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2.2.1 Deficiência e Sociedade Breve histórico da relação deficiência e sociedade

2.2.1.1 Paradigma de Institucionalização

2.2.1.1.3 Instituições para Deficiência Intelectual

O asilo dos meninos desvalidos na cidade do Rio de Janeiro foi decretado em 1854, mas seu funcionamento iniciou apenas em 1875, sendo renomeado como Instituto Profissional João Alfredo. Em 1887, através das doações da população e do comércio, com as intenções de promover a benevolência através da caridade aos menos afortunados é construída a Casa São José.

Com a perspectiva higienista em 1901 foi fundada no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção a Assistência a Infância, a primeira de algumas filiais no território brasileiro. A instituição tinha por objetivo promover a assistência aos bebês, nascidos prematuros, tal como as crianças doentes ou deficientes. Dado a existência de uma preocupação com as crianças pobres que sofriam maus- tratos, entregue a mendicância, ou exploradas moralmente e abandonadas.

Apercebe-se que essas instituições iniciais denotavam um caráter filantrópico e caridoso de uma população que mais se beneficiava por questões religiosas e sociais, do que por uma preocupação social e do Estado em reconhecer a necessidade de atendimento aqueles que nasciam com algum comprometimento em seu desenvolvimento.

No início do século XIX, epistemologicamente a deficiência intelectual, foi entendida como idiotismo e imbecilididade. Tal comprometimento, estava aquém

à loucura, “o idiota, lesionado maior, mais que o louco, classificado como degenerado superior, seria o representante do último grau da escala regressiva de degenerescência, a ameaça da deterioração completa das características da espécie” (LOBO, 2008, p.361). Contraditoriamente, ocupando o mesmo espaço dos loucos nos hospícios, que desponta novas possibilidades conceituais sobre o idiotismo. A psiquiatria francesa buscando a etiologia das doenças mentais, contribui com a classificação de quatro categorias sobre o idiotismo, dentro delas, destaca-se a 2º categoria, na qual a criança nascia normal, mas devido a uma educação mal direcionada, a levava a se tornar um idiota. Dentro desta perspectiva que o meio e a educação seriam capazes de influenciar na aquisição do idiotismo, desencadeou o pensamento de Séguin em que a educação poderia corrigir e recuperar aqueles que demonstravam tais características. Séguin, introduz a ideia de que as características da idiotia seria uma etapa dentro do desenvolvimento humano, em que todas as crianças normais transcenderiam, mas os deficientes mentais continuariam nessa etapa do desenvolvimento. Dessa forma, a deficiência mental, não seria uma doença e sim um atraso no desenvolvimento normal (LOBO, 2008).

A literatura histórica sobre a educação de crianças com deficiência intelectual, muitas vezes, não cita esses primeiros passos da educação das crianças com o idiotismo dentro dos hospícios. A razão para pouca atenção a esse momento histórico, não é conhecida. Entretanto, compartilha-se do pensamento de Muller (2000), que a história da educação especial e da psiquiatria infantil se inter-relacionam nas questões que envolveram as crianças com autismo e com deficiência intelectual. Dessa maneira, faz-se necessário pontuar alguns aspectos da história do primeiro atendimento educacional no Brasil para esse público.

Como já foi mencionado anteriormente, as crianças pobres com idiotismo foram internadas em hospícios juntamente com os doentes mentais, sem divisão em alas de adulto e de crianças. Em uma sindicância, com o objetivo de inspecionar o Hospício Nacional de Alienados na cidade do Rio de Janeiro, a qual, nesse momento histórico foi a capital do país. Diante do estado de desordem que se encontravam as crianças naquele espaço, a comissão sugeriu que o Ministro estabelecesse a transferência das crianças para um pavilhão

vazio que estava ao lado da lavanderia. Assim, em 1903 surge o Pavilhão Bouneville, que conforme Muller (2000) é “uma valiosa fonte de estudo para educação especial, pois contradiz a afirmativa de ausência de atendimento médico-pedagógico a esta clientela” (p.82).

Bilac (apud Muller, 2000, p. 6), em seu relatório descreve que o pavilhão foi composto por três salas, uma para meninos, outra para meninas, sendo a terceira funcionava como escola, localizava-se frente a um “jardim geométrico”, no qual ocorriam muitas atividades pedagógicas e de reabilitação. Nesse jardim, ocorria um ensino preparatório, no qual, através do brincar, elas aprendiam. Após a esse ensino preparatório, elas iniciavam o ensino das letras “através de letras de madeira e de grandes quadros murais e de giz, permanecendo as crianças sentadas em carteiras coletivas de quatro lugares” (p.90). Essas práticas escolares foram inspiradas no método de Bouneville, autor que evidenciou uma educação médico-pedagógica. As intervenções pedagógicas foram aplicadas das mais simples até atingir as mais complexas de acordo com o progresso dos alunos. De acordo com Muller (2000), o método foi uma proposta inovadora, mesmo com base no tratamento moral, pois resgatou a humanidade na criança, constatando que a educação é possível e frutuosa. Através do método, a criança deveria ser estimulada com atividades prazerosas e diversificadas, percebendo a relevância do lúdico para as práticas pedagógicas.

