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5 A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS: o espírito do dízimo

5.4 Rituais de salvação: preces, curas, milagres

No discurso do pastor, “perseverar” vai sendo entendido aos poucos, como “não desanimar”, “não se deixar cair”, “cumprir com a campanha”. O livro do profeta Daniel é de grande inspiração para o fiel se manter firme e não se deixar abater pelo diabo. Este, na fala do pastor, é sempre uma força maligna que, entre outras coisas, impede o fiel de perseverar na sua ida à igreja (templo) para a realização da campanha (sete semanas).

A participação dos fiéis, mínima durante todo o culto, se restringe às palmas ritmadas ao som de uma música. O “amém” é palavra que o pastor pede constantemente, no decorrer de todo o culto, porque expressa o “ciente” sobre as coisas de Deus e da Igreja e é o mesmo que está louvando: “Quem compreende levante a mão”; em seguida, “Amém,

plasticidade peculiar – isso de acordo com a necessidade de ênfase em alguma questão. Do altar, a fala se refere a quem luta pela firmeza das certezas de que só a fé pode esperar.

O pastor, então, ordenou que todos depositassem no altar seus pedidos por escrito, além de outros objetos, como carteira de trabalho, retratos, cartão de crédito, receitas de remédios, cópia de processos na Justiça, cópia de pedido de aposentadoria, nomes de pessoas. Cada objeto corresponde a alguma coisa a vencer ou a algum mal a derrotar ou, como o próprio pastor diz, “estão amarrados”. Todos esses objetos dispostos no altar compõem uma identidade ritual 89 cujo coração revela complexa relação afetiva que busca ligar seus donos uns aos outros, pois, mesmo objetos pessoais, carregam, em comum, o amargo gosto de vida que não prospera. Na existência das coisas, o diabo, conforme o discurso oficial da instituição90, manifesta sua alma, por isso tranca a vida, ou “tranca a rua”. É preciso, então, destronar o “capeta” do poder que lhe é inerente91.

Antes de depositar os dízimos – recolhidos em sacolas ou colocados no altar – todos ficam de pé, em oração, para fazer sair algum mal que está afligindo o fiel. Todos fecham os olhos. Os “homens de Deus”, durante esse momento, circulam pelo templo, olhando bem os fiéis, e decidem repousar as mãos em suas cabeças (escolha aleatória) e passam a orar em voz alta para que o mal saia do corpo. Os fiéis oram em voz alta, pedindo a

89 “As coisas sagradas em relação às quais funciona o sacrifício são coisas sociais. E isso basta para explicar o sacrifício. Para que o sacrifício seja bem fundamentado, duas condições são necessárias. Primeiro é preciso que haja fora do sacrificante coisas que o façam sair de si mesmo e às quais ele deve o que sacrifica. É preciso, a seguir, que essas coisas estejam perto dele para que ele possa entrar em relação com elas, nelas encontrar a força e a segurança de que necessita e retirar de seu contato o benefício que espera de seus ritos”. (Cf. MAUSS; HUBERT, 2005, p. 107). A disposição desses objetos em altar é sempre o início do cerimonial neopentecostal. 90 R.R. Soares inicia seu ensinamento sobre o dízimo, afirmando: “[...] se o filho de Deus não for dizimista, jamais prosperará, pois, ao deixar de entregar o dízimo, ele não somente está desobedecendo ao Senhor, mas também se abrindo para as operações do diabo em sua vida” (2004, p. 7).

91 O cristianismo institucionalizado evangélico neopentecostal, por certo, não é o único que segue, ainda hoje, anunciando o diabo em suas fileiras. A decisão evangélica neopentecostal de seguir literalmente cada palavra da Bíblia jamais poderia prescindir da mais significativa figura do mal exposto por essa Escritura. E por que não? Stanford (2003, p. 54) oferece uma razão: “Tanto o caráter como as ações do diabo são cruciais para que seja constituída a história da salvação da humanidade, o que é o cerne mesmo do Novo Testamento. Sem a presença desse personagem, não há nada ou ninguém que Cristo possa combater, deixando de haver qualquer justificativa para afirmar a existência do ‘Reino de Deus’”. A figura do diabo sempre foi algo indefinido, o que possibilita qualquer imaginação religiosa que admita sua existência, como, por exemplo, a neopenecostal, possa fazer emergir, como representação do mal, um significado tão forte como “o devorador” (Cf. SOARES, 2004, p. 39).

