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Resumo

Com base nas epistemologias e metodologias feministas realizo uma reflex˜ao acerca da presen¸ca das mulheres brasileiras na academia por- tuguesa, para tanto, parto do meu pr´oprio lugar de mulher brasileira imi- grante doutoranda em Portugal. Compreendo o ambiente cient´ıfico como um segmento altamente qualificado do mercado de trabalho e a mobi- lidade acadˆemica internacional como uma modalidade migrat´oria. Nesse sentido, questiono at´e que ponto as dinˆamicas de segrega¸c˜ao racial e sexual presentes no mercado de trabalho portuguˆes e as assimetrias e hierarquias geopol´ıticas reproduzem-se na experiˆencia das mulheres brasileiras que participam de programas de mobilidade acadˆemica em Portugal.

Palavras-chave: mulher brasileira; imigra¸c˜ao altamente qualificada; mobilidade cient´ıfica; gˆenero.

Contextualiza¸c˜ao inicial

As reflex˜oes que trago neste artigo s˜ao antes de tudo mais um mosaico de indaga¸c˜oes e anseios do que, propriamente, um trabalho nos modelos acadˆemicos cl´assicos. Ofere¸co algumas de minhas inquieta¸c˜oes mais recentes, buscando dar in´ıcio a constru¸c˜ao de um campo de discuss˜ao que at´e o momento parece ine- xistente: a presen¸ca de mulheres brasileiras imigrantes em programas interna- cionais de mobilidade acadˆemica. Verdadeiramente, este manuscrito trata-se de um conjunto de perguntas que busca dar visibilidade e conhecer outra forma de inser¸c˜ao social desses sujeitos no cen´ario internacional, procurando compreender de que maneira essa experiˆencia se organiza e at´e que ponto ela pode contribuir para a desconstru¸c˜ao do estere´otipo da brasileira como mulher hipersexualizada, ligada ao mercado do sexo e atividades ilegais (Margolis, 1994; Padilla, 2007; Piscitelli, 2008). Aqui, concebo experiˆencia nos moldes propostos por Brah (2006, p. 361), isto ´e, uma constru¸c˜ao cultural, uma pr´atica de atribui¸c˜ao de sentido, um lugar de contesta¸c˜ao: um espa¸co discursivo onde posi¸c˜oes de

sujeito e subjetividades diferentes e diferenciais s˜ao inscritas reiteradas ou re- pudiadas.

Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra (CES–UC): k francathais@yahoo.

Para esse trabalho, parto exatamente do meu lugar de mulher brasileira imigrante doutoranda em Portugal e da an´alise de uma primeira leva de entre- vistas explorat´orias conduzidas junto com a Professora Beatriz Padilla no ano de 2011. ´E com base nas metodologias e epistemologias feministas (Cunha, 2011; Haraway, 1988; Harding,1987,1996; Narvaz e Koller, 2006;Neves e Nogueira, 2005) e nos aportes da sociologia cr´ıtica (Benzaquen, 2008; Estanque, 2005a; Santos, 1988) que justifico minha experiˆencia pessoal como um elemento de an´alise v´alido para a constru¸c˜ao do conhecimento.

Entre v´arias das inova¸c˜oes trazidas pela entrada dos feminismos na sociolo- gia est´a a compreens˜ao de que a neutralidade cient´ıfica n˜ao apenas ´e um mito, como ´e infrut´ıfera e desinteressante para a produ¸c˜ao do conhecimento. Enfa- tizam, tamb´em, que fazer ciˆencia, assim como qualquer outra atividade social ´e um ato pol´ıtico e alertam para o fato de que a produ¸c˜ao de saber traz uma carga ineg´avel de ideologias que s˜ao constru´ıdas ao longo de nossa biografia.