Observa-se na literatura poucos registros e diálogos sobre essa iniciativa de educação especial nos hospícios, bem como, ao atendimento das pessoas com deficiência intelectual na época. A educação para esse público foi silenciada por um bom tempo pelo governo, mesmo com a criação dos institutos, para cegos e para surdos, no advento da República não houve inciativas para implantação de uma instituição que atendesse as crianças com deficiência intelectual. Desse modo, foi a partir da década de 20 que por inciativa da sociedade civil, novas instituições voltadas para outras deficiências começaram a surgir no Brasil.

No que se refere as que dedicavam assistência a deficiência intelectual, influenciado pelas ideias de Pestalozzi, sucedeu em 1926 a criação do Instituto Pestalozzi de Canoas, no Rio Grande do Sul. As instituições de educação para

os alunos com deficiência intelectual, deslancharam com Helena Antipoff quando iniciou seus trabalhos a convite do governo na Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte. Com fortes apoios da sociedade civil e do governo, ela criou em 1932, a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte. Em 1945, foi fundada a Sociedade Pestalozzi do Brasil; em 1948, a Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro; e, em 1952, a Sociedade Pestalozzi de São Paulo. As instituições Pestalozzi, em um primeiro momento manifestaram um caráter assistencial, apesar disso desenvolveram um trabalho educacional e profissional com os assistidos. Ocorriam oficinas pedagógicas, nas quais, o jovem com deficiência mental aprendia competências para a realização de atividades laborais. Os movimentos sociais continuaram intensamente, e em 1954 na cidade do Rio de Janeiro foi fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, por inciativa de uma mãe americana de uma criança com deficiência mental. Os pais e simpatizantes com a causa organizaram-se, e mais APAES foram fundadas pelos país. Esse movimento social incentivou um olhar diferenciado do governo brasileiro para a causa das crianças com deficiência mental, desta maneira, os poderes Executivo e Legislativo apoiaram as inciativas, contribuíram com leis e convênios para as instituições (MAZZOTTA, 2005).

Como se pode notar o paradigma de institucionalização caracterizou-se pela retirada das crianças com deficiência do âmbito familiar e social, e colocando-as em locais especializados, com o intuito desses suprirem as necessidades da vida diária e escolares de acordo com pensamento dos idealizadores da época. Conforme Aranha (2001), essas instituições foram segregadoras, pois as pessoas com deficiência permaneciam em isolamento social, por mais que as intenções motivadoras de fundação fossem a proteção, o tratamento e o processo educacional. Goffman (apud Aranha, 2001, p. 8), testifica que a experiência em estar institucionalizado, afasta expressivamente o sujeito da sociedade, formando um vínculo com a instituição, o qual dificilmente é rompido, assim se torna institucionalizado.

Observa-se até aqui com base no contexto histórico apontado até momento, que ao longo da história as concepções sobre a deficiência, bem como, a forma e as intenções do atendimento passaram por diversas

transformações, as quais são significativas e apontam para uma positividade. Por mais, que haja muito ao que se fazer em prol das pessoas com deficiência, ou que ocorram críticas a esse passado, é de suma importância que olhemos os fatos históricos com a visão epistemológica da época, e as condições proporcionadas pela ciência que emergia e se solidificava. Com essa perspectiva, pode-se inferir que o movimento de formação de instituições especializadas em cada tipo de deficiência, foi muito importante para entender os discursos e práticas em torno das deficiências. O paradigma de institucionalização, por mais que tenha separado os diferentes dos “ditos normais” em instituições que interlaçavam ideias assistencialistas e educacionais, foi de suma importância para acender uma nova chama aos diálogos sobre as necessidades e possibilidades das pessoas com deficiência no Brasil.

No entanto, esse paradigma começou a ser questionado por diversos setores da sociedade. No âmbito político, ocorria o interesse do sistema em terminar com a institucionalização, uma vez que a manutenção das pessoas com deficiência em instituições acarretava muitas despesas sem retorno financeiro, pois não havia produtividade. Dessa forma, o sistema apresentava o discurso de autonomia e produtividade para terminar com a institucionalização. De outra forma, havia um processo geral de reflexão e crítica sobre os direitos humanos das minorias, conjuntamente, com as críticas por parte da comunidade científica e diferentes categorias profissionais. Adicionado a isso, o paradigma de institucionalização obteve insucesso no restabelecimento e no funcionamento normal do sujeito com deficiência, tanto nas relações interpessoais quanto na integração a sociedade por meio da produtividade na educação e no trabalho (ARANHA, 2001).