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Maria Madalena Gracioli ∗

2.2 Inser¸c˜ ao em atividades culturais, desportivas e de lazer

Os jovens de qualquer ´epoca, lugar ou classe social, procuram diferentes formas de ocupar o tempo livre, geralmente o esporte, o lazer e as atividades culturais, s˜ao maneiras de preencher esse tempo e, ao fazˆe-lo, tecem la¸cos de sociabilida- de, de amizade, de companheirismo. Desse modo, a compreens˜ao das distintas formas de apropria¸c˜ao do tempo livre ´e fundamental em qualquer reflex˜ao sobre a juventude, como recomenda Pais(1993, p. 132): [. . . ] pode-se mesmo dizer

que quem n˜ao quiser falar de lazer deve calar-se, se sobre a juventude quiser falar.

As atividades esportivas e culturais e outras formas de lazer sempre foram, e continuam a ser, fonte de divers˜ao, entretenimento, descontra¸c˜ao e sociabili- dade. S˜ao palcos em que a maioria dos jovens manifesta pela primeira vez a sua liberdade e independˆencia da tutela dos adultos, sobretudo dos pais e dos professores; s˜ao nesses palcos que v˜ao aprender a relacionar-se e conviver com outros jovens, como iguais. Essa fase da vida ´e prop´ıcia para a aquisi¸c˜ao do capital cultural, que ir´a servir de base para escolhas e projetos para a idade adulta.

Os jovens disp˜oem de mais tempo livre para vivenciar essas atividades numa intensidade e quantidade maiores do que as pessoas j´a inseridas no mercado de trabalho, no entanto, ao dirigir o olhar aos jovens brasileiros que vivem em Portugal, observa-se que sua participa¸c˜ao em atividades de lazer em grupos s˜ao menos frequentes do que aquelas praticadas individualmente, ou aquelas assen- tadas apenas no conv´ıvio, na sociabilidade.

Os jovens de diferentes ´epocas e lugares procuram realizar atividades esporti- vas, de lazer e culturais, em que possam dar um estilo que lhe seja t´ıpico, um estilo caracterizado pela sua cultura, quer seja do seu bairro, da sua regi˜ao ou do seu pa´ıs, criando um contexto poss´ıvel para demarcar as suas expectativas, os seus valores e significados, que s˜ao influenciados e que influenciam o meio em que vivem. Assim, espera-se que em contexto migrat´orio, os jovens tenham possibilidade de compartilhar as suas formas de express˜oes e, ao mesmo tempo, conviver com as diferentes express˜oes dos jovens do pa´ıs acolhedor e tamb´em, com jovens de outras nacionalidades.

Nem sempre isso ocorre, porque marcados por estere´otipos, discrimina¸c˜ao e preconceito, tendem a buscar formas de lazer e de participa¸c˜ao em atividades esportivas e culturais onde passam compartilhar a cultura e as express˜oes t´ıpicas `

a maioria dos jovens brasileiros.

Portanto, a dificuldade de inser¸c˜ao na sociedade portuguesa, a pequena con- vivˆencia com jovens portugueses fora do espa¸co escolar, leva os jovens a escolher atividades de lazer, onde ´e poss´ıvel o conv´ıvio com amigos, tamb´em brasileiros:

Encontro meus colegas na praia, as vezes quando saio para festas, geralmente s˜ao festas de anivers´ario de algum amigo brasileiro, rara- mente minha m˜ae deixa eu ir a discotecas. (Celso, 17 anos, Vit´oria – ES, 6 anos em Portugal).

Os meus amigos de verdade s˜ao todos brasileiros, costumamos ir a centros comerciais aqui mais pr´oximos, e quando vamos a Lisboa, a capital, vamos ao Bairro Alto, para o Parque das Na¸c˜oes que ´e um ponto tur´ıstico n´e? Quando ´e poss´ıvel, para Lisboa, nunca para mais... (Luis, 24 anos, Frei Inocˆencio – MG, 5 anos em Portugal) Meu lazer ´e estar com meus primos, ir `a praia e sair nos finais de semana, aqui mesmo na Costa. (Cristina, 17 anos, Porto Velho – RO, 1 ano e quatro meses em Portugal)

As formas de lazer relatadas pelos jovens acima configuram atividades mais voltadas para a sociabilidade, para a convivˆencia, para a troca de experiˆencia com os amigos, t˜ao importantes para essa categoria social, por´em, n˜ao s˜ao ativi- dades capazes de proporcionar o desenvolvimento f´ısico e cultural, n˜ao consti- tuem meios que proporcionam uma maior inser¸c˜ao na sociedade acolhedora e que possibilitam a convivˆencia com jovens do pa´ıs anfitri˜ao.

