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Capítulo II – MAGISTÉRIO

4. Instrução Geral ao Missal Romano

A Instrução Geral ao Missal Romano125 (IGMR) que agora é objeto da nossa leitura é mais um contributo dos frutos do Concílio e uma concretização prática do processo da reforma litúrgica. O Papa Paulo VI promulga-a a 3 de abril de 1969 com a Constituição Apostólica

Missale Romanum126. Nela encontramos uma vontade de manifestar não a rutura com a

tradição litúrgica mas como uma continuidade e fruto da vontade de muitos. “Não se pense, todavia, que esta reforma do Missal Romano tenha sido realizada de um momento para o outro. O caminho já vinha sendo preparado pelos progressos da ciência litúrgica ao longo destes últimos quatro séculos”127 Uma outra nota importante, a acolher de todo este processo da reforma litúrgica, encontramos no proémio da IGMR, no número 10, o qual trata de modo particular das adaptações às novas circunstâncias. “O novo Missal, se por um lado

testemunha a norma da lex orandi da Igreja Romana e salvaguarda o depósito da fé tal como nos foi transmitido pelos Concílios mais recentes, por outro lado significa também um passo de grande importância na tradição litúrgica. Embora os Padres do II Concílio Vaticano tenham reiterado as afirmações dogmáticas do Concílio de Trento, falavam contudo numa época da vida do mundo muito distante daquela, o que os levou a apresentar, no campo pastoral, resoluções e orientações impensáveis quatro séculos atrás”.

125 IGREJA CATÓLICA, Secretariado Nacional de Liturgia – Introdução Geral ao Missal Romano (IGMR). Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 1997.

126 IGREJA CATÓLICA, Secretariado Nacional de Liturgia – Constituição Apostólica «Missale Romanum».

In IGMR, p. 7-12.

127 IGREJA CATÓLICA, Secretariado Nacional de Liturgia – Constituição Apostólica «Missale Romanum».

No número 12128 da IGMR vemos espelhadas a intuição e a vontade da Igreja em se adaptar à realidade dos nossos dias. Porém, somos levados a questionar e pensar o que foi feito e o que está por fazer. Pensamos que este sonho da reforma, realizada nas formas, nos ritos, na língua, e por vezes nas atitudes, está longe de chegar à vida dos fiéis. A pergunta surge naturalmente, onde e o que fez parar este processo na vida dos fiéis?

A IGMR apresenta-se com a seguinte estrutura: um proémio e nove capítulos. Importa reter particularmente o V capítulo que trata da Disposição e adorno das igrejas para a

Celebração da Eucaristia. A IGMR apresenta ainda As normas gerais sobre o ano litúrgico e o calendário, composto por dois capítulos.

Na primeira parte do capítulo V, encontramos os princípios gerais que são o reforçar de tudo o quanto já dissemos e podemos observar nos documentos precedentes. No número 288 da IGMR somos confrontados com a necessidade de tomarmos real consciência de que “as igrejas e os lugares sagrados devem ser aptos para a conveniente realização da ação sagrada e para se conseguir a participação ativa dos fiéis. Além disso, os edifícios sagrados e os objetos destinados ao culto divino devem ser dignos e belos como sinais e símbolos das realidades celestes”129. A instrução referindo-se aos Princípios Gerais dedica alguns números sobre as artes e os artistas. Neles encontramos indicações úteis àqueles a quem se confia a nobre tarefa de plasmar as realidades da fé. Assim no número 289 vemos “a Igreja

recorre sempre à nobre ajuda das artes, e admite as formas de expressão artística próprias de cada povo ou região. Não só se empenha em conservar as obras de arte mas, na medida do possível, as adapta às novas necessidades, mas também se esforça por estimular a criação de novas formas, de acordo com a maneira de ser de cada época”. Neste número

vemos apresentada a realidade, talvez mais complexa de entender aos nossos fiéis. “Tanto na formação dos artistas como na escolha das obras de arte a admitir na igreja, deve procurar-se o valor artístico autêntico, que alimente a fé e a piedade e que, por outro lado, corresponda à verdade do seu significado e aos fins a que se destina”. Esta afirmação que é clara e de fácil entendimento, esbarra no concreto quando começamos a falar de custos, quando a imagem e o gosto ainda estão marcados e caracterizados por uma arte do passado ou mesmo a dificuldade de fazer entender que nem tudo serve. Neste âmbito vale a pena acolher o que é

128 “Precisamente com a finalidade de adaptar a Igreja às exigências do seu múnus apostólico em nossos dias, prestou fundamental atenção, […] à índole didática e pastoral da sagrada liturgia”.

dito no número 292 sobre a ornamentação, “deve tender mais para a simplicidade do que para a ostentação. Na escolha dos elementos decorativos, procure-se a verdade das coisas e o que contribua para a formação dos fiéis e para a dignidade de todo o lugar sagrado”. Estas considerações, que são verdade fácil de compreender, são difíceis de realizar. A formação, a consciência dos mistérios da fé e a simplicidade que a Igreja apresenta como necessários não são muitas vezes realidades naturais nos nossos fiéis o que verificamos que só conseguiremos atingir essa meta quando todos, num esforço conjunto, percorrermos esse caminho.

