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1 CAMINHOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.2 O Caminho escolhido e sua relação com o objeto

E qual seria o caminho para se efetivar uma análise plausível sobre o dinheiro, na ótica que buscamos tecer? Tomaremos por perspectiva sociológica a interação. Como parâmetro referencial para nossas análises, a concepção da moeda muda, está aberta uma porta para tratá-la, por exemplo, sob o viés da dádiva.

A perspectiva da interação – diferente, por exemplo, da perspectiva puramente funcionalista – impõe um rumo, a nosso ver, mais plausível de análise, em se tratando do objeto de que ora começamos a nos ocupar, pois sua concepção demonstra que a sociedade é possível, porque os indivíduos se constituem como seres de relação, assim, vivem em permanente interdependência. E isso influi na relação sujeito e objeto. E de uma forma geral, a perspectiva de Marx sinalizou para tal preocupação, uma vez que, do ponto de vista da sua sociologia, não rejeitou inteiramente o individualismo enquanto valor nem o indivíduo como ator, conforme observou Domingues (1994).

As “práticas sociais”, afirmamos mais uma vez, configuram o domínio básico de estudo sociológico. Nessa perspectiva, a vida em sociedade resulta de processo cultural que se concretiza pelas relações sociais instituintes dos símbolos, os quais expressam determinada

dirigido e modificado através de um processo interpretativo usado por uma pessoa em relação às coisas que ele encontra”. (BLUNER, Herbert. Symbolic interacionism: perspective and method. Univ. California Press, 1989. p. 1-60. ([Tradução fornecida em aula para publicação]). Mas, de um modo geral, para os interacionistas, a explicação da realidade social deve emanar da investigação meticulosa do micromundo dos indivíduos que, mutuamente, interpretam os gestos, que constroem as imagens de si próprios e definem as situações segundo certos princípios.

visão de mundo comum, manifestando-se em várias formas de comunicação, tal qual a linguagem, comportamentos, artefatos materiais etc. Os símbolos instituídos têm capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano, dependendo da capacidade de eles transmitirem e reforçarem um sistema ideológico já dado 8.

A sociedade, então, pode ser considerada um agregado de relações sociais, e a cultura, seu conteúdo, o qual enfatiza os recursos acumulados que as pessoas adquirem por herança, à medida que os utilizam, transformam, acrescentam e transmitem. Na visão durkheimiana, conforme esclareceremos mais adiante, a sociedade, por ser um fenômeno de comunicação, realiza sua possibilidade mediante a linguagem, os significados e os símbolos:

Os ‘sistemas simbólicos’, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) conjeturar aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, ‘uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências’. Durkheim - ou, depois dele, Radcliffe-Brown, que faz assentar a ‘solidariedade social’ no fato de participar num sistema simbólico – tem o mérito de designar explicitamente a função social (no sentido estruturo-funcionalismo) do simbolismo, autêntica função política [...]. (BOURDIEU, 1998, p. 9-10).

Nesse sentido, os sistemas de crenças não são, de modo algum, acidentais; surgem de uma trama de teias lingüísticas simbólicas que atuam como respostas a necessidades sociais 9. Em qualquer forma dada ou em qualquer momento dado, por exemplo, uma religião particular atuará como baluarte de certo tipo de relação de produção ou como instrumento para transformá-la. Isso se deve ao fato de que o fator religião está integrado ao sistema social, e os indivíduos que a vivenciam refletem tão-só necessidades procedentes da condição de interdependência, reflexo, portanto, de um modo de vida sociossimbólico.

8 O imaginário social instituído constitui-se de crenças, mitos, ideologias, religiões e fala do mundo por via oblíqua; cria novas linguagens comuns, sem necessariamente verbalizá-las mediante, por exemplo, práticas sociais simbólicas. É com essas práticas que se reforçam tipos ideais de comportamentos sociais.

9 Dessa maneira, o simbolismo e a linguagem tornam-se componentes essenciais da realidade da vida cotidiana e da apreensão pelo senso comum desta realidade. Vive-se em um mundo de sinais e símbolos todos os dias. No cotidiano, percebemos, então, uma dança de símbolos sem fim.

