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Inflação e indexação: tornando a economia à prova de inflação

Parte 5 ▪ Grandes eventos, ajustes internacionais e tópicos avançados

7.7 Inflação e indexação: tornando a economia à prova de inflação

Nesta seção, observamos brevemente dois tipos de contratos que são os mais afeta- dos pela inflação: os contratos de empréstimo de longo prazo e os contratos sala- riais. Então, discutimos a possibilidade de reduzir a vulnerabilidade das pessoas à inflação pela indexação, que vincula os termos dos contratos ao comportamento do nível de preços.

I N F L A Ç Ã O E T A X A S D E J U R O S

Há muitos contratos de empréstimo nominais de longo prazo, incluindo títulos públi- cos de 20 anos e hipotecas de 25 ou 30 anos. Por exemplo, uma empresa pode vender títulos de 20 anos no mercado de capitais a uma taxa de juros de 8% ao ano. Se a taxa de juros real (após a inflação) sobre os títulos vai ser alta ou baixa depende de qual

QuaDRo 7.6 InflaÇão não anteCIpaDa no CuRto e longo pRazos

A

inflação não antecipada é muito importante? Em níveis baixos de inflação, comuns na maioria dos países, um pouco de inflação não antecipada não chega a ser um grande problema no curto prazo (a resposta é diferente em momentos e lugares com taxas de inflação extremamente altas. Veja a Seção 19 .5 sobre hiperinflações). Suponha que você subestime a inflação em 3%. Você descobrirá daqui a um ano que o dinheiro e outros ativos com valor nominal fixo, valem 3 centavos sobre cada dólar a menos do que você antecipava. É claro que você também quita quaisquer dívidas nominais que você esteja devendo em dólares ligeiramente mais baratos. Quando a inflação está entre 1 e 4%, como tem estado na última década nos Estados Unidos, é difícil que o seu palpite para a inflação no próximo ano esteja distante em mais de 3%.

Mas, suponha que você assinou um contrato com pagamentos nominais fi- xos por 30 anos e subestimou a inflação em cerca de 3% ao ano durante a vigên- cia do contrato. Um dólar ao final de 30 anos valeria apenas US$ 0,41. Agora sim, essa é uma diferença para se preocupar, de fato. Nos Estados Unidos, mui- tas hipotecas residenciais possuem pagamentos nominais fixos de longo prazo, de modo que os proprietários ganham substancialmente com a inflação não antecipada de longo prazo, e alguns planos de previdência possuem pagamen- tos fixos — os pensionistas podem realmente sofrer o impacto de uma inflação não antecipada de longo prazo.

será a taxa de inflação ao longo dos próximos 20 anos. A taxa de inflação é, portanto, de grande importância para credores e devedores de longo prazo, e isso é especial- mente verdadeiro no caso da habitação.

I n f l a ç ã o e m e r c a d o i m o b i l i á r i o

A típica família norte -americana ou canadense compra uma casa por meio de em- préstimos de um banco ou de uma instituição de poupança e empréstimo. A interação entre inflação e impostos exerce um grande impacto sobre o custo real do emprésti- mo. As hipotecas dos Estados Unidos — termo para o empréstimo para habitação — estabelece uma taxa de juros nominais fixa para um período de 25 ou 30 anos. Os pa- gamentos de juros são dedutíveis no cálculo do imposto de renda federal dos Estados Unidos30, reduzindo assim o custo efetivo dos juros do empréstimo. Por exemplo, su- ponha que a alíquota marginal de imposto seja de 30%; então, o custo nominal dos juros é de 70% da taxa efetiva da hipoteca31.

Agora considere a economia de investir em uma casa, por exemplo, para alguém que a comprou em 1963 e a financia com uma hipoteca de 25 anos com juros fixos. A taxa de hipoteca em 1963 era de 5,9% e a taxa de inflação dos próximos 25 anos teve média de 5,4%. Assim, o custo real do empréstimo a juros reais antes dos impostos era de 0,5%. Além disso, o comprador do imóvel podia deduzir de sua renda tributável os juros pagos sobre a hipoteca. A uma taxa de juros de 5,9% e a uma alíquota de impos- tos de 30%, a redução nos impostos valia 1,77% ao ano (30% de 5,9%), portanto, o custo real do empréstimo após os impostos era de menos 1,3% — um negócio nada mal! Porém, é claro que a inflação poderia vir a ser menor do que o esperado e, assim, o devedor teria tido resultado menor do que o esperado e o credor teria um ganho, e não uma perda.