Foquemos doravante no modo de ver o espaço. As artes são efetivamente um contributo para a formalização do lugar para o Altar, ao mesmo tempo que percebemos o cuidado necessário a ter com outros elementos que a ele se ligam. Assim, no número 293 vemos: “uma conveniente disposição da igreja […] não diz apenas àquilo que diretamente se relaciona com a celebração […] mas também a tudo o que possa contribuir para a conveniente comodidade dos fiéis”. Por sua vez, no número 294 somos conduzidos a realizar na arquitetura do espaço a forma como a Igreja se organiza, “O povo de Deus […] tem uma estrutura orgânica e hierárquica […] o edifício sagrado, na sua disposição geral, deve reproduzir de algum modo a imagem da assembleia congregada”. Ainda que os lugares daqueles que exercem funções na liturgia devam estar bem definidos, estes devem simultaneamente exprimir “uma unidade íntima e orgânica que manifeste de modo claro a unidade de todo o povo santo”.

Na segunda parte, sobre a Disposição do presbitério para a celebração litúrgica, observemos as indicações para uma melhor formalização do lugar do Altar. O primeiro elemento é o de percebermos que o presbitério é o “lugar onde sobressai o Altar”, onde é feita a proclamação da Palavra, onde os ministros exercem as suas funções. Deve ser um espaço realmente distinto de todo o restante espaço da igreja (seja por uma elevação, ou pela sua estrutura ou ainda por um ornamento especial). Acresce a estas indicações a largueza do espaço para que as ações litúrgicas decorram conforme necessário, bem como a visibilidade que este deve ter para os fiéis130. O Altar é chamado a plasmar uma dupla realidade. As duas dimensões constituem-se como uma só. Por um lado, manifesta o sacrifício da cruz, por outro a mesa do Senhor. Diante destas duas ações realizadas por Cristo, evocamos o

Mistério Pascal de Cristo, o qual é sacramentalmente realizado pela Eucaristia. O Altar é neste sentido “centro de ação de graças” por nele ser celebrada a Eucaristia131. Os primeiros altares eram em madeira, a igreja assume a pedra como um material mais condizente, teologicamente falando, com o Mistério de Cristo. A este propósito recordemos A. Martimort: “O Altar é uma mesa de pedra consagrada que cobre um sepulcro que o

celebrante selou após ter colocado aí as relíquias de mártires. É bem uma mesa, pois que sobre ele se celebra a Eucaristia, instituída por Cristo no decurso duma refeição, com os próprios sinais da refeição, pão e vinho, e que tem em seu termo na comunhão; os primeiros altares foram também mesas portáteis de madeira. Mas seria dar provas de um arqueologismo justamente condenado por Pio XII, querer voltar a esta forma primitiva. A Igreja latina com o rodar dos tempos exigiu que a mesa fosse de pedra, para que se compreenda que também ela é altar e que a Eucaristia é sacrifício”132.

A IGMR ao dizer que no espaço sagrado a Eucaristia se realiza sobre o Altar manifesta o lugar único que este deve ser. A igreja deve ter um Altar fixo de modo a tornar clara e permanentemente que Cristo é Pedra Viva. Este deve ser construído afastado da parede de modo a permitir andar em torno dele e celebrar a Missa de frente para o povo. A sua localização deve ser o centro de convergência, centro da atenção de todos os fiéis133.

Partindo desta noção de Altar pretendemos chegar a uma intuição sobre o lugar e a presença que este deve ocupar ou ter. Diante do caminho feito queremos dizer que esse lugar e essa presença dependem em grande parte pela relação e caminho que os fiéis/crentes vão fazendo na tomada de consciência, seja pela compreensão, seja no modo como participam nos mistérios da liturgia. A arquitetura e as artes em muito podem ajudar a favorecer no caminho a ser percorrido, porém, ninguém pode substituir a relação pessoal a Cristo que a todos o Senhor nos pede como modo de estar. Referindo-se ao Altar fixo, a Igreja quer por costume, quer pela dimensão simbólica, diz que este deve ser de pedra natural. É, no entanto, permitida a utilização de outros materiais desde que sejam sólidos, dignos e artisticamente trabalhados134.

131 IGREJA CATÓLICA, Secretariado Nacional de Liturgia – IGMR, nº 296.

132 Cf. MARTIMORT, A. G. – A Igreja em Oração: Introdução à Liturgia. Braga: Ora & Labora, 1965, p. 204. 133 Cf. IGREJA CATÓLICA, Secretariado Nacional de Liturgia – IGMR, nº 297-299.

Os números 303 a 308 oferecem-nos algumas indicações sobre o que se deve colocar sobre o Altar. O que devemos guardar é a afirmação de que deve ser só um e isso deve manifestar na assembleia dos fiéis “que há um só Cristo e que a Eucaristia é só uma”. Esta indicação é também válida para as igrejas já edificadas. Quando “não se possa transferir sem detrimento dos valores artísticos, construa-se com arte outro Altar fixo, devidamente dedicado, e realizem-se apenas nele as celebrações sagradas”135. A instrução convida no número 308 à presença da cruz com o cruxificado (sobre ou junto do Altar) e que o mesmo seja bem visível mesmo fora das ações litúrgicas. A intenção é clara: “recordar aos fiéis a paixão salvadora do Senhor”. Sobre esta questão, parece-nos que muitas vezes a localização da cruz é mais fruto de uma questão pessoal daquele que celebra do que uma consciência litúrgica por parte da comunidade que também ali é chamada a celebrar.

Capítulo III – UMA LEITURA DO