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CAPÍTULO 2- IDENTIDADE VOCACIONAL: CONTRIBUTOS E PERSPETIVAS

2.1. Contributos da psicologia vocacional: perspetivas teóricas e estudos empíricos

2.1.3 Life Design: perspetiva atual para a identidade vocacional

Face às mudanças sociais ocorridas no início do século XX, em consequência da industrialização, designadamente a proliferação e diversificação de profissões, colocaram novos desafios ao domínio da psicologia vocacional. Nas palavras de Duarte (2009):

Estava-se no momento em que o mundo começava a fabricar a noção de emprego, de trabalho remunerado, de ascensão na profissão, e da associação de uma vida ativa e socialmente aceite a quem trabalhasse um elevado número de horas, com dedicação e lealdade - mesmo aqueles que, por dificuldades de aprendizagem, eram excluídos da sociedade produtiva. Estava-se no momento da abertura de um caminho em que seria necessário derrubar um conjunto de barreiras ideológicas para assim se chegar, mais tarde, à noção de individualidade. (p. 5)

Durante praticamente todo o século XX, a organização social do trabalho era baseada nas relações estáveis de dependência hierárquica, onde o trabalhador leal e dedicado teria assegurado um emprego de carácter permanente, "as normas sociais e as aspirações circunscreveram as carreiras profissionais a um formato em que a ordem social fornecia padrões pré-determinados nos quais os indivíduos poderiam fazer as escolhas que lhes convinham." (Duarte et al., 2010, p. 393). Perante estas circunstâncias, surgiu a necessidade de ajudar os indivíduos a encontrar os meios ajustados para a escolha de um trabalho ou profissão, bem como a gerenciá-lo no contexto das organizações (Duarte, 2009b).

Com a necessidade de ajuste do indivíduo ao contexto social do trabalho surgiram modelos teóricos, nos quais as abordagens desenvolvimentistas se foram afirmando, marcando assim uma viragem no estudo da psicologia vocacional. Na opinião de Teixeira e Barros (2011):

(…) a teoria dos tipos de personalidade e dos meios de trabalho de Holland (1997), a teoria da aprendizagem social de Krumboltz (1981, 1996), a teoria sócio-cognitiva de carreira (SCCT) de Lent, Brown e Hackett (1994, 2002) ou a teoria de desenvolvimento de carreira de Super (Super, 1990; Super, Savickas & Super, 1996) (...). (pp.93-94)

Assim, o constructo vocação foi sendo substituído pelo de carreira e atualmente considerando que o conceito de carreira se constrói e desenvolve ao longo do ciclo de vida do indivíduo, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida. A carreira é designada pelo seu novo paradigma como Life Design ou construção de vida (Duarte et

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al., 2010; Savickas 2012). É um paradigma que surge num contexto com características no pensamento pós-moderno, o qual "privilegia o conhecimento particular, contextualizado e situado (...), uma construção social feita a partir de múltiplos pontos de vista.(...)" (Cardoso, 2011, p. 83). Desta forma, é um modelo atual que pretende responder às necessidades da sociedade marcada pela diversidade e mudanças rápidas quer a nível socioeconómico e tecnológico (Cardoso, 2011).

Tendo o último quartel do século XX sofrido grandes transformações, onde os imperativos económicos da globalização moldaram a "sociedade do conhecimento" (Alves, 2006, p.7) pós-moderno e alteraram, significativamente, o quadro económico e social das profissões, o padrão social da profissão segura que permitia construir uma vida estável e perspetivar um futuro, passou a ser dominado pelo trabalho inseguro e pela incerteza pessoal em relação ao futuro e à construção de vida. Foi nesta altura que, com a teoria de Super (1953, 1957, 1963, 1980, 1990), a carreira passou a ser considerada como um processo englobado num ciclo de vida, um processo que envolvia o desenvolvimento do Eu em interação com variáveis de índole pessoal e social. Este paradigma de construção e desenvolvimento de carreira perspetivado como um processo que posiciona os indivíduos na aquisição de conhecimento de como gerir a sua própria vida, forjado pela economia mundial produziu um novo conceito: o do trabalho temporário, ocasional, a tempo parcial (Savickas et al., 2009; Savickas, 2012).