N˜ao ´e mais poss´ıvel, destarte, dissociar teoria e m´etodo, tampouco negligenciar os aspectos epistemol´ogicos, ideol´ogicos e ´eticos envolvi- dos na escolha de um paradigma de pesquisa. Torna-se cada vez mais importante conhecer os impl´ıcitos do paradigma eleito, uma vez que este tem importantes implica¸c˜oes pr´aticas na condu¸c˜ao da investiga¸c˜ao. Faz-se necess´ario, nesse sentido - embora isso ainda sejam um tabu em nosso meio cient´ıfico - assumir que tais escolhas s˜ao um ato pol´ıtico, mesmo em se tratando de escolhas de m´etodos de pesquisa e de teorias que fundamentam o empreendimento de pesquisa (Narvaz e Koller,2006, p. 648).

Nesse sentido, uma dimens˜ao autobiogr´afica sempre est´a presente na pro- du¸c˜ao do conhecimento (Estanque,2003) e a incorpora¸c˜ao dessa dimens˜ao per- mite que experiˆencia e elabora¸c˜ao te´orica sejam reconhecidas, igualmente, como elementos constituintes do saber (Lechner, 2009). Mais ainda, esse tipo de abordagem remete para as coloca¸c˜oes de Benzaquen (2008, p. 24) para quem os/as cientistas sociais n˜ao s˜ao unicamente uma m´aquina de decodificar o real, almejando uma verdade absoluta, mas s˜ao antes de tudo sujeitos que escrevem, veem, leem, escutam e sentem. Identifico-me como uma mulher brasileira imi- grante acadˆemica em Portugal e considero ao longo de toda essa reflex˜ao minha pr´opria experiˆencia e de outras mulheres brasileiras acadˆemicas que cruzaram meu caminho nesses ´ultimos anos e deixaram comigo seus relatos, acreditando que assim contribuo para a constru¸c˜ao de uma ciˆencia cr´ıtica que est´a ligada a outros saberes e que almeja ter uma serventia social.

Por´em, sempre tenho o cuidado de lembrar que minha biografia n˜ao pode representar a hist´oria de todas as mulheres brasileiras em Portugal, poisa es-

pecificidade da experiˆencia de vida de uma pessoa esbo¸cada nas min´ucias di´arias de rela¸c˜oes sociais vividas produz trajet´orias que n˜ao simplesmente espelham a experiˆencia do grupo (. . . ), identidades coletivas n˜ao s˜ao redut´ıveis `a soma das experiˆencias individuais. (Brah, 2006, p. 371) Principalmente, porque, ape-

uma posi¸c˜ao privilegiada de estudante de doutoramento, regularizada, de classe m´edia e com uma bolsa concedida pelo pr´oprio governo portuguˆes. No meu caso espec´ıfico a intersec¸c˜ao de ra¸ca, classe social e gˆenero tem um saldo mais positivo do que negativo, evidenciando a potencialidade de an´alise das teorias da inter- seccionalidade em mostrar como a articula¸c˜ao de diversos eixos de diferencia¸c˜ao produzem experiˆencias singulares, a depender como tais eixos encontram-se. ´E tamb´em a interseccionalidade, no sentido proposto por Haraway (1988), que me permite a constru¸c˜ao e o comprometimento de um conhecimento situado, possibilitando que eu incorpore meu lugar de investigadora interseccionado nas an´alises (Davis, 2008). E mesmo que eu seja capaz de enumerar v´arias, e por vezes aned´oticas, situa¸c˜oes de preconceito e discrimina¸c˜ao que experienciei, elas jamais se aproximar˜ao do que muitas das mulheres que entrevistei passaram, em especial quando se encontravam com seu estatuto de imigra¸c˜ao ainda irregular. Ao longo dos anos do doutorado tive que repetir incont´aveis vezes que, em- bora meu objeto de estudo fosse mulheres brasileiras e mercado de trabalho, eu n˜ao me propunha a estudar o mercado do sexo ou tr´afico de seres humanos. N˜ao porque n˜ao considere essas tem´aticas importantes, o contr´ario, por saber da dimens˜ao de sua relevˆancia e que se trata de um fenˆomeno multifacetado e com- plexo, cujascausas est˜ao intrinsecamente relacionadas com outros fen´omenos

sociais, econ´omicos, pol´ıticos e culturais, pelo que v´arios s˜ao n˜ao s´o os direitos violados numa situa¸c˜ao de tr´afico, como os seus respons´aveis (Santos et al.,

2009, p. 71) reconhe¸co que o caminho acadˆemico que trilhei at´e agora n˜ao me instrumentalizou para uma an´alise adequada.

