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A literatura que busca investigar a instituição de mecanismos participativos identifica, no caso brasileiro, um fortalecimento da formalização de esferas deliberativas a partir da redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988: “A participação política no Brasil democrático tem sido marcada por dois fenômenos importantes: a ampliação da presença da sociedade civil nas políticas públicas e o crescimento das chamadas instituições participativas” (AVRITZER, 2007, p. 443, destacado no original). Avritzer afirma que a demanda de diversos atores da sociedade civil por sua maior inserção em esferas responsáveis por deliberar a respeito de políticas públicas em áreas diversas gerou instituições caracterizadas por seu formato híbrido de participação da sociedade e de agentes do estado (AVRITZER, 2007, p. 443).

Essas esferas, denominadas instituições participativas, assumiram alguns formatos bastante específicos que previram ora mecanismos de participação “de baixo para cima” (no caso dos orçamentos participativos), ora mecanismos de partilha de poder, constituídos pelo próprio estado, com participação de agentes governamentais e representação da sociedade civil (nos conselhos de políticas) (AVRITZER, 2008).

O primeiro caso é denominado como participação “de baixo para cima”, pois nos espaços assim classificados, como os orçamentos participativos, por exemplo, qualquer cidadão pode se engajar, na eleição de delegados e na eleição de conselheiros, o que caracteriza o sentido da influência – “Ambos os processos ocorrem de baixo para cima”. Esse sentido de baixo para cima não diminui a iniciativa do estado em implantá-los, ressalta Avritzer, apenas enfatiza a institucionalidade dessa inversão de orientação (AVRITZER, 2008, p. 45-46). Lígia Lüchmann assim descreve as experiências de orçamento participativo:

Tratar-se-ia, portanto, de um modelo de administração que apresenta como premissa básica o fato de que a população não apenas deve ser consultada quanto às demandas de investimento do poder público, como também deve ser capacitada para deliberar acerca das prioridades, participando ativamente da própria execução e controle do orçamento público (LÜCHMANN, 2007, p. 155).

A estrutura dos orçamentos participativos é classificada pela autora como piramidal, já que se fundamenta em vários níveis de participação: (1) partindo das esferas local e regional, com participação direta (em associações de bairros, conselhos populares, etc.); (2) nos fóruns regionais, são realizadas as eleições de delegados, para a escolha dos conselheiros; (3) os quais participam das discussões do orçamento representando as demandas regionais.

À articulação entre a participação direta e a representação segue-se uma articulação entre os diversos fóruns, fundamentalmente pelo procedimento de regionalização. Assim, o processo desenvolve-se de forma piramidal, conjugando a representação delegada (delegados e conselheiros com mandato revogável) às assembléias locais e regionais (LÜCHMANN, 2007, p. 157).

No caso dos mecanismos de partilha de poder, as instituições participativas são constituídas formalmente, prevendo a participação simultânea de atores estatais e da sociedade civil (AVRITZER, 2008, p. 46). As principais diferenças entre as instituições participativas de baixo para cima e os mecanismos de partilha de poder é que estes, além de não incorporarem um número amplo de atores sociais, são instituídos por força legal, pressupondo sanções em caso de não instauração do processo participativo. Avritzer admite, entretanto, a possibilidade de existência de mecanismos de partilha de poder não determinadas legalmente (AVRITZER, 2008, p. 46).

Os conselhos gestores de políticas, conforme síntese de Lüchmann, são organismos amparados pela legislação nacional (mas atuando nas três esferas governamentais) e gozam de um poder decisório, sendo mais estruturados e sistêmicos do que os orçamentos participativos (LÜCHMANN, 2007, p. 151). Os conselhos operam na implementação das políticas públicas, do planejamento à fiscalização das ações. Além disso, atuam como fóruns públicos de captação de demandas e acomodação de interesses dos grupos sociais, tendo também como fim a ampliação da participação de segmentos marginalizados dos processos decisórios do estado na busca pela universalização dos direitos sociais (LÜCHMANN, 2007, p. 152).

Outra especificidade dos conselhos gestores se relaciona aos participantes e seus mecanismos de seleção. Enquanto alguns setores selecionam seus representantes em assembléias ou fóruns abertos, outros segmentos, muitas vezes, já dispõem de assento garantido, previsto nas normas e leis de criação dessas instituições participativas.

Por outras palavras, os mecanismos de escolha oscilam de caso a caso: em uma única assembléia com a participação de diferentes atores e organizações sociais; por meio de fóruns setoriais de políticas públicas ou de assembléias, ou indicações de categorias profissionais (LÜCHMANN, 2007, p. 153).

A seleção desses participantes está, afirma Lüchmann, “difusamente ancorada na legitimidade destas organizações em promover, de diferentes formas, a defesa das variadas “causas” sociais e de demandas e interesses de grupos e setores sociais”. Em resumo, “a composição dos conselhos conjuga, digamos, participação coletiva (auto-apresentação das entidades escolhidas como tal) com representação coletiva (entidades escolhidas por representarem – por critérios variados – outros setores sociais)” (LÜCHMANN, 2007, p. 154- 155).

Um último exemplo de instituição participativa é abordado por Avritzer e se trata daquelas experiências que promovem uma consulta pública com vistas à ratificação de políticas. Esta instituição participativa se difere das duas anteriormente abordadas, pois acontecem na etapa final do processo de produção de políticas iniciado pelo próprio estado e servem apenas para ratificar uma decisão já tomada anteriormente por ele (AVRITZER, 2008, p. 56). Como exemplo dessa modalidade de participação formal, Avritzer (2008) explora a discussão dos Planos Diretores Municipais.

A partir da análise destas três instituições participativas, Avritzer (2008) conclui que os desenhos de baixo para cima, como os orçamentos participativos, são os mecanismos “mais fortemente democratizantes e distributivos”, embora os mecanismos de partilha de poder sejam mais eficazes quando há “oposição à participação por parte da sociedade política”. Os processos de ratificação das decisões, por sua vez, funcionam melhor em contextos onde o estabelecimento de formas participativas, previstas na legislação, dependa da intervenção do Poder Judiciário e do Ministério Público (AVRITZER, 2008, p. 60).

Levando em conta o propósito do presente trabalho, verifica-se que os preceitos apresentados pelo modelo de democracia deliberativa podem auxiliar a reflexão sobre as esferas participativas que têm forma nos conselhos e sugerir formatos e procedimentos para a participação da sociedade na radiodifusão pública. É o que se pretende demonstrar na próxima seção da pesquisa.

CAPÍTULO 5

CONSELHO DELIBERATIVO DA

FUNDAÇÃO CULTURAL PIRATINI