forma de reconhecimento do local que é também um além será a adjunção de um múltiplo, de um ordinal.

Isto posto, ainda não definimos o infinito. Existe um ordinal limite, seja. Nem por isso podemos fazer coincidir o conceito de infinito e o de ordinal limite; e, conseqüen­ temente, o conceito de finito com o de ordinal sucessor. Pois se a é um ordinal limite, S (a), seu sucessor, é “maior” que ele, pois a E 5 (a). Esse sucessor finito — se estabelecermos a equação sucessor = finito — seria então maior que seu predecessor infinito — se estabelecermos que limite = infinito — , o que repugna a todo pensamento e suprime que a “passagem ao infinito” seja um gesto irreversível.

Se a decisão quanto ao infinito do ser natural incide precisamente sobre o ordinal limite, a definição que essa decisão sustenta é forçosamente diferente. Prova suplemen­ tar de que o real, isto é, o obstáculo, do pensamento é raramente encontrar uma definição, correta, a qual se induz antes do ponto singular, e excêntrico, em que era preciso apostar no sentido, ainda que sua ligação direta com o problema inicial não fosse-aparente. A lei do desvio aventuroso convoca assim o sujeito a uma distância propriamente incalculável de seu objeto. É por isso que não há Método.

A DECISÃO ONTOLÓGICA 131

Na meditação 12, indiquei uma propriedade capital dos ordinais, a minimalidade: Se existe um ordinal que tenha uma propriedade dada, existe um único ordinal G-minimal para essa propriedade (isto é, tal que nenhum ordinal que lhe pertença tem a referida propriedade). Ou: “ser um ordinal limite” é uma propriedade, expressa, como convém, por uma fórmula X (a) com uma variável livre. E o axioma “existe um ordinal limite” nos diz justamente que, pelo menos, um ordinal existente possui essa proprie­ dade. Existe, conseqüentemente, um único ordinal £-minimal para essa propriedade. Temos aí o menor dos ordinais limites, aquele “aquém” do qual não há, afora o vazio, senão ordinais sucessores. Este esquema ontológico é fundamental. Ele designa o limiar do infinito; ele é, desde os gregos, o múltiplo exemplar do pensamento matemático. Nós o chamaremos coq(chamam-no também N, ou ainda alef-zero). Este nome próprio,

coQ, convoca sob a forma de um múltiplo a primeira existência suposta pela decisão concernente à infinidade do ser. Ele efetua essa decisão sob a forma de um múltiplo puro específico. A falha estrutural que opõe, na homogeneidade natural, a ordem dos sucessores (hierarquizada e fechada) e a dos limites (aberta e selada por um ek-sistente), encontra em coO sua borda.

A definição do infinito se estabelece nessa borda. Diremos que um ordinal é infinito se ele é coo, ou se coO lhe pertence. Diremos que um ordinal éfinito se ele pertence a coQ,

coo é, portanto, o nome da partilha entre finito e infinito, no tocante aos múltiplos naturais, O matema do finito, na ordem natural, supõe apenas que se especifique coO pela minimalidade do limite — a qual define um ordinal único e justifica o uso de um nome próprio:

lim{coo) & (V a ) [[(a G coO) & (a * 0)] -» Sc (a)]

uma vez que estabelecemos as seguintes definições do /«/(infinito) e Fin (finito):

Infip.) <-* [(a = coo) ou coO G a] Fin{a) <h> (a G coO)

0 que coo apresenta é múltiplo natural finito. Tudo aquilo que apresenta coO é infinito, coQ, por sua vez, será dito infinito, por estar do lado do limite, por não suceder a nada.

Entre os conjuntos infinitos, alguns são sucessores — por exemplo, coo U {coO}, o sucessor de coO, Outros são limites — por exemplo, coO. Entre os conjuntos finitos, em contrapartida, todos são sucessores, exceto 0. O operador crucial de disjunção na apresentação natural (limite/sucessor) não é, portanto, restituído na disjunção definida (infinito/finito).

É preciso observar, a este propósito, o estatuto excepcional de coo- Ele é, de fato, pela minimalidade que o define, o único ordinal infinito a que nenhum outro ordinal limite pertence. A todos os outros pertence ao menos coO, que não pertence a si mesmo.

132 O SER E O EVENTO

Há, portanto, entre os ordinais finitos — os que pertencem a coO — e o próprio coO, um abismo sem mediação.

Um dos problemas mais profundos da doutrina do múltiplo — conhecido sob o nome de teoria dos “grandes cardinais” — é saber se esse abismo pode se repetir no próprio infinito. Trata-se de perguntar se pode existir um ordinal infinito superior a coo, e tal que nenhum procedimento disponível permita atingi-lo, de tal modo que, entre os múltiplos infinitos que o precedem e ele, haja total ausência de mediação, como entre os ordinais finitos e seu Outro, coO.

E característico que tal existência exija uma nova decisão: um novo axioma do infinito.

No documento BADIOU_Alain. O Ser e o Evento (páginas 130-132)