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5.2 Contextualização do Conselho na trajetória da Fundação Cultural Piratini

5.2.2 Segunda fase: 1999 – 2004

Em 1999, assumiu a Presidência da Fundação Cultural Piratini o jornalista José Roberto Garcez (1999-2003), através da nomeação do governador recém-eleito Olívio Dutra (PT, 1999-2003). Os objetivos estabelecidos para as emissoras foram: 1) a renovação do parque técnico com a adequação dos equipamentos à transmissão digital, 2) a recuperação do quadro de funcionários, deficiente após o plano de demissão voluntária aplicado na gestão

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Embora tenha sido promovido um seminário que contou com ampla participação dos conselheiros e dos funcionários da Fundação (VIEIRA DA CUNHA, 2005), as diretrizes seriam aprovadas apenas na gestão seguinte.

anterior e 3) a valorização da programação local (FUNDAÇÃO..., 2002, p. 30). A indicação de Garcez não foi apresentada previamente à apreciação do Conselho, mas, talvez em razão do relacionamento amistoso com o governo anterior, esse desacato ao Estatuto não foi questionado125. Coincidiu com a posse do novo Governo Estadual a eleição dos integrantes da Mesa Diretora do Conselho, que, contando com Daniel Herz (1999-2004)126 na Presidência, deu início a um dos períodos mais conturbados, embora produtivos, do colegiado.

O Conselho, enquanto elaborava o documento Diretrizes para as emissoras da Fundação Cultural Piratini Rádio e Televisão (CONSELHO..., 1999), que foi aprovado em maio de 1999, juntamente com as Diretrizes para a elaboração de programação das emissoras da Fundação Cultural Piratini Rádio e Televisão (CONSELHO..., 1999b), também demandava infrutiferamente a apresentação do planejamento da Direção da Fundação para as emissoras.

O presidente da Fundação, José Roberto Garcez, embora se apresentasse nas reuniões do colegiado deliberativo, esquivava-se do cumprimento da determinação estatutária que o obrigava a submeter os planos para a empresa à apreciação do Conselho. Outra ação governamental recorrente no período foi a nomeação de diretores sem a avaliação prévia do órgão. Quando questionado por conselheiros, Garcez afirmou que a validade legal da exigência estatutária seria averiguada. De acordo com a Ata nº 36/99 da reunião realizada em 12 de abril de 1999,

O conselheiro Ercy questionou se as contratações de pessoas devem ter o aval do Conselho, conforme inciso 13 e 14 do Regimento Interno do Conselho Deliberativo. O Presidente Garcez disse que as contratações são feitas na forma que a lei permite. (...) [Garcez] Ficou de consultar sua assessoria jurídica para avaliar se estas contratações teriam que passar pelo Conselho (CONSELHO..., 2008).

A situação perdurou durante todo o mandato do governador Olívio Dutra e a ausência de diálogo entre a Direção Executiva da Fundação e o Conselho foi pauta de várias reuniões127. Durante toda a gestão de Garcez, o Conselho discutiu e buscou formas de negociação com a Direção e com o Governo Estadual, chegando ao ponto de julgar a Presidência da Fundação inadimplente com suas obrigações estatutárias:

O presidente [do Conselho] Daniel [Herz] disse que (...), na reunião de agosto, realizada na FARSUL [Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul], foi constatada uma inadimplência persistente da Direção Executiva diante das

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A Ata nº 32/99 da reunião de 14 de dezembro de 1998 apresenta a saudação da presença do futuro presidente da Fundação, mas não atesta a submissão de sua indicação anteriormente (CONSELHO..., 2008).

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No fim de 2001, Herz foi reeleito presidente da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo.

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exigências do Conselho, apresentadas desde janeiro do ano passado e que, ao final do segundo ano desta gestão, não existe ainda um projeto de programação. Sendo que o Conselho já emitiu documento de diretrizes gerais sobre a programação. Disse que a programação de um modo geral, nas manifestações dos Conselheiros, tem se mostrado insatisfatória em relação às expectativas que o Conselho tinha anteriormente. (...) Disse que a situação caracteriza um quadro grave, pois coloca na perspectiva de um pedido de destituição da Diretoria Executiva, por não cumprimento de obrigações legais. (...) Disse que na reunião de setembro foi feito um apelo à Direção Executiva, no sentido de que as exigências legais e as solicitações do Conselho fossem atendidas. Houve uma manifestação do Presidente da Fundação de que haveria resposta e, no entanto, não aconteceu atendimento de nenhuma solicitação e das exigências legais, começando pelo mais sério deles que é o projeto de programação (CONSELHO..., 2008, Ata nº 56/2000).

