• Nenhum resultado encontrado

4 O NEOPENTECOSTALISMO E AS MEDIAÇÕES DA PROSPERIDADE

4.3 Imaginário da salvação

4.3.2 A prosperidade

Sob a égide do aspecto pregação enfática da teologia da prosperidade, é que o Neopentecostalismo mais está ancorado e por meio do qual ganha tão notória visibilidade no cenário religioso. E não só: trata-se de uma teologia cativante, que atrai o indivíduo por intermédio do seu discurso sobre a relação pessoa, mundo e Deus. Cura divina, rituais de exorcismo, guerra espiritual – aspectos bastante significativos –, mas, a nosso ver, o que se sobressai se desvela coberto com o manto da prosperidade, haja vista a real condição de vida que os fiéis apresentam quando depositam seus pedidos perante o altar e os confessam em particular ou os expõem por meio do testemunho, quando alcançam uma vitória. O aspecto da prosperidade – convém lembrarmos – faz parte do interesse do homem religioso, pois, na experiência que se busca fazer do sagrado, deste se espera todo o socorro e todo êxito. Essa força que o fiel tenta mobilizar tem sido entendida como fonte de sucesso, de potência e de fortuna. O fiel, em seu pertencimento religioso, quer ser bem-sucedido nos empreendimentos, evitar os infortúnios que o espreitam (Cf. ROGER, 1950, p. 19 et seq.).

Na arena religiosa neopentecostal 78, luta-se pela prosperidade, mesmo pela cura de simples ou complexa enfermidade do corpo. Mas, para tal conquista, exigem-se participação e dedicação exclusiva de seus membros, com trabalho e estilo de vida bem definido. A doação do dízimo e outras faces criativas de pagamento integram a exigência de um estilo de vida religioso bem neopentecostal, sem dúvida, um dos aspectos mais importantes na incansável determinação que cada fiel impõe a si mesmo, se quiser prosperar. Oro (1996, p. 85 et seq.) deixa claro tal intento, quando faz referência ao tipo teológico

78 Alves (2004, p. 78) observa que “das múltiplas faces do protestantismo, sem dúvida alguma o movimento pentecostal é a que mais tem fascinado líderes religiosos, teólogos, sociólogos e líderes políticos. Grupos que crescem vertiginosamente, onde o protestantismo tradicional apenas cresce vegetativamente ou mesmo decresce”. E faríamos uma outra observação: as expressões evangélicas de corte neopentecostal hoje representam ao ver de muitos pesquisadores, uma força por demais importante no cenário religioso latino americano (ORO, 1996; BITTENCOURT, 2003; PARKER, 1996; GALINDO, 1992). O seu crescimento é visível e conta com recursos econômicos que lhes favorecem não só a expansão mas também o próprio dinamismo.

neopentecostal que, tomando o aspecto da prosperidade um dia incorporado numa forma sistemática de pensar sobre Deus, gerou esse pensar específico que põe acento no progresso e desenvolvimento da vida material. Diz ele:

O que precede, isto é, o importante empreendimento das igrejas neopentecostais e o grande incentivo ao progresso econômico, das igrejas e dos fiéis, só pode ser compreendido a partir da difusão nessas igrejas da chamada Teologia da Prosperidade (TP). Iniciada nos Estados Unidos nos anos 50 e 60, ali conhecida por Health and Wealth Gospel, chegou ao Brasil no final da década de 70. Trata-se de uma teologia que representa a acomodação do protestantismo à modernidade, sua adaptação ao mundo e não seu repúdio. Ela propicia aos crentes que acenderam socialmente, ou aos que alimentam o desejo de ascensão social, a possibilidade de usufruir das boas coisas do mundo, da prosperidade material, saúde e boas condições de vida, em suma, da felicidade terrena, sem drama de consciência. Assim sendo, este discurso religioso negador da pobreza está operando e promovendo forte inversão de valores no sistema axiológico pentecostal.