A incerteza sobre as perspectivas de inflação foi um dos motivos para o apareci- mento de um novo instrumento financeiro: a hipoteca com taxa reajustável (Adjustable Rate Mortgage [ARM]), que é um exemplo particular de um empréstimo

a taxas flutuantes. É um empréstimo de longo prazo com uma taxa de juros que é

periodicamente (a cada ano, por exemplo) reajustada, de acordo com as taxas de juros de curto prazo vigentes. Na medida em que a taxa de juros nominal reflete, aproximadamente, as tendências inflacionárias, as hipotecas com taxa reajustável reduzem os efeitos da inflação sobre os custos reais de longo prazo das compras fi- nanciadas da casa própria. Tanto as hipotecas com taxa reajustável quanto as com taxa fixa de longo prazo estão atualmente em uso nos Estados Unidos. É interessante notar que os empréstimos hipotecários no Canadá, por vários anos, têm sido varian- tes da hipoteca com taxa reajustável.

30 Em uma diferença interessante entre os dois códigos tirbutários bastante parecidos, os pagamentos de ju-

ros sobre as hipotecas residenciais não são dedutíveis no Canadá.

D í v i d a i n d e x a d a

Em países onde as taxas de inflação são elevadas e incertas, tomar empréstimos de longo prazo com utilização da dívida nominal torna -se impossível: os credores sim- plesmente ficam inseguros demais quanto ao valor real dos reembolsos que recebe- rão. Nesses países, os governos geralmente emitem a dívida indexada. Um título é indexado (ao nível dos preços) quando os juros ou o valor principal, ou ainda am‑ bos, são reajustados pela inflação32.

O detentor de um título indexado normalmente recebe juros iguais à taxa de ju- ros real estipulada (por exemplo, 3%), mais qualquer que seja a taxa de inflação. Assim, se a inflação for de 18%, o detentor recebe 21%, se a inflação for de 50%, o pa- gamento de juros nominal a posteriori é de 53%. Dessa forma, o detentor do título é compensado pela inflação.

Muitos economistas têm argumentado que os governos devem emitir dívida in- dexada para que os cidadãos possam manter pelo menos um ativo com um retorno real seguro. Costumava acontecer que os governos em países com inflação alta, como Brasil, Argentina e Israel, emitiam essas dívidas, e faziam isso porque não podiam to- mar emprestado de outra forma.

Entre os países de baixa inflação, o governo do Reino Unido vem emitindo títulos indexados desde 1979. O Tesouro dos Estados Unidos começou a emitir dívida inde- xada em 1997, esperando que o valor do “seguro da inflação” reduzisse a taxa de juros real que o governo paga. É claro que, como os pagamentos da previdência social em muitos países são indexados, os cidadãos desses países detêm um ativo que protege contra a inflação. No entanto, o fluxo de pagamentos da previdência social não é um ativo que se possa comprar e vender.

Mais tarde, consideraremos os argumentos a favor e contra a indexação.

I N D E X A Ç Ã O D O S S A L Á R I O S

Os contratos de trabalho formal, por vezes, incluem cláusulas de reajuste do custo de

vida automático (cost ‑of ‑living adjustment [COLA]). Estas cláusulas vinculam os au-

mentos dos salários nominais aos aumentos no nível de preços. As cláusulas de Cola (de indexação salarial) são projetadas para permitir que os trabalhadores recuperem, totalmente ou em parte, o poder de compra perdido pelos aumentos de preços desde a assinatura do contrato de trabalho.

Essa forma de indexação é uma característica bastante comum dos mercados de trabalho em muitos países. A indexação estabelece um equilíbrio entre as vantagens dos contratos de longo prazo e os interesses dos trabalhadores e das empresas em não ter os salários reais muito fora de sintonia.

Como a negociação salarial é demorada e difícil, os salários não são negociados semanalmente ou mensalmente, mas em contratos de um ou três anos. Porém, como os preços vão mudar ao longo do prazo destes contratos, algum reajuste deve ser feito

32 Também é comum indexar a dívida ao valor de uma moeda estrangeira, frequentemente o dólar dos Esta-

com relação à inflação. Em termos gerais, existem duas possibilidades. Uma delas é indexar o salário ao IPC ou ao deflator do PIB e, por meio de revisões periódicas (por exemplo, trimestrais), aumentar os salários de acordo com os preços ao longo do pe- ríodo. A outra é programar aumentos periódicos e preanunciados de salários com base na taxa esperada de aumento de preços. Se houvesse certeza do valor da infla- ção, os dois métodos produziriam o mesmo resultado. Entretanto, como a inflação pode ser diferente das expectativas, haverá discrepâncias.

