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5 A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS: o espírito do dízimo

5.1 A instituição, seus símbolos e atores

a) O templo

O templo é um desses espaços amplos e sempre abertos durante o dia e a noite, para recebimento das pessoas, dos fiéis. Dois obreiros recepcionam os fiéis, assim que estes chegam. No centro, próximo ao altar, um circuito interno de TV com três câmaras registra a chegada de todas as pessoas ao recinto. Há lugar com assento para acomodar um grande número de fiéis (aproximadamente, 980 lugares). Encontramos, dentro do templo, uma loja de produtos para venda aos fiéis e pessoas interessadas que entram para visitar: discos, livros, cartazes, bíblias, bolsinhas com mensagens evangélicas e camisetas, chapéus com emblemas da Igreja e dizeres de esperanças; e, ainda, lanchonete, banheiros masculino e feminino e dois bebedouros automáticos com copos descartáveis disponíveis.

Todo o ambiente é decorado com arranjos de flores artificiais junto às pilastras/colunas que dividem o espaço. O altar compõe-se de uma grande mesa forrada com uma toalha de cor branca; ao fundo, por trás dele, uma pintura retrata o céu azul; ao lado esquerdo e ao lado direito, três obreiros se posicionam, como se fossem vigilantes, parados, sempre a olhar para frente e com as mãos para trás. Um músico, com seu teclado, anima e acompanha o Pastor Hélio. O serviço de som é bem potente; a música, um dos atrativos para o início do culto.

b) As cerimônias de abertura e fechamento

Numa sexta-feira, o pastor iniciou com um canto que fala de jogar fora as tristezas e as derrotas. Todos cantam, fazendo gestos com as mãos, indicando um “expulsar”, “jogar

fora”, “fazer sair”. Os fiéis expressam sentimento de necessidade de ter que expulsar algo de dentro deles que parece incomodar. Usa-se a palavra “derrota” com muita freqüência e ênfase. Em seguida, um canto de bênção. Os gestos continuam... as mãos jogam-se para o alto e parecem desenhar no ar “um subir em degraus”, e a música fala de “bênçãos sobre bênçãos”. A idéia é de acúmulo de bênçãos que todos querem alcançar. O pastor canta com muito fervor!

Alguns fiéis, assim que chegam, mesmo depois de iniciada a reunião, se debruçam por sobre sua cadeira e oram em voz alta. A música toma conta de todo o ambiente juntamente com o acompanhamento de palmas ritmadas. Tudo caminha para o texto do Antigo Testamento, o profeta Daniel, capítulo terceiro, versículo treze. O pastor pede que todos abram o livro. O tema a ser tratado, há duas semanas, é “Ser mais valente do que o

valente”.

Depois de um longo discurso bem inflamado, o pastor pede ao tecladista uma música, e os obreiros começam a recolher os envelopes do dízimo distribuídos em dias anteriores. Em seguida, o pastor oferece os produtos à venda. Os obreiros caminham pelo templo, portando, em suas mãos, revistas, CDs, livros etc. O kit apresentado nesse dia –um CD mais uma revista (“show” da fé) – custava 20 reais (mas podia ser vendido por 10 reais). Nesse momento, por um instante, o pastor espera que os fiéis saiam de seus lugares e atendam ao chamado para comprar.

Em seguida, o pastor pediu a contribuição de qualquer valor, mas lembrou que todos deveriam dar do “melhor” a Deus, mesmo apenas um real. Os obreiros vão passando com uma sacola cor azul. Logo após, o pastor anunciou, para a sexta-feira seguinte, o esforço de cada fiel para a sua oferta especial. Nesse momento, distribuem-se envelopes com a frase

“Sua oferta especial” e o envelope para o dízimo, cada um com uma cor demarcando o valor a ser ofertado. O envelope do dízimo sempre se distribui, é o estandarte, a ponta de lança que

se opõe às trevas e abre o caminho do céu à prosperidade. O dízimo tem grande valor religioso, porque, antes de tudo, é a conta mais certa que o fiel subtrai da sua vida econômica a fim de oferecer a seu deus.

