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3.2 Participação na programação

3.2.3 Ouvidoria

Outra modalidade de participação do público na programação consiste na manifestação dos interesses e preferências dos espectadores através de canais especializados na captação das demandas dos cidadãos. A ouvidoria, arrisca-se dizer, é a forma mais consolidada de intervenção do público em diversas áreas de prestação de serviços, sejam estes fornecidos por governos, empresas públicas ou empresas privadas. Embora a remissão histórica da atividade conduza ao cargo de ombudsman, criado pelo Parlamento sueco, no século XIX, e sua adoção tenha sido recomendada aos governos pela Organização das Nações Unidas, em 1945 (COMPARATO, 2005), a consolidação dessas instâncias ocorreu tardiamente no Brasil.

No âmbito governamental, houve algumas iniciativas pouco frutíferas, na década de 1980, que, por ocasião das discussões na Assembléia Constituinte, foram revitalizadas e

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Concorrência Pública Nº 001/2008, Processo EBC nº 000315/2008. Disponível em: <http://www.radiobras.gov.br/estatico/contas/tcucontas_editais/CP0012008.pdf>. Acesso em 27/10/2008.

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tomaram forma na criação de ouvidorias setoriais nos âmbitos municipais, estaduais e federais na década de 1990. Naquele momento, inclusive, algumas empresas privadas, adotando o termo original ombudsman, passaram a associá-las aos seus departamentos de marketing (COMPARATO, 2005). Conforme a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman, o ouvidor

tem como dever defender os direitos e os legítimos interesses dos cidadãos, seja em órgãos da administração pública - em quaisquer dos seus níveis e poderes - seja em uma empresa privada, atuando, sempre, com autonomia para apurar as questões que lhe forem apresentadas e independência para manifestar o que entender cabível à instituição a qual é vinculado (ASSOCIAÇÃO..., 2005).

Rowe, detalhando o papel da ouvidoria, explica que o ouvidor é

a confidential and informal information resource, communications channel, complaint-handler and dispute-resolver, and a person who helps an organization work for change. Organizational ombudspeople are employed by public and private institutions, agencies and corporations. Their purpose is to foster values and decent behavior-fairness, equity, justice, equality of opportunity, and respect. The ombudsperson often will be especially concerned with respect for those who are--or who see themselves as-less powerful than others in a given situation. The organizational ombudsperson is a designated neutral within an organization and usually reports at or near the top of that organization, outside ordinary management channels75 (ROWE, 1995).

A criação de ouvidorias nos meios de comunicação, conforme avaliação da ANDI, ainda é uma iniciativa pouco comum. Segundo levantamento da entidade,

Folha de S. Paulo, pioneira em 1989, O Povo (de Fortaleza), Jornal da Cidade (de Bauru, São Paulo), TV Cultura, Radiobrás, Rádio Bandeirantes (de São Paulo) e o portal Universo Online já contam ou contaram com um profissional cuja tarefa principal é receber reclamações, criticar o material veiculado e estabelecer um canal com o público (ANDI, 2007, p. 158).

A TV Cultura conta com ouvidoria que tem como missão “garantir, do ponto de vista do telespectador, o cumprimento dos estatutos da Fundação Padre Anchieta”, e a “defesa e o aprimoramento integral do homem, tendo em vista sua capacitação para o pleno exercício da cidadania”. Para isso, o ouvidor (ou ombudsman, conforme lá denominado) “defende uma programação de televisão aberta que tenha qualidade, diversidade e integridade cultural e

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Tradução própria: “uma fonte confidencial e informal de informação, um canal de comunicação, um gerenciador de reclamações e alguém que decide disputas, além de ser uma pessoa que auxilia uma organização a se aperfeiçoar. Ouvidores organizacionais são contratados por instituições públicas e privadas, agências e corporações. Seu propósito é promover certos valores e um comportamento decente, assim como a equidade, a justiça, a igualdade de oportunidades e o respeito. O ouvidor, muitas vezes, está especialmente preocupado com o respeito por aqueles que são – ou acreditam ser – menos poderosos que outros, em uma determinada situação. O ouvidor é neutro na organização e, geralmente, reporta-se ao alto escalão, que estão além dos canais normais de gestão”.

editorial”. Dentre os princípios a serem sustentados pela ouvidoria, a partir da análise do conteúdo televisivo veiculado, encontram-se: (1) Relevância para o exercício da cidadania; (2) Importância cultural e artística; (3) Credibilidade e interesse público das informações; (4) Equilíbrio e independência jornalística; (5) Potencial de entretenimento; (6) Utilidade comunitária; (7) Virtuosismo técnico; (8) Adequação dos formatos à linguagem de televisão aberta (FUNDAÇÃO..., 2008b).

O ouvidor da Fundação Padre Anchieta é considerado “um representante institucional do telespectador” e se compromete a ser “um instrumento independente, efetivo e de credibilidade na consolidação da transparência e da interatividade nas relações entre a TV Cultura e os telespectadores em geral”, atuando “como árbitro independente diante de observações, comentários, queixas e elogios dos telespectadores, sem que esta atuação elimine ou substitua os canais já existentes entre o público e os responsáveis pelos conteúdos da emissora” (FUNDAÇÃO..., 2008b).

O ombudsman da FPA dispõe de uma coluna semanal hospedada no website da emissora, onde publica uma análise da programação recente, apontando seus altos e baixos. Além de acompanhar diretamente a programação da emissora, o ombudsman da TV Cultura

recebe e avalia as demandas encaminhadas à equipe de atendimento ao telespectador, tendo autonomia total para hierarquizar e selecionar os assuntos, respondendo a essas demandas sempre de forma pública, através da coluna e da programação, e encaminhando as demandas não respondidas aos responsáveis por cada programa (FUNDAÇÃO..., 2008b).

Apesar dessa disposição em lidar com as manifestações do público, conforme explicita a página que contém as principais informações a seu respeito, o ombudsman não tem obrigação de responder individualmente às demandas dos telespectadores (FUNDAÇÃO..., 2008b).

A avaliação que o próprio ombudsman da emissora, Ernesto Rodrigues, apresentou em sua coluna em 14 de outubro de 2008, a propósito dos seis meses de sua atividade, é bastante esclarecedora a respeito de seu trabalho e, mais importante, dos seus resultados. Embora a mera existência da ouvidoria na FPA seja louvável, visto ser essa uma experiência única dentre as emissoras públicas de radiodifusão76 e a avaliação da programação, realizada pelo ombudsman, merecer sua aprovação geral, o retorno dos responsáveis na FPA às críticas apresentadas por Rodrigues foi baixíssimo. Nos seis meses de

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trabalho, período compreendido entre 07/04/2008 e 13/10/2008, foram analisadas pelo ouvidor 562 edições de 56 programas diferentes da grade da TV Cultura, gerando 1365 tópicos de comentários, selecionados e publicados por Rodrigues na página Ombudsman da Cultura. Houve 17 respostas da emissora ao ouvidor, representando apenas 3,02% das análises realizadas (RODRIGUES, 2008). Rodrigues, a partir dessa constatação, afirma que

Este quadro de virtual clandestinidade dá razão aos que dizem que o principal desafio da TV Cultura é superar o elitismo e a soberba burocrática que ainda parecem fazer parte do DNA organizacional da emissora. E aos que dizem que o telespectador, decisivo, estratégico e fundamental nas emissoras comerciais, na TV Cultura parece representar apenas um detalhe secundário. Assim como, é lícito presumir, seu representante, o ombudsman (RODRIGUES, 2008).

O ouvidor conclui que a situação configura o não-cumprimento da diretriz estabelecida pelo contrato entre FPA e ombudsman (FUNDAÇÃO..., 2008b), que “obriga a emissora a dar retorno hábil e imediato às demandas, críticas e considerações feitas pelo ombudsman” e “nem de longe caracterizam a interatividade desejada e contratualmente explicitada” (RODRIGUES, 2008).

A ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação, prevista em sua Lei de criação, com a nomeação de Laurindo Leal Filho para o posto de ouvidor-geral, em 28/08/2008, encontra-se em processo de instalação. Conforme informações do site da Radiobrás, a função da ouvidoria da EBC é “complementar a atividade do Conselho Curador, recolhendo e buscando respostas da diretoria executiva às críticas, reclamações e sugestões dos telespectadores, ouvintes e usuários dos canais da EBC” (RADIOBRÁS, 2008). Segundo Laurindo Leal Filho, a ouvidoria é um dos mecanismos formais capazes de estabelecer um vínculo orgânico entre o público e a EBC.

Por ela circularão as demandas, as expectativas, as sugestões, os elogios e as críticas do público ao seu veículo de comunicação. E, de volta, num processo de mão dupla, as respostas quando se fizerem necessárias. Mas não só elas. Indagações também, na medida que cabe a Ouvidoria instigar o público a participar desse debate (LEAL FILHO, 2008).

Leal Filho afirma, também, que a ouvidoria pode constituir uma fonte de aprendizado para a EBC e um “instrumento impulsionador de mudanças”, e essas características dão sentido à existência dessa instância. À medida que se consolida o acompanhamento criterioso da programação, tornam-se possíveis mudanças mais amplas na empresa (LEAL FILHO, 2008).

Ainda assim, é importante perceber que a atuação da ouvidoria não ultrapassa o âmbito da programação das emissoras públicas. A atividade dos ouvidores está circunscrita ao acompanhamento e crítica dos programas, assim como o encaminhamento das manifestações do público nesse âmbito. Conforme esclarece a página do ombudsman da TV Cultura, sua atividade não contempla a discussão de “questões como administração de recursos humanos e tecnológicos, problemas de ordem funcional, orçamento e condições de produção de conteúdo da emissora” (FUNDAÇÃO..., 2008b).