Os jovens que vivem na regi˜ao metropolitana de Lisboa e Costa da Caparica possuem formas de lazer e participa¸c˜ao em atividades esportivas e culturais fixas na pr´opria regi˜ao, muitos jovens nunca sa´ıram da Costa da Caparica, por- tanto, h´a duas importantes observa¸c˜oes, a primeira ´e que esse fato parece um tanto contradit´orio, uma vez que se trata de fam´ılias imigrantes, que ousaram deixar as suas regi˜oes; muitas correspondem a pequenas cidades, distantes dos maiores centros urbanos do Brasil, ou a periferia de regi˜oes metropolitanas, e embarcaram numa aventura migrat´oria cruzando o oceano Atlˆantico. No en- tanto, hoje se encontram com pouca mobilidade dentro de um pa´ıs que possui pequena extens˜ao territorial, e que, ´e muito bem servido por todos os meios de transportes.

Da´ı resulta a outra observa¸c˜ao, que os jovens dessas duas regi˜oes vivem numa verdadeira segrega¸c˜ao espacial, todos os seus espa¸cos de vivˆencia e convivˆencia encontram-se limitados nas fronteiras do bairro ou da cidade. Diferentemente, os jovens que vivem na regi˜ao do Porto, mesmo os indocumentados, e os mais

jovens, possuem maior mobilidade, relatam passeios na cidade do Porto e, in- dependente da regi˜ao que moram, costumam frequentar bares de brasileiros em Matosinhos.

A segrega¸c˜ao espacial ´e maior para os jovens mais novos, para aqueles que dependem dos pais. Embora, na Costa da Caparica essa pequena mobilidade espacial seja comum aos jovens de todas as idades. Para os jovens indocumenta- dos a mobilidade espacial ´e ainda menor; at´e mesmo as atividades de lazer s˜ao reduzidas, normalmente frequentam lugares onde o risco da presen¸ca da pol´ıcia ou do SEF seja pequeno. Geralmente, encontram os amigos na praia, na casa de algum deles ou em locais p´ublicos discretos. Somente um jovem, que ´e de uma fam´ılia com maior poder aquisitivo e que migrou para Portugal na primeira vaga da imigra¸c˜ao brasileira, relata viagens de lazer para outras cidades e regi˜oes de Portugal, para outros pa´ıses, inclusive, viagem ao Brasil uma vez por ano.

A pr´atica de atividades esportivas e culturais geralmente est´a ligada `a cul- tura brasileira, jogar futebol ou capoeira, participar de grupo de percuss˜ao, dan¸cas ou m´usicas:

Depois que eu saio da escola costumo ir ao treino de futebol; ´e l´a que encontro meus amigos. Um dia pretendo ser jogador de futebol; acho que ´e o sonho de muitos meninos... (Leandro, 16 anos, Vit´oria – ES, 5 anos em Portugal)

Eu e meu irm˜ao participamos de um grupo de percuss˜ao; o profes- sor ´e um baiano, que segue o modelo do Olodum. (Lucas, 16 anos, Palmas – TO, 6 anos em Portugal)

Depois da aula, vou duas vezes por semana na aula de capoeira. (Lucia, 17 anos, Vit´oria – ES, 5 anos em Portugal)

Por terem um pequeno grupo de amigos, pela segrega¸c˜ao espacial e dificul- dades de socializa¸c˜ao com os jovens portugueses muitos jovens brasileiros prefe- rem atividades de lazer, individuais e muitas vezes solit´arias, para preencher o tempo livre: ouvir m´usica, jogos no telem´ovel (celular) ou televis˜ao, navegar na internet, assistir televis˜ao (geralmente canais brasileiros). S˜ao, portanto, ativi- dades realizadas quase sempre, dentro de casa, depois da aula ou do trabalho.