O aspecto econômico-financeiro está, pois, contido nesse “progresso e desenvolvimento material” que a Teologia da Prosperidade, embasada em um substrato filosófico de corte positivo, tenta ser eficaz na condução dos negócios humanos:

Por intermédio de uma modalidade de ‘poupança compulsória’, isto é, por meio da adoção de ‘novos’ valores inerentes à conversão, torna-se possível para os convertidos redirecionar e racionalizar recursos financeiros, mesmo quando escasso o que se torna também um demonstrativo (testemunho) grandiloqüente da conversão. Nesses casos a prosperidade não só acontece como se faz notória, sendo que a sabedoria popular pondera: ‘contra fatos não há argumentos’. O que mais surpreende os observadores é a mudança verificada na vida dos convertidos, que inclui a restauração de relações familiares e vicinais desgastadas, o repúdio à violência, e uma conduta cotidiana segundo padrões sociais aceitáveis. Esse seria um dos principais pólos de atração que explicam o crescimento numérico do Pentecostalismo Autônomo. A prosperidade ‘manifesta’, resultante da racionalização dos recursos, realimenta o discurso religioso que enfatiza a contribuição sistemática às organizações religiosas como fonte de prosperidade. Em vista disso, a tendência é o aumento da contribuição por parte dos fiéis, que o fazem com maior alegria e disposição, pois, afinal de contas, os milagres são ‘visíveis’ (BITTENCOURT, 2003, p. 199).

Esses “novos valores inerentes à conversão” estão, pois, contidos naquilo que já mencionamos como questão, ou seja, há, no fluxo da relação fiel-igreja, conversão ao dinheiro,

para que este se torne elemento prioritário na expressão da fé e da doação. Ricardo Mariano (1996, p. 33) fornece uma das primeiras visões acerca de algo que, no campo religioso em tela, há muito tem sido por demais controvertido. Mas, conforme o referido autor, a base para tanta expressão do dinheiro como algo bastante visível reside em seu aspecto teológico:

A despeito de serem majoritariamente pobres, os pentecostais nunca fizeram elogios nem atribuíram significado redentor à pobreza. Não a reconheciam como uma virtude cristã. Antes, ansiavam superá-la no paraíso, já que viam este mundo como um vale de tormentos e sofrimentos. Também não se consideravam, pelo simples fato de serem pobres, necessariamente, herdeiros preferenciais do reino dos céus [...]. A teologia da prosperidade subverte radicalmente isto, prometendo prosperidade, redenção da pobreza nesta vida. Ademais, na TP a pobreza significa falta de fé, algo que desqualifica qualquer postulante à salvação [...]. Os homens, desde então, estão destinados à prosperidade, à saúde, à vitória, à felicidade. Para alcançar tais bênçãos, garantir a salvação e afastar os demônios de sua vida, basta o cristão ter fé incondicional em Deus, exigir seus direitos em alta voz e em nome de Jesus e ser obediente a ele acima de tudo no pagamento dos dízimos.

A Teologia da Prosperidade seria, destarte, detentora da base ideológica que sustenta todo o discurso neopentecostal e, em se tratando, mais especificamente, do dinheiro, a inspiração de tanta criatividade 79 para obtê-lo. A condição de quase impossibilidade da posse e do usufruto, de forma satisfatória, dos bens e serviços que hoje a modernidade produz como meios para atingir melhor qualidade de vida não só faz do fiel neopentecostal um carente de coisas materiais para bem viver e sentir-se próspero, mas também acirra seus desejos, acima de tudo, para querer pôr fim à vida de privações 80. Isso está estabelecidocomo um contrato com

79 “Dizimo dobrado”, “Correntes dos empresários”, “oferta especial”, “Fogueira Santa”, “Dia da Prosperidade”, “Santa Ceia do Senhor”, “Dizimo do Senhor”, “A chave da prosperidade” e tantas outras formas criativas que buscam a sustentação do sistema religioso neopentecostal.