Antes do término do culto, o pastor perguntou quem estava ali pela primeira vez e pediu que levantasse a mão. Lembrou ainda a campanha das sete sextas-feiras. Mostra um cordão barbante aos que ali estão pela primeira vez e lhes entrega em seus lugares. Em seguida, toma um dos cordões, esticando-o com a mão, e explica: “cada fiel, a cada sexta-feira que aqui comparecer (total de sete vezes), deverá dar um nó no cordão”. O referido nó representará um mal que o fiel quer ver extirpado de sua vida ou uma doença curada causada por um espírito maligno que tenha tomado conta do seu corpo. Dar-se-á o nó, portanto, a cada sexta-feira, ao final do culto, seguido de oração forte. Isso deverá concluir-se ao final de sete encontros, com sete nós ou sete males extirpados, derrotados. O fiel que fizer essa campanha não poderá faltar a nenhum encontro da sexta-feira, sob pena de quebrar o compromisso com ele mesmo, com as orações e com o poder de Deus na vida dele.

O pastor inicia uma oração, e, com seus barbantes nas mãos, os fiéis são conduzidos a pensar no mal que desejam amarrar; em seguida, ele ordena apertarem bem o nó. O mal que incide sobre alguma dimensão da vida será derrotado, conforme a freqüência aos sete encontros e a demonstração de fé por meio das ofertas. Isso sinaliza que se está aprendendo a viver para Deus.

Antes do final, lembrou a campanha da “Santa Ceia” no domingo e o propósito, ou seja, cada um atribuir-se um desafio de fazer um propósito a Deus. E distribui os envelopes da campanha acima mencionada. Durante esse momento, na fala do pastor, percebe-se clara ligação entre propósito, consagração, aliança, e pacto: “O dízimo é bíblico. É um preceito que transcende a lei e a graça, pois foi instituído pelo próprio Deus”. Contrariamente à força de uma sociedade tecnológica, que insiste em esquecer as origens, o sistema religioso

neopentecostal é claro no sentido dado ao dinheiro; para tanto, busca a “essência” desse objeto em uma gênese fundamental. Tudo isso em sintonia com o tema da perseverança. O pastor pediu que todos levantassem a mão direita e deu a bênção final.

A terça-feira, na Internacional da Graça de Deus, é dedicada à prosperidade financeira. O pastor canta e anima os fiéis. O som bastante contagiante mexe com a emoção das pessoas. Em seguida, ele afirma, com muita convicção, que, ali, naquele dia, haverá muitas bênçãos. Todos dizem “Amém” com muito entusiasmo e fé e com as mãos estendidas para o alto, como a esperar algo a ser derramado sobre eles. Muito convicto, ele pergunta quem tem fé e quem acredita nisso. Todos respondem, levantando as mãos e dizendo: “Creio”, “amém”.

Faz uma oração inicial, ordena a todos que fechem os olhos e pensem naquilo que querem ver prosperar. Logo de início, o pastor avisa que muitas bênçãos estão para acontecer na vida da Igreja e para todos. Ele havia recebido um telefonema do Rio de Janeiro sobre essas bênçãos. Todos, imediatamente, dizem: “Amém, Senhor”. Porém ele diz não poder revelá-las naquele instante. Guarda segredo sobre elas, pois não tem permissão, mas insiste:

“É bênção, irmão! É bênção que não acaba mais!” Muitos fiéis, exaltados, 85 elevam as mãos para o alto. Foi jogado um segredo no ar: muitas bênçãos estão por acontecer. A revelação não aconteceria naquele momento. A natureza de tal relação, no referido instante, se manteve sob o auspício de algo que se ocultava; e era sua significação a força necessária para que todos se mantivessem em adesão, em pertencimento, caso contrário, os objetivos não seriam atingidos: obter bênçãos.