Devemos esperar que haja indexação, em vez de aumentos salariais preanun- ciados, quando a incerteza sobre a inflação for alta. A inflação é mais incerta quando sua taxa está alta do que quando ela está baixa e, portanto, a indexação salarial predomina em países com inflação elevada, mais do que em países com inflação baixa.

Na economia dos Estados Unidos, mais de 50% dos trabalhadores que estavam cobertos pelos principais acordos de negociação coletiva em meados da década de 1980 possuiam cláusulas contratuais para reajuste do custo de vida automático. Essas cláusulas eram muito mais comuns depois de 1973, quando a inflação passou a ser maior e mais variável. Elas novamente declinaram, conforme a inflação se manteve baixa. No entanto, enquanto as cláusulas de ajuste do custo de vida são uma parte importante de muitos contratos de negociação coletiva, poucos trabalhadores norte- -americanos estão protegidos por ela devido ao declínio da sindicalização. Em 1995, por exemplo, apenas 22% dos trabalhadores incluídos em grandes acordos coletivos de trabalho estavam protegidos pelas cláusulas de Cola.

C h o q u e s d e o f e r t a e i n d e x a ç ã o s a l a r i a l

Suponha que os preços reais dos insumos aumentem e as empresas repassem o aumen- to do custo ao preço dos bens produzidos. Os preços ao consumidor subirão e, sob um sistema de indexação salarial, os salários subirão. Isso leva a aumentos adicionais de preços, custo de insumos e salários. Aqui, a indexação alimenta uma espiral inflacioná- ria que seria evitada com um sistema de aumentos salariais prefixados, porque assim os salários reais poderiam cair como consequência de preços dos insumos mais altos.

O exemplo deixa claro que devemos distinguir as duas possibilidades ao consi- derar os efeitos da indexação salarial: choques de demanda e choques de oferta. No caso de um choque de demanda, há uma perturbação da inflação “pura”, e as empre- sas poderiam pagar os mesmos salários reais e, portanto, não seriam prejudicadas em termos reais pela indexação de 100%. No caso de um choque de oferta adverso, no entanto, os salários reais devem cair e a indexação plena impede que isso aconteça.

Dessa forma, a indexação salarial complica muito o ajuste de uma economia aos choques de oferta. Nas décadas de 1970 e 1980, a economia dos Estados Unidos se ajustou mais facilmente aos choques do petróleo do que os países da Europa, onde a indexação plena é mais comum. O alcance limitado da indexação salarial nos Estados Unidos favoreceu a ocorrência de um ajuste mais fácil33.

33 Ver Michael Bruno e Jeffrey Sachs, The Economics of Worldwide Stagflation (Cambridge, MA: Harvard Uni-

P O R Q U E N Ã O I N D E X A R ?

Os economistas têm alegado de forma frequente que os governos devem adotar a in- dexação em larga escala, indexando os títulos, o sistema tributário e todo o resto que eles controlam. Dessa forma, seria muito mais fácil conviver com a inflação, e a maio- ria dos custos com a inflação não antecipada desapareceria. Os governos, ao con- trário, têm sido bastante relutantes à indexação.

Há três bons motivos. Primeiro, como é visto no caso da indexação salarial, ela torna mais difícil para a economia se ajustar aos choques sempre que as variações nos preços relativos forem necessárias. Segundo, a indexação é, na prática, complicada, pois acrescenta outra rodada de cálculos à maior parte dos contratos. Terceiro, os go- vernos têm medo de que, ao tornar a inflação mais fácil de conviver, a indexação en- fraqueça a vontade política de combatê -la, o que levará a uma inflação mais elevada e, possivelmente, tornará a economia pior, já que a indexação nunca pode lidar per- feitamente com as consequências da inflação34.

Este último argumento faz parte da teoria dos ciclos político -econômicos, que discutiremos na última seção do capítulo.

7.8 UM POUCO DE INFLAÇÃO FAZ BEM PARA A ECONOMIA?