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Alguns dos mecanismos de financiamento existentes em vários países pressupõem o envolvimento direto da sociedade na manutenção financeira das empresas públicas de radiodifusão. Conforme já explorado anteriormente neste trabalho, algumas fontes de recursos atribuem aos cidadãos o ônus de financiar as emissoras. A cobrança da licence fee e as contribuições espontâneas configuram um tipo de participação da sociedade no sustento das rádios e televisões públicas. Esse tipo de envolvimento pressupõe, em primeiro lugar, um sentimento de propriedade dos espectadores sobre os meios de comunicação, em segundo lugar, a anuência da sociedade em contribuir financeiramente com as empresas públicas de radiodifusão e, por último, o engajamento dos cidadãos em um projeto de revitalização das emissoras e o contínuo acompanhamento de suas atividades. A idéia não consiste, entretanto, em onerar, mais uma vez, os cidadãos, e sim estabelecer vínculos estreitos e mais transparentes entre as partes.

3.3.1 Contribuições compulsórias

A cobrança compulsória de taxas está relacionada diretamente ao fornecimento de um tipo de serviço, no caso, o serviço de radiodifusão pública. Dallari, a propósito de um projeto interrompido da Fundação Padre Anchieta77, faz algumas considerações a esse respeito: (1) o serviço de radiodifusão pública é peculiar, não podendo ser considerado comparável, senão com ressalvas, a outro serviço público qualquer. No entanto, é inegável que ele vem sendo prestado pelos estados e pela União há algumas décadas; (2) quem “paga a conta” das emissoras, os cidadãos, continuará a fazê-lo, com a garantia, porém, que os recursos arrecadados serão investidos nos fins para os quais são recolhidos; (3) a cobrança de

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taxas, modalidade legal dessa arrecadação, respeita os princípios constitucionais brasileiros, que prevêem que os serviços executados pelo estado podem ser efetivamente aproveitados pelo contribuinte ou apenas postos à sua disposição (DALLARI, 1998).

Quando há cobrança de um tributo, há que ser observada, entretanto, a questão da universalidade do acesso ao serviço, que, na radiodifusão pública brasileira, não é plenamente assegurada. Ainda assim, se há regiões onde não é possível captar os sinais de radiodifusão emitidos pelas emissoras públicas, a cobrança de uma taxa seletiva desoneraria os cidadãos residentes em locais onde os sinais destas emissoras não podem ser captados. A cobrança da taxa a partir da observação do acesso ao serviço seria, portanto, mais justa para o conjunto da população do que a designação de recursos diretos dos caixas únicos dos estados e da União, que onera indiscriminadamente toda a sociedade.

O parecer de Dallari sobre essa modalidade de financiamento é bastante incisivo: Com efeito, por meio dessa forma de captação de recursos é possível estabelecer um verdadeiro controle social sobre o serviço, dando-se eficácia concreta ao princípio participativo. (...) Da mesma forma, cobrando-se nada dos menos aquinhoados e mais dos que desfrutam de melhor condição econômica, está-se fazendo justiça social ou, mais exatamente, contribuindo para a diminuição das desigualdades sociais (DALLARI, 1998, p. 125).

3.3.2 Contribuições espontâneas

A participação no financiamento a partir da colaboração espontânea do público suscita outras reflexões. Essa estratégia é bastante difundida nos EUA, onde uma parcela significativa dos recursos que financiam a PBS é originária de doações. Esse sistema de financiamento não é totalmente estranho ao Brasil, quando se remonta a experiência das rádios clube ou rádios sociedade, que se mantinham financeiramente a partir da colaboração de sócios. Essas experiências, dentre as quais está a primeira emissora de rádio nacional, a Rádio Sociedade Rio de Janeiro, fundada por Roquette-Pinto (MILANEZ, 2007), extinguiram-se com a legalização da veiculação de publicidade, na década de 1930.

O insucesso das primeiras experiências merece uma avaliação teórica das possibilidades da adoção de mecanismos de envolvimento dos cidadãos no financiamento da radiodifusão pública. A aposta no engajamento espontâneo do público é explicada na lógica da ação coletiva de Mancur Olson, que sugere a “by-product theory”, segundo a qual

individuals contribute toward the provision of a public good primarily because of some private-good benefits (what Olson calls “selective incentives” to contrast them

to non-excludable or public good benefits received by both members/contributors and non-members/non-contributors)78 (OLSON, 1965 apud KROPF; KNACK, 2003, p. 188).

O estudo de Kropf e Knack demonstra, entretanto, que as emissoras de Radiodifusão Pública não devem se fiar apenas nas contribuições, pois oferecem ao público o que denomina um bem não concorrencial, o qual muitas pessoas podem consumir simultaneamente sem nenhuma redução dos benefícios médios, e, mais importante, não exclusivo, dada a transmissão aberta. Sob uma lógica racional individualista, apresentada pelos autores, as pessoas não teriam razões para fazer doações à radiodifusão pública, pois os seus custos não aumentariam necessariamente o nível e a qualidade do bem público. Entretanto, se os espectadores escolherem consumir o serviço sem despender recursos, a qualidade das emissoras de rádio e televisão será substancialmente reduzida e muitas emissoras teriam que abandonar a atividade de radiodifusão. Este é um exemplo clássico do problema da ação coletiva: “maximizing behavior of individuals leads to sub-optimal outcomes for the group”79 (KROPF; KNACK, 2003, p. 187).

A pesquisa empírica realizada pelos autores demonstrou que algumas variáveis influenciam diretamente nos índices de contribuição voluntária às emissoras de Radiodifusão Pública, como o nível sócio-econômico, as normas cívicas e os incentivos seletivos. O nível sócio-econômico estaria relacionado ao senso de obrigação e os recursos necessários para fazer uma doação, enquanto as normas cívicas às quais as pessoas se vinculam associam-se à probabilidade de elas desenvolverem capital social80, ambos favorecendo o sistema de contribuição voluntária. Os incentivos seletivos, como a distribuição de brindes associados às doações (guias de programação, camisetas, descontos em restaurantes, ou mesmo promoção eventos de doação), que apelam para o interesse próprio, também tornam o ato privado de assinar um cheque em um ato público de contribuição (KROPF; KNACK 2003, p. 194). Além disso, os autores argumentam que:

78

Tradução própria: “indivíduos contribuem para o fornecimento de um bem público, principalmente em razão de benefícios privados (o que Olson denomina ‘incentivos seletivos’ em contraposição aos benefícios públicos não-exclusivos que são recebidos tanto por membros não-contribuintes quanto por não-membros não- contribuintes)”.

79

Tradução própria: “a maximização de comportamento de indivíduos leva a resultados desfavoráveis para o grupo”.

80

No caso da pesquisa citada, os dados demonstraram que o envolvimento religioso influencia na atitude dos espectadores/contribuintes: “The proportion of community members with adherence to a mainline Protestant church affects giving indirectly through civic norms. Proportions of evangelical Christians in a community appear to affect giving negatively because of its negative effect on norms”. Conclusão que está de acordo com as descobertas de Robert Putnam a respeito do cultivo do capital social associado à tradição religiosa (KROPF; KNACK, 2003, p. 195).

selective incentives can be an important means of communicating expectations to other people (enforcing norms) and showing others that one is following normative standards within a community. Indeed, selective incentives are a very important way to turn a private act into a public one. The evidence presented here shows that selective incentives do cause people to give more once they have already made the decision to contribute81 (KROPF; KNACK, 2003, p. 195).