85 Segundo Simmel (apud MALDONADO, 1999, p. 221-226), o “uso do segredo como técnica sociológica, como uma forma de ação sem a qual certos objetivos – pois vivemos num meio social – simplesmente não poderiam ser atingidos, é bastante compreensível. Não são tão evidentes os atrativos e os valores do segredo além da sua significação como simples meio – a atração específica do comportamento formalmente secreto, não importando o seu conteúdo momentâneo. Em primeiro lugar, a exclusão tão enfatizada dos que não o detêm traz um forte sentimento de posse. Para muitos indivíduos, a propriedade não adquire significado com a mera posse, mas só com a consciência de que outros não a detêm. A base para tal, evidentemente, é a impressionabilidade dos nossos sentimentos através das diferenças [grifo do autor]. Além disso, estando outros excluídos da posse, deixa sugerir que o que é negado a muitos deva ter um valor especial”.

Por fim, avisou sobre a campanha da oferta da Ceia do Senhor no dia quatorze de setembro e quem não tivesse pegado o envelope, deveria pedi-lo. Chama a todos para a entrega do seu dízimo. Em seguida, um obreiro, “homem de Deus”, é convidado a ficar bem à frente do altar com sua sacola azul e o pastor chama às ofertas, insistindo em que trouxessem apenas o melhor que cada um tivesse para dar. Se não fosse o melhor da pessoa, esta deveria ficar no seu lugar, senão não haveria bênção. E mais: ele insistiu em que não seria responsável pelo não recebimento das bênçãos, porque muitos não obedecem e não dão a Deus o melhor, haja vista a mente e o coração ainda estarem impregnados das forças que arrastam para a dúvida e a divisão.

Anunciou o Pastor Almeida: “hoje vamos ver as chaves do sucesso financeiro. O

milagre hoje vai acontecer, fique firme nas promessas da palavra de Deus”. Objetivo do anúncio: obter o sucesso financeiro à luz da Bíblia. O que é ofertar na casa de Deus? Quais as razões de muitos, mesmo dizimistas fiéis, não conseguirem prosperar financeiramente?

Começou a reflexão, lendo o profeta Malaquias, capítulo décimo, passagem bíblica muito conhecida no âmbito neopentecostal. Segundo o pastor, a pessoa que não dá o dízimo, está roubando de Deus, 86 portanto, não terá bênção. Quem for dizimista fiel, Deus repreenderá o devorador. O que repreende o devorador é ser dizimista. Quem não dá o dízimo, o devorador age impedindo que a vida prospere, pois, se a pessoa não é dizimista, estará sempre faltando algo em sua vida. De acordo com o pastor, às vezes, a pessoa diz:

“Pastor, sou dizimista, faço a oferta e por que não estou tendo bênção?”. Em seguida, pede que alguém dê um testemunho. Chega uma mulher e lembra a campanha da “chave” que ela começou a fazer. Ela diz: “Meu Deus para que essa chave?” (mostra a todos a chave da

86 Explica o Pastor Soares (2004, p. 17): “Deus chama de roubo o ato de reter o dízimo. Fazendo isso, o homem não está roubando somente dinheiro – a exemplo daquele que deixa de pagar o imposto ao governo –, mas tirando também a oportunidade de Deus abençoá-lo”. Assim, segundo a doutrina da Graça, deixar de ofertar dinheiro à casa de Deus é abrir brecha para que a maldição tome conta da vida do fiel. (Cf. também p. 19).

campanha). Ela mesma responde: “Ora, a chave é para abrir alguma coisa. Então, pedi para

que Deus abrisse a mente do meu filho. E ele abençoou”.

