• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 INSTITUCIONALIZAÇÃO DE JOVENS EM CENTROS

1.1. Abordagem à institucionalização em Portugal

1.1.1. Institucionalização de jovens em centros educativos

A institucionalização de jovens em centros educativos inscreve-se nas normas de direito internacional e no propósito da (re)educação de jovens, menores de idade que vivem à margem de uma sociedade (Martins & Carvalho, 2013d). É essencialmente a partir da Declaração dos Direitos do Homem (1948) e de alguns Pactos internacionais (e.g., Convenção das Nações Unidas, 1966, Convenção Europeia dos Direitos do Homem 1950, Carta Europeia, 1961), e com maior relevo com a celebração da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada em 1989 e ratificada por Portugal em 1990, que o direito internacional procurou consagrar a proteção das crianças. No âmbito da aplicação da Convenção a própria definição de criança passou a ser delimitada pela ideia de que "(...) criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo" (artigo 1º). De acordo com Santos e colaboradores (2004), esta noção de criança revela-se como essencial no contexto da justiça juvenil, uma vez que a idade é condição determinante para atribuição de (in)imputabilidade penal.

Entre o dealbar das décadas de 80 e 90 a jurisprudência passou a abordar o direito das crianças em estreita ligação com as necessidades inerentes ao seu desenvolvimento pleno e harmonioso, englobando os direitos civis, económicos e sociais (Sottomayor, 2003). Os Estados-membro passaram a ser os responsáveis legais pelas ações que levem a cabo em termos de proteção, (re)educação e de reinserção das crianças e jovens considerados como infratores (Santos et al., 2004). Embora a essência do direito penal de menores (possibilidade de privação de liberdade daqueles que cometeram atos considerados como crimes) tenha permanecido inalterada, ao longo da publicação das

17 diretrizes internacionais e nacionais, o termo institucionalização sofreu alterações e tem hoje uma função educativa e tutelar na atual justiça de menores (Funes & González, 1988).

De acordo com o dicionário de língua portuguesa (1990), institucionalização é o "acto ou efeito de institucionalizar". Institucionalizar, por sua vez, é "dar o carácter de instituição, adquirir o carácter de instituição", "dar forma institucional". Neste sentido, o jovem institucionalizado seria aquele a quem se dá ou que adquire o carácter de instituição, que se transforma em instituição. Contudo, na língua inglesa, no dicionário

Thesaurus1 o verbo correspondente a institucionalizar, to institutionalize, significa também colocar ou confiar alguém (e.g., toxicodependentes, jovens infratores, idosos) aos cuidados de uma instituição especializada.

O conceito de institucionalização em centros educativos remete para a conceção de instituição total estudada e definida por Goffman (1961). Nas palavras do autor:

Podemos definir uma instituição total (total institution) como um lugar de residência e de trabalho, onde um grande número de indivíduos colocados na mesma situação, separados do mundo exterior durante um período relativamente longo, levam em conjunto uma vida reclusa cujas modalidades são implicitamente e minuciosamente regulamentadas. (p. 41)

Acrescenta, ainda, que o que essencialmente caracteriza estas instituições totais é que os indivíduos "são manipulados em grupo" (p.48). Goffman (1961, 1999), com base nos seus estudos, designa que as instituições totais (e.g., instituições de tratamento psiquiátrico, colégios internos, instituições religiosas, quartéis, prisões) ou a institucionalização funciona como um sistema onde vários indivíduos vivem em conjunto, que se afasta das interações com o mundo exterior, cujas atividades, modalidades e horários dos seus residentes são meticulosamente reguladas por uma única autoridade, responsável pela monitorização de todos os aspetos das suas vidas. Deste modo, as instituições totais e, por sua vez, a institucionalização assume um caráter fechado de onde os indivíduos estão impedidos de sair, a não ser através de autorização de um superior legal e responsável que acompanha o processo de internamento.

Toda a instituição é uma organização que tem subjacente a utilização das relações interpessoais na sua regulação social. Fundamentalmente a ordem social é baseada

18

numa realidade social partilhada, onde se estabelecem as interações, tendo em consideração os padrões de atuação dos diferentes atores ou agentes sociais (Scott, 2013). Neste sentido, entende-se que o conceito de instituição total proposto por Goffman (1961, 1999) caracteriza os centros educativos portugueses, uma vez que são criadas as condições que representam o ambiente institucional, que evidentemente se distanciam das do meio familiar, quer no que respeita à sua organização e dinâmicas funcionais, quer nos papéis assumidos pelos diferentes agentes.

Na sequência de um projeto realizado em Portugal, sobre a institucionalização de jovens em centros educativos, Medeiros e Coelho (1991) definiram a institucionalização com um espaço “restrito e estigmatizante” submisso a um sistema de autoridade, onde “o indivíduo concretiza a sua globalidade existencial, a qual no exterior se repartia por vários locais enquadrados, muitas vezes, por padrões normativos distintos” (p. 24). Segundo estes autores, o contexto institucional é estigmatizante, pela regulamentação excessiva da vida quotidiana e por posicionar o indivíduo na ambivalência entre o rótulo que a sociedade lhe atribui e a forma como o indivíduo se vê e assume perante os outros indivíduos (e.g., familiares, pares).

De acordo com Sloutsky (1997), uma das características principais do contexto institucional reside no facto de constituir um local de residência, podendo ser temporário ou permanente, de crianças ou jovens e de trabalho dos seus profissionais. Os centros educativos orientam-se, assim, de acordo com papéis jurídicos e sociais, com o propósito de fomentar o desenvolvimento humano, nomeadamente quando o ambiente sociocultural dos indivíduos era caracterizado por condições adversas conducentes a comportamentos considerados desviantes sob a forma de delinquência.

Em suma, com a definição e desenvolvimento de padrões mínimos internacionais dos direitos humanos e com as Declarações e Resoluções das Nações Unidas e, mais especificamente, com a Convenção sobre os Direitos da Criança, de uma forma geral o conceito de institucionalização é hoje estabelecido e entendido sob um plano totalmente democrático. A criança ou jovem vê os seus direitos garantidos, nomeadamente de preservação de igualdade, independentemente da raça, género, religião, nacionalidade, incapacidade física, ou qualquer outra situação, quer pelas instituições públicas ou privadas, quer pelos tribunais (Souto, 2010). Com efeito, a institucionalização de jovens em centros educativos pode-se entender como medida de apoio social e de efeito

19 protetivo (Siqueira & Dell’Aglio, 2006), onde a ação de contenção implícita nas regras internas destas instituições desempenha um papel fundamental na intervenção educativa da educação para o direito dos jovens (Santos et al., 2004). Assim, a institucionalização tem o objetivo central de afastar dos jovens de práticas de risco e de delinquência, proporcionando-lhes em ambiente seguro e disciplinador, a aquisição de normas, valores e comportamentos para a (re)inserção social (Brandão, Duarte, & Silva, 2004).