No mais, meu objetivo era dar visibilidade a outras experiˆencias laborais dessas imigrantes brasileiras que s˜ao a sua maneira, igualmente, circundadas por mecanismos de explora¸c˜ao, onde os estere´otipos sexistas e o discurso colo- nial n˜ao deixam de atuar, contribuindo para invisibilizar e legitimar uma posi¸c˜ao de subalternidade dessas mulheres. Desta feita, durante quatro anos dediquei- me integralmente ao estudo da inser¸c˜ao das brasileiras no mercado de trabalho portuguˆes em atividades prec´arias, especialmente em postos de atendimento, vendas est´etica e restaura¸c˜ao, buscando compreender como as dinˆamicas de segrega¸c˜ao racial e sexual operam nesse processo (Fran¸ca, 2009, 2010,2011).

Um dos motivos para tal escolha ´e ´obvio e resulta da minha percep¸c˜ao senso- rial como investigadora. Afinal, basta pedir uma ´agua das pedras em qualquer caf´e, tasca ou bar em Portugal que muito provavelmente uma brasileira ir´a aten- der vocˆe, ou pelo menos o sotaque brasileiro ser´a escutado na cozinha, pois as

as brasileiras s˜ao mais simp´aticas, mais sorridentes e mais alegres, por isso

trabalham tanto nessas atividades (Machado,2007). Isso, caso vocˆe n˜ao resolva ir a um sal˜ao de beleza, porque a´ı, quase que com 99% de chances a manicure ou a depiladora que ir´a atender-lhe ser´a brasileira, porque s´o as brasileiras ´e

que tiram a cut´ıcula e fazem o cantinho com cuidado. Esses s˜ao exemplos

de discursos que circulam para justificar a inser¸c˜ao laboral das brasileiras em postos prec´arios, inst´aveis e mal remunerados. Ou seja, discursos que as asso- ciam `a beleza e `a simpatia e que encobrem v´arios do mecanismos de exclus˜ao e domina¸c˜ao e das pr´aticas de sexualiza¸c˜ao e erotiza¸c˜ao a que elas est˜ao expostas (Gomes,2011;Padilla,2007). Discurso aqui compreendido como pr´atica social, que ao mesmo tempo em que ´e constitu´ıdo socialmente ´e tamb´em constitutivo

das rela¸c˜oes e sistemas de conhecimento (Fairclough,2001;Resende e Ramalho, 2006) e como um lugar de poder, concebendo que n˜ao h´a nenhum lugar de

poder onde a domina¸c˜ao, subordina¸c˜ao, solidariedade e filia¸c˜ao baseadas em princ´ıpios igualit´arios, ou as condi¸c˜oes de afinidade, convivialidade e sociabili- dade sejam produzidas e asseguradas de uma vez por todas (Brah, 2006, p.

373). S˜ao in´umeros os agentes que criam, produzem e comunicam esses dis- cursos desde a m´ıdia portuguesa e brasileira (Cunha, 2007; Santos, 2007), aos ´

org˜aos oficiais da imigra¸c˜ao (Peixoto, 2007; Santos et al., 2010) e do turismo (Gomes, 2011). E atualmente questiono-me at´e que ponto o pr´oprio discurso acadˆemico ao debru¸car-se de maneira exaustiva sobre a sexualiza¸c˜ao da mulher brasileira, em uma tentativa de dar visibilidade e de desconstruir as rela¸c˜oes de opress˜oes presentes, n˜ao acaba tamb´em por contribuir de maneira indireta para a legitima¸c˜ao e propaga¸c˜ao desse imagin´ario.