Deus a expulsão daquele mal. Manifestam-se vozes ao mesmo tempo, clamando, que se dilaceram por todo o templo, causando a impressão de que a força de tal clamor, acompanhado de gritos – “sai”, “sai”, “sai” –, expulsará toda ação negativa que, por ventura, se tenha apossado da vida ou esteja impedindo o fluxo das correntes e campanhas. Um dos auxiliares ora e grita, para que o espírito maligno “saia”. Depois de toda essa oração 92 forte, todos batem palmas.

O pastor pediu que abrissem a Bíblia em Segundo Reis, capítulo segundo. Desse texto, ele tomou, para refletir, a expressão “prato novo” e associou a “novo pensamento”. Pensamento ruim impede, amarra, puxa para baixo. Mudar o pensamento, na leitura do pastor, é algo muito importante para a vida prosperar. Segundo ele, não se deve pensar nas dívidas no momento de fé, pois todas já ficaram para trás. Pensar nelas conduz a se afundar, desanimar, não fazer nada, não transformar. Enfim, avisou que já estava terminando um trabalho e que iria ensinar a todos como prosperar.

Notamos que, na Igreja da Graça, existe patente preocupação com a instrução do fiel, mas sob o ponto de vista bíblico. Usam-se, por demais, os textos bíblicos. A falta de teologia racional e sistemática é superada pela prática hermenêutica livre, e não exegética. Em um dos dias de nossa participação, o pastor lançou um “curso” de sete terças-feiras para todos. Pediu que trouxessem um caderno para escrever sobre os ensinamentos, a partir da Bíblia, de como prosperar. Ele leu alguns tópicos do estudo em preparação a serem passados a todos os fiéis. Insistiu que trouxessem caderno e caneta, porque apontaria oito razões que normalmente impedem os fiéis de prosperar e aprofundaria cada uma delas. Esse segredo seria revelado aos

92 É sugestivo o conceito que Bastide (2006, p. 166) elabora sobre “oração”: “Ela é uma comunicação, que pode se dar através de objetos, gestos, palavras, no mais das vezes por uma combinação dos três, entre os homens e as forças sobrenaturais, dentro de uma relação estabelecida como assimétrica (a assimetria manifestando-se no discurso, assim como nos gestos simbolizando a súplica ou os objetos que significam essa atitude)”. O termo “oração forte” é muito significativo no discurso da Igreja da Graça, porque ele chama atenção para o seu bom pronunciamento bem como para a importância da oferenda no sentido de ter sido a melhor.

poucos93; tudo obedeceria à organização um tanto escolar, porém a participação seria a garantia da revelação do que ainda era mistério.

O pastor fechou os olhos por um instante e, em seguida, retomou sua inspiração e disse a todos: “Fé é certeza. A fé examina. Não é o pastor que examina a orientação”. A fala vai sendo tecida de modo que todos passem a entender que ninguém dá aquilo que não tem e nem dá mais do que não tem. “O que é a emoção?” pergunta a todos. E o pastor afirma que seria o mesmo que ir pela voz de comando; não adianta fazer sacrifício, se o fiel não se entrega a Jesus 94. Emoção – ensina – “é ação destrutiva. A fé é algo inteligente, de modo que se Deus manda alguém dar tudo de tudo o que possui, Deus abençoará em dobro”. Todos ficam surpresos em seus lugares, quando ele finaliza, dizendo: “Mas não é o pastor que está

mandando. Você não pode fazer aquilo que Deus não manda. O objetivo do pastor é abençoar. E digo mais: você vai sair daqui abençoado ao dar tudo”. Nesse momento, ficou no ar uma sensação de coerção. Na realidade, o apelo ao coração e à alegria de cada um se configura em lugares de onde brota a integração do homem e seus objetos. Isso explica, por um momento, que Deus abençoa por meio do dinheiro.