As alterações sentidas e que afetaram os sistemas económicos mundiais, bem como toda a estrutura organizacional e de funcionamento dos mercados de trabalho transformaram o emprego em desemprego e agravaram as dificuldades de escolha de uma via profissional, bem como da consequente inserção profissional. Com efeito:

Hoje, os indivíduos não conseguem planear trabalhar 30 anos no desenvolvimento de uma carreira dentro dos limites de um emprego ou até mesmo de uma organização. Em vez disso, durante as suas vidas eles podem esperar ocupar pelo menos 10 postos de trabalho. (Savickas, 2012, p.13)

Segundo Giddens (1991) se, por um lado, os indivíduos podem sentir-se perdidos no que caracteriza o contexto socioeconómico atual, por outro estão mais conscientes da incerteza e dos riscos associados ao atual estilo de vida que terão de enfrentar. Neste sentido, Duarte (2009) afirma que "Não importa o quão estáveis podem ser as características humanas, o contexto muda rapidamente. Portanto, são necessários modelos teóricos que enfatizem a flexibilidade humana, a adaptabilidade e a

51 aprendizagem ao longo da vida" (p. 394). Entende-se, assim, que para que os indivíduos se envolvam no delinear de um projeto pessoal de construção de vida, seja necessário desenvolver programas de orientação vocacional que acompanhem as formas de educação e as trajetórias de construção de vida dos indivíduos, designadamente através do trabalho ou das ocupações que terão de realizar ou que vão experienciando, na procura da realização pessoal, bem como do ajustamento à realidade dos seus contextos económicos, sociais e culturais. Nas palavras de Duarte (2009):

A carreira do indivíduo é vista, agora, como um fiel registo da vida de cada um, deriva da maneira como ele capta a realidade e a ela se adapta, sem de algum modo atraiçoar a sua essência, ou seja, os traços essenciais da sua personalidade e as linhas estruturantes da sua história pessoal – que, como qualquer obra do espírito humano, é única e irrepetível. (p.12)

De acordo com outro trabalho publicado por esta autora (2009b), o atual paradigma com origem na publicação de Mark Savickas e seus colaboradores no ano de 2009, centra-se não somente no desenvolvimento da identidade vocacional como também na sua construção enquanto parte integrante de vida dos sujeitos. Ou seja, a perspetiva desenvolvimentista é aqui coadjuvada pela perspetiva de construção de vida, a qual se compromete com o "desenvolvimento de competências individuais e a aquisição de novas aprendizagens" (Duarte, 2009, p. 13). Neste sentido, o novo paradigma assenta na necessidade de mudança nos modelos de carreira e métodos de aconselhamento e estabelece-se sob cinco pressupostos do aconselhamento para a construção de vida, designadamente: (1) dos traços e estados ao contexto, (2) da prescrição ao processo, (3) de uma causalidade linear às dinâmicas não lineares, (4) dos factos científicos às realidades narrativas e (5) da descrição à modelagem (Duarte et al., 2010; Savickas et al., 2009).

Concretamente, o novo paradigma para o aconselhamento, no seu primeiro pressuposto alerta para o facto de que o aconselhamento deve ter em consideração a história de vida dos indivíduos e o contexto sociocultural que ocupam. O indivíduo “forma uma entidade dinâmica complexa, que resulta de uma auto-organização de adaptação mútua ao longo do tempo. A identidade vocacional é moldada pela auto- organização das múltiplas experiências da vida no dia a dia.” (Duarte et al., 2010, p. 396). O segundo pressuposto, sublinha as mudanças sofridas nos modelos de construção de carreira sob a necessidade dos “conselheiros” ajustarem uma comunicação baseada

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no “como fazer” e não “o que fazer”. Ou seja, “ (…) desenvolver estratégias eficientes de resolução de problemas, de planeamento da acção e da construção de vida como um todo” (Duarte et al., 2010, p. 397). O terceiro pressuposto, de uma causalidade linear às dinâmicas não lineares, chama a atenção ser necessário os “conselheiros” terem em consideração que os interesses e aptidões não são suficientes para garantir o sucesso num emprego ou formação, uma vez que não se podem considerar como elementos de vida permanentes. Bem como, os métodos de aconselhamento devem adotar estratégias de resolução de problemas em contato direto com o contexto sociocultural que o “cliente” ocupa. Deve ser um processo “repetido de forma interativa a fim de se formular soluções sustentáveis e satisfatórias” (Duarte et al., 2010, p. 397).