Estar sozinho ou com amigos brasileiros ´e uma forma de n˜ao precisar nego- ciar a identidade, de poder fazer aquilo que gosta e ser como realmente ´e. Mas, por se tratar de formas de lazer individualizadas, privadas e, utilizadas para passar o tempo, logo menos p´ublicas e coletivas, os jovens deixam de participar de atividades esportivas e culturais coletivas que por si s´o seriam meios de so- cializa¸c˜ao com jovens portugueses.

A falta de socializa¸c˜ao, de la¸cos de amizade e partilha com jovens do pa´ıs de acolhimento, deixa evidente a necessidade da participa¸c˜ao dos adultos para

ajud´a-los a encontrar formas de tecer la¸cos de reciprocidade e meios de compar- tilhar as duas diferentes culturas, proporcionando aos jovens brasileiros maior emancipa¸c˜ao e reconhecimento da sua condi¸c˜ao de jovem imigrante. Normal- mente, esse olhar na perspectiva da condi¸c˜ao jovem, e n˜ao simplesmente

imigrante, passa despercebido nas pol´ıticas de acolhimento aos imigrantes, mas que s˜ao importantes aspectos da vida cotidiana de qualquer jovem, por isso, n˜ao podem ser ignoradas.

S˜ao nas atividades esportivas, culturais e de lazer comuns aos jovens, que os brasileiros mais sentem falta e saudade do Brasil; eles revelam nas entrevistas como s˜ao diferentes as formas de lazer e as formas de viver a juventude:

A amizade de l´a, ´e brincar, nos finais de semana jogar bola no campo de futebol, n˜ao paga nada, at´e na rua a gente jogava, aqui tudo ´e pago, at´e para poder jogar bola tem que pagar ; tem uma quadra de futebol aqui perto, se vocˆe quiser jogar tem que alugar, s˜ao 10 euros por hora, tudo se paga [. . . ]. (Caetano, 18 anos, Porto Velho – RO, 3 anos em Portugal)

At´e a maneira das pessoas agirem umas com as outras ´e diferente. L´a no Brasil ´e aquela coisa mais da brincadeira, os colegas ficam zoando, vai para rua jogar bola, vai para rua pular corda e... en- quanto que aqui n˜ao, a vida deles ´e sair na rua para ir em shopping, dar um passeio, ´e. . . ir para o caf´e e passar l´a o dia todo, ´e isso, enquanto que no Brasil n˜ao, est´a sempre fazendo alguma coisa, en- quanto que aqui n˜ao. (Paula, 16 anos, Matosinhos – MG, 6 anos em Portugal)

Tamb´em as rela¸c˜oes de amizade s˜ao diferentes, consideram que no Brasil tinham amigos verdadeiros e essas amizades s˜ao lembradas com saudade. J´a em Portugal consideram ter apenas colegas e n˜ao amigos:

O que eu mais gostava l´a, eu acho que aqui n˜ao tem, ´e a maneira que as pessoas, por exemplo, vizinhos d˜ao umas com as outras, l´a na rua da minha av´o toda a gente se conhecia, toda a gente brincava, enquanto que aqui n˜ao. Aqui ´e cada um no seu cantinho, acho que n˜ao h´a essa amizade entre vizinhos da mesma rua. L´a no Brasil eu tinha muitos amigos na minha rua, e tenho saudade dessa amizade, dessas pessoas, desse tempo. . . (La´ıs, 18 anos, Teixeira de Freitas – BA, 5 anos em Portugal)

Os meus melhores amigos s˜ao brasileiros, e meus melhores amigos n˜ao s˜ao brasileiros aqui de Portugal, mas os que eu deixei l´a, aqueles que conhe¸co desde a infˆancia, que cresceu junto e sabe da tua vida quase tudo . Aqui em Portugal n˜ao tenho amigos tenho colegas. (Celso, 20 anos, Governador Valadares – MG, 2 anos em Portugal)

A amizade ocupa lugar de destaque na vida dos jovens, que buscam nos amigos o companheiro para compartilhar novas experiˆencias e aprendizagens, para partilhar as incertezas e os sonhos, o apoio m´utuo para enfrentamento de conflitos e problemas cotidianos.