O outro motivo era a pr´opria literatura, que h´a muito apontava para um padr˜ao de inser¸c˜ao laboral prec´ario (Egreja e Peixoto, 2011; Fernandes, 2008; Machado,2004,2007;Malheiros e Padilla,2010;Marques e G´ois,2012;Padilla, 2007; Peixoto et al.,2006). Inser¸c˜ao essa ora justificada pelos baixos n´ıveis de qualifica¸c˜ao dessa popula¸c˜ao, ora justificada pelos mecanismos de segrega¸c˜ao sexual do mercado de trabalho que continuam a confinar as mulheres em ativi- dades que reproduzem os pap´eis de gˆenero vigentes em nossa sociedade (Casaca, 2011;Ferreira,2010;Hirata e Kergoat,2007), ora pelos mecanismos de segrega- ¸c˜ao racial que reservam a popula¸c˜ao imigrante os postos mais penosos e inst´aveis (Balibar e Wallerstein, 1991; Castel, 2008; Piore, 1979, 1997; Portes, 1999), ora pela pr´opria configura¸c˜ao do mercado laboral portuguˆes que oferece tra- balho principalmente em atividades prec´arias (Estanque,2005b;Peixoto,2008; Pereira, 2010), ora pela situa¸c˜ao de irregularidade dessas mulheres (T´echio, 2006).

Ao final, peguei todas essas justificativas, misturei as epistemologias femi- nistas, com os estudos migrat´orios, com as an´alises das dinˆamicas de segrega¸c˜ao do mercado de trabalho e do processo de precariza¸c˜ao laboral, joguei uma pitada de discurso p´os-colonial e voil`a nasceu minha tese, a ser apresentada depois do ver˜ao.

Ao longo desses anos, por mais que tenha circulado em diferentes espa¸cos e tenha ido a campo muitas vezes, a verdade ´e que o meio onde mais estive foi mesmo o meio acadˆemico, minhas melhores amizades, brasileiras e portuguesas nasceram na academia. E qual n˜ao foi minha surpresa em um determinando momento, por volta do 3o ano de doutorado, ao perceber que outras mulheres brasileiras acadˆemicas em Portugal relatavam constantemente situa¸c˜oes de pre- conceito, racismo e discrimina¸c˜ao que aconteciam dentro da pr´opria academia. Ao ouvir o depoimento delas, era inevit´avel n˜ao refletir sobre minha trajet´oria acadˆemica no pa´ıs, sobre as situa¸c˜oes em que me senti discriminada pelo fato de ser mulher brasileira por pessoas da pr´opria institui¸c˜ao onde eu estava.

A medida que o tempo ia passando, esses depoimentos tornavam-se mais altos aos meus ouvidos, porque, respondendo a pergunta deSpivak(1988) os/as

subalternos/as1 podem falar, a quest˜ao que fica ´e se as nossas ciˆencias est˜ao

preparadas para ouvir o que n˜ao ´e dito em sua pr´opria linguagem e de acordo com suas regras e normas (Cunha, 2011). E quando cientistas sociais ouvem com aten¸c˜ao o que as pessoas tem a dizer ´e normal que automaticamente um mundo de perguntas surja.

Sinto que em Portugal, paralelamente aos requisitos de habilidades profissionais, comprova¸c˜ao do curriculum vitae, ´e necess´ario que o estrangeiro mostre que ´e de confian¸ca (Helena, investigadora

brasileira pertencente de um centro de investiga¸c˜ao portuguˆes, resi- dente em Portugal h´a 4 anos).

Enfrentei e ainda enfrento muitas dificuldades burocr´aticas, rela- cionado com o que eu disse anteriormente, o preconceito institu- cional, ou seja, a institui¸c˜ao n˜ao estar preparada (e n˜ao querer se preparar) para receber um estrangeiro. (Adriana, doutoranda brasileira de uma universidade portuguesa, residente em Portugal h´a 2 anos)

Se elas s˜ao altamente qualificadas, se possuem o estatuto de imigra¸c˜ao regu- larizado, se est˜ao inseridas em atividades que correspondem a sua forma¸c˜ao, o que poderia justificar tantos depoimentos sobre situa¸c˜oes de preconceito? Por que isso acontece? Que mecanismos operam nessas situa¸c˜oes? Que discursos legitimam essas pr´aticas?