Como se pode perceber no trecho da ata acima transcrito, o Conselho cogitou a requisição de destituição da Direção Executiva da Fundação, mas nenhuma medida legal foi tomada neste sentido. Segundo a avaliação de Escobar, o Conselho não se fez respeitar, por não utilizar os poderes que, segundo ela, o colegiado possui, e complementa, afirmando que sua impressão era de que a Mesa Diretora do Conselho “tinha um certo receio de comprar briga com a Direção da casa” (ESCOBAR, 2005). Vitor Faccioni, então secretário da Mesa Diretora, afirma que a relação com a Presidência da Fundação “Era de total descaso, não era divergência. Era falta de respeito de seus papéis. A Direção Executiva estava tomando atitudes à revelia do conselho – [o que] é diferente de debate, discussões, que são positivos” (FACCIONI, 2005).

Em 2002, a Mesa Diretora do Conselho Deliberativo foi reeleita e, com a permanência de Garcez na Presidência da Fundação, também as divergências entre Conselho e Direção Executiva se mantiveram. O órgão, que no período aprofundou as discussões conceituais sobre radiodifusão pública, também se viu obrigado a realizar sua constante auto- avaliação, oportunizada pela crise de identidade gerada pelos conflitos com a Direção Executiva da Fundação e com o Governo Estadual. Um dos sintomas desses problemas foi o gradativo esvaziamento de suas reuniões mensais128, o que dificultou ainda mais a tomada de posição do órgão quanto às questões em discussão.

De acordo com Escobar (2005), o Conselho chegou a votar uma moção solicitando o afastamento do presidente, mas a ação não foi adiante, pois, posteriormente, decidiu-se oferecer uma última chance para que as boas relações fossem restabelecidas. Depois disso, afirma, as demandas do Conselho quando aos planos da Direção foram interrompidas e, para recuperar o prestígio do órgão, ostensivamente desrespeitado, preferiu- se levar adiante os trabalhos (ESCOBAR, 2005).

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nós fizemos uma reunião fora daqui para deliberar sobre a questão de tirar o presidente, porque não estava sendo cumprida uma solicitação do Conselho. (...) E essa moção, no caso, foi aprovada por todos os membros que estavam presentes nessa reunião, que foi uma grande maioria do Conselho. Daí teria que ser encaminhado um pedido de afastamento do presidente – que é um poder que o conselho tem, de afastar a Direção. (...) já passara dois anos que estavam aqui e continuavam não apresentando o projeto de programação. E era quase que um deboche a cada reunião. E aí um dos conselheiros levantou uma última possibilidade, para não tomar uma atitude tão radical, conversar com o presidente para ver se ele poderia... Aquilo se arrastou e não foi tomada atitude nenhuma e a coisa foi até o final do governo. Até que o Conselho desistiu de pedir porque ficava mal até para o Conselho (ESCOBAR, 2005).

As queixas, porém, foram mútuas. Em resposta às manifestações do Conselho a respeito da programação da TVE, o então presidente da Fundação, José Roberto Garcez afirmou, em reunião do órgão, que a avaliação da programação “transparecia um desconhecimento de se fazer televisão, especialmente no Rio Grande do Sul, na TVE. Disse que algumas formulações não passavam de divagações teóricas, sem qualquer embasamento correto ou prático do saber fazer”. Além disso, demonstrou insatisfação com a ausência de preocupação do Conselho em discutir também assuntos da emissora de rádio da Fundação (GARCEZ, 2001 apud CONSELHO..., 2008, Ata nº 70/2001), o que oportunizou a declaração do presidente do Conselho, Daniel Herz, de que a rádio FM Cultura passaria a fazer parte das deliberações do Conselho futuramente (HERZ, 2001 apud CONSELHO..., 2008, Ata nº 70/2001).

De acordo com a avaliação do próprio Conselho Deliberativo, tornada pública no documento Proposta do Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini à Sociedade e aos Poderes Legislativo e Executivo (CONSELHO..., 2002), sua trajetória até então poderia ser dividida em fases correspondentes às gestões da sua Mesa Diretora:

Na primeira gestão, entre 1995 e 1998, foi desenvolvido um trabalho inicial de implementação institucional e delineamento e experimentação de suas perspectivas de atuação. Na segunda gestão, entre 1999 e 2001, a experiência prosseguiu com a formulação e a cobrança da execução de diretrizes gerais e orientações para a programação das emissoras da Fundação (CONSELHO..., 2002).

Ainda segundo o balanço do Conselho, essa segunda fase, coincidente com os três primeiros anos da gestão do governador Dutra, “foi atravessada por intensas divergências, sobretudo em relação à organização e à qualificação da programação da TVE”, o que teria produzido momentos de impasse onde apenas o empenho das partes foi capaz de evitar situações incontornáveis (CONSELHO..., 2002).