Nesse dia, o pastor lembrou que, um dia, fora procurado por uma mulher logo depois do culto, com a intenção de falar sobre o processo de entrada na aposentadoria que ainda não havia saído. Ela assegurava ter sessenta e três anos. Pediu que a mulher fizesse um propósito, e ele mesmo iria fazer uma oração por ela. Um dia depois, ela o procurou bem cedo da manhã, a fim de comunicar sua aposentadoria. Emocionado, exclamou: “Vejam que

93“O segredo contém uma tensão que se dissolve no momento da revelação. Este momento constitui o apogeu no desenvolvimento do segredo” (Cf. SIMMEL, 1999).

94 “No sacrifício, a consagração irradia-se para além da coisa consagrada, atingindo, entre outras coisas, a pessoa moral que se encarrega da cerimônia. O fiel que forneceu a vítima, objeto da consagração, não é no final da operação o que era no começo. Ele adquiriu um caráter religioso que não possuía, ou se desembaraçou de um caráter desfavorável que o afligia; elevou-se a um estado de graça ou saiu de um estado de pecado. Em ambos os casos ele é religiosamente transformado”. (Cf. MAUSS; HUBERT, 2005, p. 15-16). Entregar-se para Jesus é transformar-se tanto quanto transformado se tornou o objeto escolhido para a consagração.

bênção!” E todos da igreja disseram com fervor: “Amém”; outros, ainda, “Oh, glória”. Após esse testemunho, iniciou uma oração final que diz:

Oh, Pai querido e Pai amado! Você diz em sua palavra que aquele que confessa e deixa o pecado alcança a misericórdia do Senhor. E que, se nós confessássemos, o senhor será justo para nos purificarmos de toda injustiça. Oh, Pai querido e Pai amado, perdoa cada uma dessas pessoas agora, faça um esforço e dê vida de teu sangue, tira toda mágoa, todo ressentimento, todo ódio... Essa pessoa que não consegue se libertar do passado, oh, poder de Deus, entra em ação agora, em favor de cada uma dessas pessoas! E faça, Senhor, faça em cada uma dessas criaturas uma nova pessoa, cheia de amor. E a partir de hoje, meu Deus, que ela venha colher os frutos por essa atitude que ela tomou nesta tarde. Diabo! Se for isto que você estava usando para amarrar a vida financeira desta pessoa, capeta do inferno, você perdeu mais uma batalha! Este povo pertence a Deus, está escrito na letra de Deus, você não pode tocar. Oh, Pai querido e Pai amado! Nós te louvamos e te agradecemos. O Senhor é bom e sua misericórdia dura para sempre... O diabo perdeu mais uma batalha. Ah, minha irmã, meu irmão! Começa a agradecer a Deus pelo perdão d’Ele. Oh, Senhor, determine que as bênçãos alcancem a vida daquela pessoa agora, porque Deus abençoou Jó quando ele orava para seus amigos, amigos que lhe incriminaram e que disseram que ele estava em pecado...Ele orou pelos seus amigos, e Deus deu a ele tudo em dobro tudo o que ele tinha perdido. Ore agora por essa pessoa igreja, fala o nome dela agora, não deixa o diabo te enganar, limpa o seu coração diante de Deus, em nome do Senhor e Salvador. E, antes de sair, não esqueça de uma coisa, que o Senhor confirma as palavras do seu evangelho. Está escrito também na sua palavra que o que ligardes aqui na terra será ligado também no céu. E eu digo agora, em nome do Senhor Jesus, a bênção financeira dessa pessoa... Levantem suas mãos para Deus, agora: Pai, eu determino que ainda esta semana essa pessoa receba uma bênção financeira; Pai, não a deixa ficar esperando, mas, oh, Deus ela vai receber. Eu determino, Senhor, a bênção da prosperidade. Digam todos: “Senhor Jesus, eu te agradeço pela minha vitória, pela minha bênção, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E, se você crê, uma salva de palmas bem forte para o Senhor Jesus!.