80 “O princípio que leva a poupar é o desejo de melhorar a nossa condição, um desejo que, apesar de ser geralmente calmo e desapaixonado, vem conosco do útero, e nunca nos abandona até que estejamos no túmulo. Em todo o intervalo que separa esses dois momentos, talvez haja raramente um só instante no qual qualquer homem esteja perfeito e completamente satisfeito com a sua situação, não tendo nenhum desejo de alteração ou melhora de nenhum tipo. Um aumento da fortuna é o meio pelo qual a maior parte dos homens tenciona e deseja melhorar a sua condição”. (SMITH, Adam apud BUCHAN, James. Desejo congelado. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 20). A questão dos fiéis neopentecostais, entendemos, não está em reduzir (ao olharmos a sua prática religiosa) seu pertencimento religioso institucional a um tipo de relação utilitária. Não há como dizer, da parte desses fiéis, que tudo se explica pelo fato de quererem possuir dinheiro, como se a Igreja fosse um caminho financiador e o pastor, um agente especialista em investimentos. É claro que desejar pôr fim a uma vida de privações de coisas, ditas materiais, envolve, nos dias de hoje (será que não foi sempre?), ter dinheiro. Porém, mesmo que sob o auspício de uma vida próspera financeiramente, há, na relação com o dinheiro, no espaço religioso que ora verificamos, tantos fiéis pertencer e participar, algo que os emociona e que os faz ter sensações de tal modo, que jamais irão aceitar que tudo o que ali se passa esteja explicado por um tipo de relação de

Deus, pois prosperar é um desígnio da sua criação (Cf. ATTALI, 2003, p. 21). Na vida do fiel membro de uma das expressões neopentecostais, claramente se determina a meta de alcançar a prosperidade; seus depoimentos, a cada dia, nos cultos têm que dar tal testemunho, exemplificando que sua vida, ali, progride, anda, não está “amarrado”. A vida na igreja está sob uma aliança de fidelidade a Deus e seus desígnios, uma vez por ela mediados, riqueza e paz serão constituídos e testemunhados pela fé que ali se vivencia. Selada a adesão religiosa, essa realidade – alternativa à vida anterior – será mantida, apenas, sob a base da oferta, como contrapartida da prosperidade advinda de Deus há muito prometida, e sob a determinante condição de fidelidade. Dentre tantas formas de expressão da referida fidelidade, a fidelidade ao dízimo é condição primeira que logo deve ficar mantida, sob pena de não ser abençoada. Mas, pensemos bem, fidelidade ao dízimo é, antes de tudo, fidelidade a Deus:

[...] Jacó, ele saiu de casa e só tinha uma vasilha de azeite, que era uma das coisas mais preciosa naquela época. Deus, um dia, apareceu para ele, e Jacó viu que Deus estava naquele lugar com ele. Então, Jacó pegou aquele azeite que tinha e entornou sobre aquela pedra e falou para Deus: olha, se o Sr. me der pão pra comer, roupa pra me vestir, de maneira que eu volte em paz pra casa do meu pai, de tudo o que vier nas minhas mãos, eu te darei o dízimo. Então, foi o voto que Jacó fez com Deus através da fé, porque Jacó não tinha nada. Pela fé Jacó acreditava que Deus daria tudo pra ele. E Deus, dando tudo pra ele, ele devolveria a Deus em forma de dízimo. (Entrevista n. 09).

Essa leitura do entrevistado acima põe o fiel em movimento, fazendo-o sentir, à luz das próprias necessidades, que o dízimo é apenas dízimo, quando se estabelece com Deus um compromisso, no qual a fé constitui o maior pressuposto que se mistura às expressões dos seus desejos. Se perguntássemos: o que está situado no coração do dízimo? Responderíamos: uma divindade. É essa emoção, essa sensação que um fiel sente ao ofertar. Mesmo entregando à Igreja sua oferta, esta “passa” e vai chegar às mãos de Deus, e não às do diabo. Eis o sentimento. O dinheiro fica na igreja para as necessidades dela, mas a fidelidade do fiel se mantém firme, no silêncio do seu coração, bem no lugar onde – diz o pastor – a fé reside. A experiência que um

compra e venda. (Cf. o artigo de Jurandir Costa, citado no cap. I, a propósito da Igreja Universal do Reino de Deus).

fiel faz do dízimo é experiência de relação. Nós nos relacionamos com os objetos, mas não de qualquer jeito; muito menos, todos os objetos guardam em si a mesma importância, haja vista que os separamos um do outro pela força das imagens e do valor a eles atribuídos 81. O dízimo é algo separado; mesmo à base do sacrifício, é separado e traz consigo parte do próprio humano, pois é ofertado, é “pedaço arrancado de mim”.