Foi dentro desse contexto que surgiu o interesse em estudar: A inser¸c˜ao das mulheres brasileiras imigrantes no ambiente acadˆemico europeu e por motivos mais do que ´obvios, minhas reflex˜oes partem da realidade portuguesa.

1

Mobilidade cient´ıfica e imigra¸c˜ao altamente

qualificada

Para fins desse estudo, concebo o meio acadˆemico como um segmento do mer- cado de trabalho que congrega m˜ao de obra altamente qualificada e onde a mobilidade ´e uma componente que tem se mostrado cada vez mais relevante (Ackers,2005a,b;Bauder, n. d.). Por ser um segmento do mercado de trabalho ´e de se esperar que nele estejam presentes as dinˆamicas de poder, domina¸c˜ao e exclus˜ao que operam em todo o mundo laboral: segrega¸c˜ao racial, sexual, processo de precariza¸c˜ao e hierarquias e assimetrias geopol´ıticas, sendo esses os aspectos que tenciono analisar ao estudar a presen¸ca de mulheres brasileiras na academia portuguesa.

Um ponto que n˜ao se pode perder de vista nessa dinˆamica refere-se ao fato que a atividade cient´ıfica diz respeito a produ¸c˜ao e circula¸c˜ao de conhecimento,

1 Pretendo ao final desse artigo esclarecer o porque de chamar a mulheres acadˆemicas de

elemento fundamental na atual organiza¸c˜ao da sociedade (Kim, 2009; Reis et al.,2010). Sabe-se que as disputas pela produ¸c˜ao e legitima¸c˜ao do que ´e conhe- cimento v´alido, em especial por aquele tipo de conhecimento que reclama para si o adjetivocient´ıfico, s˜ao antigas e perpassadas por infind´aveis disputas de

poderes (Santos,2002):

conjunturas epistemol´ogicas s˜ao definidoras, n˜ao apenas do tipo de ciˆencia produzida, mas, principalmente, da credibilidade que depen- der´a em muito do local onde ´e produzida, assumindo os seus adjec- tivos – de centro ou de periferia – e dependendo de onde esteja si- tuado o seu territ´orio. Assim, definidas as condi¸c˜oes de produ¸c˜ao do conhecimento e os seus determinantes sociais mais amplos, pode-lhe conferir poder ou desapropri´a-lo de qualquer tipo de reconhecimento (Lage,2008, p. 5).

Nesse sentido, entra-se em uma discuss˜ao epistemol´ogica acerca do car´ater colonial das ciˆencias modernas, discuss˜ao que neste momento n˜ao posso abordar em profundidade, mas gostaria de demarca que reconhe¸co que h´a nas dinˆamicas de poder p´os-colonial um lugar reservado para quem fala em nome da ciˆencia e outro lugar para quem ouve, pois como lembra Mignolo(2003) a produ¸c˜ao do discurso cient´ıfico sempre esteve atrelado ao processo de coloniza¸c˜ao europeu. Neste contexto, minha hip´otese ´e de que `as mulheres brasileiras que se inserem na academia portuguesa e europeia caber´a n˜ao o lugar de produtoras de ciˆencia, mas de receptoras passivas e que ser˜ao in´umeros os eixos de diferencia¸c˜ao que se interseccionar˜ao para definir esse lugar desde gˆenero, ra¸ca,2 como origem na

dicotomia centro-periferia.

Outra caracter´ıstica particular do meio cient´ıfico ´e o n´ıvel de precariza¸c˜ao encoberto que nele opera, pois se por um lado a literatura acerca da mobilidade cient´ıfica considera doutorandos/as, p´os-doutorados/as, cientistas como sujeitos altamente qualificados (Ackers et al.,2008,Bauder, n. d.), por outro a maioria dessa popula¸c˜ao tem sua remunera¸c˜ao atrav´es de programas de bolsas de estudo, que nada mais ´e do que uma forma de precarizar o trabalho acadˆemico, intro- duzindo altos n´ıveis de instabilidade, ao mesmo tempo que desqualifica o papel dos/as investigadores/as como profissionais. As bolsas por serem concess˜oes s˜ao isentas de taxas e impostos, por´em tamb´em n˜ao comportam direitos laborais ou seguro desemprego, prote¸c˜ao sindical e s˜ao uma forma de contrata¸c˜ao inst´avel.