Vale salientar, no momento, um aspecto interessante. Observamos que, antes do culto principal, estava ocorrendo uma reunião com certa obreira que orava pela realização dos propósitos dos fiéis. Ela orava com muita firmeza e fervor. Ao final da oração, muitas delas sairiam para evangelizar em algum ponto da cidade. Nesse dia, estavam decidindo ir ao hospital Agamenon Magalhães. Antes do culto (não é muito comum usarem esse termo, preferem “reunião”), umas pessoas conversavam amigavelmente; algumas liam a Bíblia; outras oravam de joelhos, ao lado do banco (um irmão ao meu lado lia o “Manual de maturidade cristã”). Certa obreira, devidamente vestida para a ocasião, colocou no altar um copo d’água. As pessoas que chegavam iam colocando no chão do altar seus pedidos e outros objetos, tais como: Carteiras de Trabalho, fotografias, identidades, cópias de processos na Justiça, cadernos, nomes de pessoas escritos em folhas etc. Cantou-se um hino em que percebemos frases interessantes: “nunca diga não posso”, “nunca aceite o fracasso”, “não deixe a derrota falar”, “nunca perca o ânimo”, “nunca diga: não dá, não vou conseguir”, “mantenha sua fé em ação”. Boa parte desses cantos era acompanhada com gestos e tudo parecia integrar o fiel ao seu mundo, afirmando-o de forma positiva e creditando a ele capacidade de produção87.

Ao final do culto, houve um “chamado” a todos aqueles que eram profissionais liberais, autônomos e desempregados. Ele lançou um propósito, mas sem dizer valor algum, o que, na realidade, foi um desafio: terça-feira seguinte, às sete horas da manhã, o fiel deveria vir à igreja em jejum, trazendo o seu propósito. Sua fé, portanto, foi desafiada. O valor é determinado pelo coração do fiel, só este deve cumprir. Vale salientar que o desafio é força simbólica muito forte e presente no dia-a-dia dos cultos. Alguém, diante de certo desafio, se

87 Essa “produção” se verificará quando da mudança de atitude do fiel perante o mundo, o seu deus e as coisas. Manter a fé em ação faz o fiel superar certa moral centrada em atitudes de resignação que fora antes cultivada.

sente ativado em suas energias para o cumprimento das metas; vê-se mobilizado a fazer um esforço que lhe custará a realização. Como isso envolve dinheiro, objeto de grande valor simbólico presente nos discursos, o fiel se põe em movimento a buscá-lo.

c) O pastor, os guardiões e obreiros

O pastor iniciou, lembrando o conceito de fé: “Certeza e convicção daquilo que

se espera”. Aconselha que todos devem determinar sua luta; sem a luta, não há glória em Jesus. E pede que digam “Amém!”. Nesse momento, canta-se um hino que contém algumas frases significativas: “você vai conseguir”, “você não tem que se desesperar”, “siga em frente”, “siga forte...” A música segue com palmas ritmadas e erguimento dos braços (lembra a coreografia muito típica de campo de futebol; o ritmo é caribenho). Afirma, ainda, que o que Deus prometeu vai ser cumprido; que ninguém vai para o “outro” lado sem ver o que Ele prometeu. Não é a oferta que chama a atenção de Deus.

Em seguida, ordena que todos abram suas Bíblias no capítulo décimo, do profeta Daniel, e, logo depois, o livro dos Hebreus, capítulo décimo, versículo 35. Os fiéis, praticamente todos ali presentes, procuram o texto com muita atenção. Os “homens de Deus” (é assim que o pastor chama seus auxiliares) ficam atentos a todos os fiéis. Esses “homens de Deus”, ou simplesmente “irmãos”, são guardiões do templo e auxiliam o pastor com pequenas atividades no decorrer da reunião. Recebem bem os fiéis, têm boa memória fotográfica a ponto de identificar um indivíduo que esteja ali pela primeira vez e conversam perguntando onde congrega. Também, põem às mãos por sobre a cabeça dos fiéis e oram demoradamente.

Antes do culto, uma obreira está abraçada com uma criança, a pedido da mãe, que está ao lado (lembrei-me, naquele momento, das rezadeiras)88. Ela orava com as mãos postas sobre a cabeça da criança. É comum a pessoa, antes do culto, pedir aos obreiros ou pastores auxiliares orar por ela, pondo as mãos por sobre sua cabeça. A oração, conforme conseguimos escutar, é sempre no sentido de uma “desamarração” de algo a impedir o bem-estar do fiel. Ao final, ouvimos bem a obreira ordenar à criança que repetisse: “Jesus, eu creio que o senhor é o único que vai me dar a vitória, amém”.