O quarto pressuposto, “dos factos científicos às realidades narrativas”, emergente deste novo paradigma de construção de Si na construção de vida, assenta num construtivismo dialético, entre a análise das narrativas que o “cliente” faz das múltiplas realidades subjetivas e o seu ecossistema (Cardoso, 2011). Por outras palavras, é o foco na contínua (re)construção dos indivíduos “e na busca de sentido que os capacitarão a construir uma nova visão sobre si mesmos” (Duarte et al., 2010, p. 398). O quinto e último pressuposto, “da descrição à modelagem”, propõe que é necessário englobar neste modelo de aconselhamento um processo que seja adaptado a cada “cliente” e que se evitem os processos de aconselhamento padronizados (e.g., testes psicológicos, resultados meramente estatísticos). O foco é na modelagem integrada no comportamento humano que guie e confira intencionalidade, onde o indivíduo deve envolver-se em atividades e experiências que façam parte das suas narrativas (Savickas et al., 2009).

Segundo os autores deste modelo (Savickas et al., 2009), os cinco pressupostos foram delineados a pensar em "produzir conhecimento e capacidades específicas para analisar e lidar com contextos ecológicos, dinâmicas complexas, causalidades não- lineares, realidades subjetivas múltiplas e modelagem dinâmica" (p. 242). Consequentemente trata-se de um modelo delineado para programas de intervenção acerca da vida dos indivíduos e das suas trajetórias integradas na vida social do trabalho, onde se reconhecem aspetos teóricos desenvolvidos ao longo dos tempos e já referidos neste trabalho. Como por exemplo, a construção e desenvolvimento do indivíduo e em específico da sua identidade vocacional são produto de processos de

53 interação social que ocorrem em contextos diferenciados e consequentemente o significado que lhe é atribuído resulta do conhecimento adquirido através desta experiência partilhada.

Segundo Savickas e seus colaboradores (2009,), o modelo vigente baseia-se nas "teorias de construção do Self (Guichard, 2005) e da construção da carreira (Savickas, 2005) que descrevem o comportamento de carreira e seu desenvolvimento. Assim, a estrutura geral está organizada de maneira a considerar todo o ciclo de vida, a ser holística, contextual e preventiva" (p. 244). Num trabalho publicado recentemente, Savickas (2012) refere que este modelo de intervenção de carreira entendido por paradigma da construção de vida, não substitui os paradigmas de orientação vocacional e de construção de carreira postos em prática nas últimas décadas, mas sim posiciona-se paralelamente.

Em suma, Savickas (2012) refere-se à orientação vocacional a partir de uma perspetiva objetiva das diferenças individuais, dos indivíduos como atores, e que podem ser ajudados a identificarem-se com ocupações que envolvam pessoas com características semelhantes; a educação para a construção de carreira, a partir da perspectiva subjetiva de desenvolvimento individual, em que os indivíduos são considerados como agentes que podem ser caracterizados pelo seu grau de preparação para se envolverem em atividades adequadas às suas fases da vida, ajudando-os a implementar novas atitudes, crenças e competências para desenvolvimento das suas carreiras; e ao Life Design, considerando a perspetiva do construcionismo social, onde os indivíduos são autores caracterizados por histórias autobiográficas, com as quais podem ser ajudados a refletir sobre temas de vida e, por sua vez, construir as suas carreiras.

Tendo em conta esta indicação os profissionais e agentes educativos (e.g., professores, psicólogos) mediante os seus jovens ou alunos poderão aplicar intervenções de carreira que reflitam abordagens aos diferentes paradigmas. Concretamente, e de acordo com as necessidades diagnosticadas nos jovens, a orientação vocacional para identificar ajuste ou desajuste ocupacional, educação para a carreira para promover o desenvolvimento da identidade vocacional, ou construção de vida, que como o próprio nome indica para construir uma vida relacionada com uma carreira (Savickas, 2012).

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Life Design como novo modelo de conhecimento, fruto da evolução de modelos

teóricos da construção e desenvolvimento vocacional, bem como sobre a carreira, reflete o atual estado das problemáticas sociais no que concerne a ocupação dos indivíduos na construção da própria vida no mundo trabalho e em contextos diversificados. Esta nova designação atualiza o conceito de construção de carreira, aproximando-o ainda mais à noção de vida atual face à gestão das dinâmicas socioeconómicas que ocorrem continuadamente na vida dos indivíduos. É um modelo que acentua:

(…) as ideias de acção, manufactura, e agência pessoal. Aquela reforça a ideia de criação, e pretende demonstrar o quanto é importante, na actualidade, ser flexível e criativo, “dar sentido à vida”, para melhor compreender e lidar com as características dos seus contextos (Taveira, 2011, p. 73)

Com efeito, é um modelo que procura "enfatizar a flexibilidade dos indivíduos face à necessidade de se adaptarem à mudança ao longo de toda a vida" (Teixeira & Barros, 2011, p. 94).

Na opinião crítica de Taveira (2011) sobre este modelo, é na própria designação que é possível encontrar a principal força do modelo, que é centrada na construção e desenvolvimento da identidade do indivíduo em termos de perspetivar um futuro, em ambas as dimensões pessoal e profissional. Neste sentido, a autora refere que Life

Design:

(…) designa um processo intencional, orientado por objectivos, de projectar a vida com autoria ou marca pessoal, o qual, tal como nas artes, requer compreensão de todo o ciclo de vida, trabalho, modelagem, ajustes interactivos e mesmo re-designing ou reconstrução (...) as decisões de carreira exigem da parte dos indivíduos, uma reflexão sobre si e o contexto, aceitação de feedback e imagética sobre formações identitárias. Beneficiam, além disso, da coexistência de múltiplas identidades subjectivas para fazer face, em muitos casos, ao maior número de mudanças na vida (Exemplo: reentradas na escola ou no mercado de emprego ou voltar a casar). (Taveira, 2011, p.74)

Contudo, a mesma autora menciona que, por um lado, o modelo Life Design, assente nos modelos de orientação e de construção de carreira do século XX, mas com reflexão nas necessidades socioeconómicas do atual século XXI, em que o desenvolvimento dos indivíduos é apoiado na orientação das suas trajetórias de vida, através de intervenções de aconselhamento de agentes vocacionais (e.g., professores, psicólogos), como um ciclo de vida aberto e adaptável, em que são necessários (des)ajustes para a projeção da

55 vida e formação da identidade, nomeadamente a vocacional. Por outro lado, é um modelo que ainda necessita de maior aprofundamento de estudo empírico em termos da sua contextualização sociocultural, e de:

(…) abordagem de aconselhamento de carreira mais centrado nos processos e capacidades de adaptabilidade e gestão de vida (...) e de gestão pessoal de carreira, onde se conceptualiza bem, a questão de exploração e do balanço entre trabalho e vida familiar e pessoal. (Taveira, 2011, p. 77)

Neste sentido, na opinião de Teixeira e Barros (2011) o modelo assume uma abordagem desenvolvimentista que concetualiza de forma limitada o contexto social, uma vez que se debruça apenas nas questões de desenvolvimento de carreira no sujeito adulto. Pelo que não se detém na abordagem do desenvolvimento das questões de carreira durante a infância, adolescência e até do jovem adulto. Bem como, não torna explícito o contexto da educação, onde se promove e "ocorre esse mesmo desenvolvimento" (Teixeira & Barros, 2011, p. 94).

Com efeito, sendo a designação Life Design aplicada a um paradigma centrado num modelo em desenvolvimento, começa a ganhar visibilidade por ser pensado e refletido por investigadores internacionais, por enfatizar a necessidade de aconselhamento de carreira por profissionais especialistas e, desta forma, posicionar o desenvolvimento do indivíduo para uma melhor compreensão, adaptabilidade e satisfação às exigências de vida, tendo em conta os atuais parâmetros socioeconómicos que se vivem numa dimensão global (Taveira, 2011).

2.2. Contextos de vida: contributos para o desenvolvimento da identidade