Para Berger e Luckman (1985), a construção social da realidade ocorre a partir de três processos dialéticos por eles denominados de “exteriorização”, “objetivação” e “interiorização”. Em síntese, compreendemos o movimento dos três processos da seguinte forma: o ser humano não pode ser considerado algo isolado em si mesmo; ele é, por essência, um ser exteriorizante; e mais, “inacabado” desde o seu nascimento. Tornar-se pessoa humana acontece no processo de desenvolvimento da personalidade, que, por sua vez, decorre da assimilação de uma cultura. Isso não se passa com os animais, porque só a pessoa humana é um ser aberto, o qual se modela pela força e sentido da própria atividade vai compondo para si um mundo cada vez mais diferente. O mundo não se preestabelece, pois é a pessoa quem o produz assim como a si mesmo. A cultura é, portanto, produto dessa atividade – atividade humana constituída e mantida por quem vive e faz ação, inter-relacionando-se. A sociedade, então, é constituída e mantida por esse processo permanente, cauteloso e dinâmico.

Existe outra face de tal processo que se torna alguma coisa “lá fora”: consiste em objetos materiais e não-materiais, conforme Berger, capazes de resistir aos desejos de seu produtor. Mas não nos enganemos, pois, uma vez constituído tal mundo dessa entranha social, ele permanece, quer queira, quer não. Essa realidade humanamente produzida se expressa objetivamente por um instrumento, uma ferramenta, pela língua, gramática, pelos valores, pelas instituições. Tanta riqueza assim vai sendo compartilhada na relação de uns com os outros. Por certo, pode-se sonhar, porém reconheça-se a possibilidade da existência empírica de tal sonho, senão tudo deságua em fantasmagorias.

A sociedade é atividade humana objetivada. Há uma parte do humano que se objetiva e se torna disponível à realização da interiorização, isto é, o mundo objetivado vai sendo reabsorvido na consciência ou, mais precisamente, a sociedade funciona como ação formativa da consciência individual. Assim, o mundo passa a ser apropriado por cada um e por todos em interação, em conversação. Portanto, o conceito de cultura, segundo os

mencionados autores, constrói-se da inter-relação entre os três movimentos, os quais, por conta disso, refletem a cultura consistir na totalidade dos produtos do homem. A cultura, para eles, não é vista nementendida como algo referente apenas à esfera simbólica:

O homem produz instrumentos de toda espécie imaginável, e por meio deles modifica o seu ambiente físico e verga a natureza à sua vontade. O homem produz também a linguagem e, sobre esse fundamento e por meio dele, um imponente edifício de símbolos que permeiam todos os aspectos de sua vida. Há boas razões para pensar que a produção de uma cultura não material foi sempre de par com a atividade do homem de modificar fisicamente o seu ambiente. (Ibid., p. 19 et seq.).

Sem perder de vista esse pressuposto de cultura como totalidade dos produtos do

homem, podemos buscar outro corte epistemológico. Autores, como Adorno e Horkheimer (1985), ao falar de cultura para as massas, recusando com isso a idéia de cultura de massa, elaboraram o conceito de indústria cultural, uma vez que, na sociedade de mercado com base de produção industrial, também a cultura passou a se constituir mercadoria fetichizada, mesmo gozando de certa autonomia. O progresso técnico da indústria cultural, segundo Adorno e Horkheimer, tornou inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. A racionalidade técnica suprimiu a diversidade e a diferenciação sociais. E o terreno onde a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o mesmo onde o poder dos economicamente mais fortes se sobrepõe à sociedade. Dessa forma, eles consideraram que todo traço de manifestação cultural acaba absorvido pela esfera do consumo e integrado ao esquema industrial. Tal processo de absorção findou por apresentar os produtos culturais como mercadorias, que, pelo mecanismo da sedução/fetichização, se mostram, altamente integradas ao sistema da moda. Destarte, as diversas formas de expressão cultural – por exemplo, as situadas no campo da religião – podem, de um modo ou de outro, ser rapidamente absorvidas, apaziguadas e transformadas em mercadorias e ter seus bens simbólicos em circulação no mercado da indústria cultural.