O dízimo – conforme já afirmamos em momentos anteriores – não significa simplesmente a “décima parte”; é dinheiro e, como tal, torna-se “mediador”, “veículo” de conquista de determinada perspectiva espiritual. Existe uma “divindade” no coração do dízimo, porque não há só um nome; há uma experiência de relação que, de objeto separado, consagrado, “faz-se Deus”. A Teologia da Prosperidade neopentecostal o ergue acima das necessidades imediatas, porque, como mediação/sacrifício, provocará e fará provirem do seio de Deus bênçãos sem medida. Porém – convém observar – a experiência do dízimo não é eficaz, porque ele não mobiliza a realização de uma finalidade. Só o dinheiro, em linguagem de uso profano, isto é, na relação não-religiosa/simbólica, é capaz de tal realização, pois, nessa condição, seria visto como realidade natural. Experiência de relação eficaz é proveitosa, dela separa-se algo vantajoso, a relação é útil, por exemplo, “pago e tenho o que quero” – relação de compra e venda. Tal relação, na sua forma dominante, é egoísta, a ação daí decorrente para a consecução dos interesses se dá na base dos cálculos racionais, na perspectiva da maximização da felicidade dos sujeitos. O dinheiro aí é um bom condutor para que isso se concretize. Mas a nossa perspectiva é entendê-lo como uma mediação que, em face do contexto em que o situamos, não deveria, com base na relação aí experienciada (relação de troca), ser confundida com o comércio. Isso porque nossa concepção de troca para o entendimento de tal experiência aceita,

81 Em “Filosofia del Dinero”, Simmel (2003, p. 577) faz uma reflexão acerca de Cultura, observando como pressuposto desta, no nível do conceito, energia e orientação natural. E observa: “Los contenidos culturales consisten en aquellas construcciones, en la base de cada una de las cuales hay un ideal autônomo, observados bajo el punto de vista del desarrollo de nuestras fuerzas o de nuestro ser, trasladado e impulsado por aquél más allá de la medida que se considera netural. Al cultivar los objetos, el ser humano los convierte em imágenes suyas y la expansión transnatural de las energias de éstos, que es lo que se considera el proceso cultural, constituye la visibilidad o el cuerpo para la misma expansión de nuestras energias”. (p. 580).

por pressuposto fundamental, que ela, à luz da ótica e participação da membrezia, tem por finalidade fazer a rede de relação aí constituída reforçar os laços de reciprocidade. Isso repercute como meio desconcertante, porquanto, normalmente enxergamos o dinheiro apenas com a função de pagamento segundo um preço de compra. E o espaço do religioso parece não poder fugir de tal concepção uma vez que as religiões estão no mundo cuja influência, de acordo com o contexto, perpassa todas essas experiências.

O capítulo a seguir, intitulado “A Igreja Internacional da Graça de Deus” – O

Espírito do Dízimo, apresentará, de forma reflexiva, todo relato de campo feito na referida denominação religiosa neopencostal, quando das visitas sistemáticas, realizadas no templo da rua da Soledade, entre os meses de agosto e outubro de 2003, sempre às terças-feiras, dia da semana destinado à prosperidade financeira.

Nesse referido capítulo, com respaldo nas entrevistas feitas com os fiéis membros da mencionada instituição, pretendemos mostrar um panorama mediante observações semiparticipantes e questões relativas à prática das ofertas e, principalmente, pontuar aspectos de ensino de como ofertar. O mesmo capítulo também será suporte de análise para compormos os capítulos sétimo e oitavo.

5 A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS: