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capaz de captar os aspectos definidores e os fenômenos que ali se manifestam.

6.1 REPENSANDO O INTERESSE PÚBLICO NA RADIODIFUSÃO A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO

Retomando a proposta de definição do campo da radiodifusão a partir do estudo do papel do estado nos diferentes modos de organização dos sistemas nacionais de radiodifusão, percebe-se que as decisões políticas governamentais na área são fundamentadas em dois conceitos-chave: serviço público de radiodifusão e interesse público.

Um paralelo pode ser estabelecido entre essas duas modalidades de organização dos sistemas de modo que se evidencia, por um lado, a preferência por uma perspectiva, que considerando o papel estratégico da radiodifusão, atribui ao estado o controle exclusivo da radiodifusão – o modelo de serviço público originário na Grã-Bretanha. Naquele caso, o controle estatal seria capaz de assegurar o acesso universal, a distribuição equilibrada do espectro eletromagnético e a manutenção da unidade nacional e, mais importante, garantir a preservação do papel democrático de formação da cidadania.

O conceito de interesse público, por outro lado, é ancorado em princípios liberais característicos da regulação econômica nos Estados Unidos, onde esse modelo se origina. Dessa forma, a função democrática da radiodifusão é exercida na difusão das fontes de informação que gera um mercado informacional orientado pela competição. Ao público, entendido como consumidor, reserva-se o poder de selecionar aquele “fornecedor” que mais lhe agrada e as informações que sejam de seu interesse.

Nacionalmente, a tentativa de conciliar a criação de um mercado competitivo, baseando o modelo de concessão à iniciativa privada, com os princípios do serviço público de radiodifusão, como a primazia das finalidades educativas – agregando, então elementos de ambos os modelos acima descritos – criou um sistema que carece de fundamentos conceituais. Essa pode ser a razão para a confusão na concepção da radiodifusão pública brasileira que predomina nos campos político e intelectual. De forma a agravar essa situação, a regulamentação dos dispositivos constitucionais de 1988, que, pela primeira vez no âmbito legal, aludiu ao modelo de radiodifusão pública, ainda não se concretizou. A idéia de radiodifusão pública, embora não tenha se materializado em um sistema nacional independente do poder estatal e de abrangência universal, resiste nos discursos das emissoras e seus dirigentes, nos movimentos organizados da sociedade em prol da democratização da comunicação e, mais recentemente, até mesmo em iniciativas governamentais.

Como se verifica, então, os conceitos de serviço público e interesse público se mesclaram de maneira que, hoje, é possível identificar nos radiodifusores, e mesmo nos pesquisadores do tema, o uso dessas expressões de forma sinonímia. Enquanto a radiodifusão brasileira se afastava desses conceitos originais, o termo interesse público passava a adquirir um significado mais próximo de bem comum. Apesar desse alargamento do significado dessa concepção, permaneceu entretanto o questionamento a respeito dos meios a partir dos quais seria possível definir em que consiste o interesse público. Certamente, essa não é uma resposta que apenas os índices de audiência podem fornecer, pois, considerando justamente

um dos papéis da radiodifusão pública, a valorização da diversidade cultural, percebe-se como a assunção do interesse da maioria não é capaz de contemplar o interesse público, pois assume como satisfatório um interesse artificialmente homogeneizado. Se há a impossibilidade de os índices de audiência apontarem a melhor tradução do interesse público na radiodifusão pública, e a submissão dessa definição ao juízo dos tomadores de decisão e dos radiodifusores ser arbitrário em demasia, sugere-se, então, a introdução da participação da sociedade como forma de melhor expressar em que consistem as necessidades e vontades do público.

Como pensar a participação da sociedade na radiodifusão pública é a questão que se coloca, portanto. Ora, se a radiodifusão pública é constituída por um conjunto de peculiaridades definidoras de seu caráter – a programação, o financiamento e o controle administrativo, como discutido no Capítulo 2 – é razoável considerar a participação de uma forma ampliada, em cada um desses aspectos. Dessa forma, várias iniciativas estão associadas à participação do público nas emissoras. Embora tais experiências não se encontrem sistematizadas, tampouco constituam um empreendimento calcado em um projeto sólido de inclusão da sociedade na radiodifusão pública, são indícios positivos de um raciocínio que demonstra estar se encaminhando para a ampliação da participação.

Enquanto a abertura de espaços para intervenção do público nos programas e o apoio à produção independente vêm crescendo – facilitados também pela utilização da internet como ambiente de diálogos e distribuição de conteúdo – a participação no financiamento parece ser mais dificultosa. Há resistências muito grandes dos indivíduos em assumir o que pareceria ser mais um encargo financeiro, tanto com as contribuições voluntárias, quanto com as cobranças compulsórias de taxas. Essa condição é deplorável, pois a participação direta do público no custeio das rádios e televisões públicas traria benefícios tanto para as emissoras, liberando-as da situação de dependência financeira exclusiva do estado, quanto para a própria sociedade, estreitando laços entre empresas públicas de radiodifusão e cidadãos, além de aumentar as exigências de accountability das emissoras.

O terceiro âmbito a se favorecer da participação da sociedade é o controle administrativo. A participação no controle administrativo pode ser colocada em um nível mais importante, pois visa produzir intervenções de cunho político-administrativo, regendo as decisões nos demais âmbitos. As iniciativas de criação de controle público na radiodifusão compreendem propostas como realização de audiências públicas e iniciativas civis como os advocacy groups. A criação de conselhos de empresas públicas de radiodifusão se encontra nesse espectro, mas se diferencia substancialmente das demais formas de intervenção. Ou

seja, os conselhos de emissoras reúnem algumas características que os tornam únicos quanto à participação da sociedade. São eles:

− Os conselhos são estruturas integradas às empresas de radiodifusão pública, logo, são permanentes e sua existência institucional é legitimada e reconhecida pelo estado e pelas próprias empresas;

− Essa institucionalização corresponde, por seu turno, à submissão a normas estabelecidas de forma transparente, que devem reger todos os procedimentos; − Um desses procedimentos é o método de seleção dos participantes.

Embora isso não assegure o equilíbrio de forças entre estado e sociedade (já que sua composição pode variar de um conselho para outro), a definição dos participantes pode evitar a auto-seleção e a possível limitação da participação àqueles grupos ou indivíduos que dispõem de mais recursos ou que são tradicionalmente engajados;

− Por fim, a participação no conselho é discursiva, o que requer a elaboração de argumentos e a justificação dos posicionamentos e políticas adotadas. Esse aspecto não é necessariamente prejudicado pela adoção de um caráter propositivo ou formativo, o que quer dizer que as discussões acontecem e que há ganhos para os envolvidos – independente se eles consistem na decisão de políticas ou apenas na formação da vontade e geração de consensos dos participantes.

6.2 RECURSOS TEÓRICOS EMPREGADOS PARA A ANÁLISE DO CONSELHO