S˜ao nas rela¸c˜oes de amizade que os jovens formam redes de conv´ıvio social, fundamentais nesse per´ıodo de forma¸c˜ao e, desse modo, criam la¸cos e sentimen- tos de solidariedade, estima, companheirismo e prote¸c˜ao. Assim, fazer novos amigos, seja na escola ou em outras instˆancias da vida social, seria de funda- mental importˆancia aos jovens imigrantes para enfrentamento dos problemas do cotidiano, para amenizar a saudade, para conhecer a nova cultura, para com- partilhar conhecimentos e experiˆencias e, dessa maneira, construir formas de enxergar a experiˆencia migrat´oria em diferentes perspectivas, vindas de trocas que possibilitariam a inser¸c˜ao na nova sociedade, de forma prazerosa e menos sofrida.

Considera¸c˜oes finais

Esse estudo, que foi ao encontro de jovens brasileiros que acompanham os pais no processo migrat´orio para Portugal, deparou-se com muitas hist´orias, muitas lembran¸cas. S˜ao jovens que carregam uma identidade espelhada num jeito de ser e viver que vem da cultura brasileira, criam e recriam sonhos para o presente e para o futuro, reconstroem a identidade em fun¸c˜ao do contexto social em que est˜ao inseridos.

Houve durante todo o processo de realiza¸c˜ao da pesquisa uma preocupa¸c˜ao em focar suas vivˆencias reais, suas trajet´orias, dificuldades e os sonhos, de forma que a constru¸c˜ao dessa imagem n˜ao fosse romanceada nem ironizada, mas fo- cada nas multifacetas que essa categoria social na condi¸c˜ao de imigrante projeta, algumas vezes reveladas sob sombras e descren¸cas e, em outras, sob luzes e es- peran¸ca.

Ao desenvolver a pesquisa no lugar de vivˆencia dos jovens, foi poss´ıvel conhe- cer o seu cotidiano,ver de pertoo ambiente no qual est˜ao inseridos, conhecer

as potencialidades e as vulnerabilidades decorrentes do ambiente onde vivem. Ouvir as express˜oes dos jovens na sua hist´oria de imigrantes, com um passado no Brasil, um presente em Portugal e diferentes proje¸c˜oes para o futuro, foi uma forma de reconhecer que o futuro dos jovens n˜ao se encontra determinado e que, portanto, n˜ao pode ser visto apenas como responsabilidade pessoal, mas sim como um desafio coletivo. ´E, portanto, imprescind´ıvel que as pol´ıticas de aco- lhimento insiram em seus programas a¸c˜oes que possam contemplar as diferen¸cas culturais dos diferentes jovens que vivem no pa´ıs e, por se tratar de um desafio coletivo, cabe tamb´em ao pa´ıs de origem estabelecer parcerias espec´ıficas com o pa´ıs acolhedor, para atender `as peculiaridades dos jovens imigrantes.

Ressalta-se que os jovens pesquisados n˜ao foram vistos apenas como fontes de dados, mas foi empregada toda sensibilidade para conhecer o seu cotidiano,

compreender suas hist´orias de vida, seus projetos atuais e futuros, suas lem- bran¸cas, sejam boas e ruins, sentimentos de perten¸ca e identidades culturais e afetivas. Pretendeu-se, com essa investiga¸c˜ao, estabelecer um di´alogo com os jovens, falar com eles e n˜ao apenas deles ou sobre eles. Ouvir o que os jovens brasileiros imigrantes em Portugal falam e pensam, como vivem e como es- peram viver, foi tamb´em, uma op¸c˜ao metodol´ogica ancorada na certeza de que eles tinham o que dizer, e disseram. Por fim, cabe ressaltar a necessidade de outros estudos a serem realizados com jovens brasileiros em Portugal, em outros contextos e lugares, pois somente uma abordagem pluridisciplinar e multidimen- sional poder´a dar conta dos polissˆemicos aspectos da problem´atica colocada em quest˜ao.