A precariedade do trabalho cient´ıfico, associada ao uso extensivo e lato das bolsas, tem conduzido `a degrada¸c˜ao e perda de atrac- tividade desta carreira, sobretudo para os jovens investigadores. A figura de bolsa permite ambiguidade quanto `a componente preva- lente na actividade do bolseiro, se de estudo e forma¸c˜ao avan¸cada

2 A op¸c˜ao pelo utiliza¸c˜ao do termo ra¸ca d´a-se pela compreens˜ao de que ra¸ca trata-se de

uma constru¸c˜ao hist´orico-social, que vai muito al´em de aspectos biol´ogicos como a cor da pele. Mais ainda, como alertaPiscitelli(2008) em Portugal as mulheres brasileiras s˜ao racializada como mulatas/mesti¸cas independentes da cor da pele.

ou investiga¸c˜ao e trabalho cient´ıfico. Esta ambivalˆencia ´e particu- larmente escandalosa quando tantas bolsas s˜ao atribu´ıdas a inves- tigadores experientes para realizar tarefas sem uma clara compo- nente de forma¸c˜ao, isto ´e, s˜ao claramente uma forma de conten¸c˜ao or¸camental, substituindo a efectiva contrata¸c˜ao de um trabalhador cient´ıfico pela atribui¸c˜ao de uma bolsa (ABIC, n.d., p. 2).

No caso espec´ıfico de Portugal, ao contr´ario do que os n´umeros apresentam sobre igualdade de sexo, dos diversos prˆemios e reconhecimento que o pa´ıs tem tido por conta de suas pol´ıticas de integra¸c˜ao e da cren¸ca comum dos portugueses e portuguesas sobre si como um povovocacionado para o diferente(Almeida,

2008), o mercado de trabalho portuguˆes ´e racista e sexista desde seu segmento mais baixo e ao que parece at´e o mais elevado.

Se os n´umeros do Eurostat (2011) p˜oem Portugal como 6opa´ıs da Europa dos

15 no que diz respeito `a taxa de feminiza¸c˜ao do mercado de trabalho, ao lado da Su´ecia e da Finlˆandia e bem longe da Gr´ecia de Espanha, pa´ıses com os quais tem sido constantemente comparado, o gap salarial entre homens e mulheres chegou as 17% em 2011, as mulheres s˜ao mais atingidas pelo desemprego do que os homens, est˜ao mais expostas a contrata¸c˜ao tempor´aria e a tempo parcial, trabalham 1h22 minutos a mais do que eles em atividades dom´esticas, est˜ao lo- calizadas sobretudo em atividades pouco qualificadas, n˜ao alcan¸cam facilmente posi¸c˜oes de diretorias e n˜ao ´e raro que haja viola¸c˜ao dos direitos de maternidade. Ou seja, uma an´alise qualitativa descontr´oi a vis˜ao quantitativa da igualdade de gˆenero em Portugal e revela a desigualdade sexual existente na sociedade portuguesa (Casaca,2005,2011;Ferreira,1998,2010).

E a mesma compreens˜ao pode ser feita no que concerne `a segrega¸c˜ao racial, apesar da ONU em seu relat´orio de Desenvolvimento Humano Ultrapassar

Barreiras: Mobilidade e Desenvolvimento Humanode 2009 considerar Portu-

gal o melhor pa´ıs em pol´ıtica de integra¸c˜ao e do Migration Integration Policy Index III (MIPEX, 2011) atribuir o segundo lugar ao pa´ıs no que diz respeito `as pr´aticas de integra¸c˜ao, a realidade n˜ao ´e bem essa. Um dos meus exemp- los favoritos ´e a p´agina do pr´oprio Servi¸co de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que tem no seu canto direito um quadrinho de not´ıcias constantemente atual-