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Capítulo IV – POÉTICA E FENOMENOLOGIA: leitura de três autores

2. Frédéric Debuyst

2.4 A Problemática do Altar – 3

F. Debuyst faz-nos avançar para uma reflexão sobre o lugar do Altar. Até aqui fomos conduzidos a percecionar o Altar como centro. Ele é “aquele que revela a identidade profunda, o destino íntimo”, “O altar adquire uma vocação de presença, reunião e comunhão”311. A sua localização, dimensão e expressividade são realidades que, como já vimos, fazem acontecer esta presença. F. Debuyst procura agora explorar as relações com os vários pólos litúrgicos; a partir das aquisições litúrgicas conciliares, há um espaço novo que é gerado. Melhor, os crentes percebem-se chamados a viver e celebrar a eucaristia como Cristo a realizou com os discípulos. Tal tarefa apresenta-se algo sempre difícil, pois os contextos das nossas assembleias são francamente em número diverso. A celebração que o pós-Concílio desafia a viver é a de beber duma intimidade de relação. A celebração versus

308 Cf. Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 2. In Chronique D’Art Sacré. Nº 2, p. 10-11. 309 Cf. Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 2. In Chronique D’Art Sacré. Nº 2, p. 11. 310 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 2. In Chronique D’Art Sacré. Nº 2, p. 13. 311 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 11.

populum é muito mais que um virar do presbítero de frente para o povo, é sobretudo levar a

comunidade e aquele que age in persona Christi a uma relação viva, de uma vida a circular como os membros num corpo. É nesta medida que passar o Altar para um lugar que seja centro da comunidade se torna verdadeiramente gerador de um mundo de relações humanas e com a vida que acontece nos diversos pólos litúrgicos (assembleia, batistério, ambão, presidência). Cada um destes espaços tem vida312. F Debuyst recorda o que inicialmente sucedeu neste contexto, do qual temos ainda hoje marcas: “ao princípio, o de frente para o

povo fosse entendido como cara a cara puramente frontal, com a rigidez que isso acarreta

[…] Chamamos a atenção para o obstáculo que é o quase sempre excessivo cumprimento do Altar”313.

Os obstáculos continuam quando os elementos que devem fazer florir se concentram sobre si próprios e não abrem ao Altar, permanecendo este como frontal\barreira para com a assembleia. “Luz e festa devem começar no Altar. Mas isso deve representar um suplemento de concentração e presença”314. O espaço ao redor do Altar é extremamente precioso. Fazer

respirar o Altar é essencial para a qualidade de presença. Por diversos motivos encontramos

um esquema dos pólos, tipo “prateleira de supermercado” – a imagem é esclarecedora. De repente, a lógica do movimento, do deambular, dos altos e baixos, do processo de aproximação e distância passam a realidades do passado, mas elas são em certa medida o que permitem tomar parte ativa na celebração. Quando se aplica o contexto do fast-food ao modo de celebrar e à organização do espaço, o que se ganha? A visibilidade em detrimento de uma participação ativa que parte da interioridade. A visibilidade em detrimento de um compromisso relacional. A visibilidade em detrimento da graça sacramental! Não se trata de

arrumar os espaços mas de criar um Genius Loci que leve cada um a habitar um

determinado espaço, a questionar-se, a entrar numa tal interioridade que seja levado ao encontro com o seu Senhor.

F. Debuyst apresenta como realidade a ter em conta para cumprir a tarefa de uma qualidade

de presença a necessidade de muito espaço; acresce ainda à dificuldade a barreira como os

próprios objetos são pensados e executados, uma vez que estes, quer material, quer artisticamente, acabam por se sobrepor ao primado do povo, impedindo o tão desejado clima

312 Cf. Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 11. 313 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 11. 314 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 11.

de reunião e de assembleia viva315. Avançando um pouco mais, torna-se claro que na elaboração de adequações litúrgicas é preciso ter em conta: “humildade, transparência, flexibilidade e mobilidade”316. Estas realidades parecem quase impossíveis de se atingir num mesmo plano, num mesmo espaço, num objeto. Esta tensão é, e será a forma que a linguagem permite expressar aquilo que corresponderá à construção de um novo espaço, que corresponda à experiência da Ceia do Senhor. Deus sempre se apresenta como mais e menos, como evidente e oculto. A arquitetura e as artes, percorrendo este filão, mais facilmente chegarão à experiência e, deste modo levam à qualidade de presença, ao interior das realidades simbólicas, colocando cada um diante da presença que significam. F. Debuyst aponta para uma arquitetura serva como aquela que realiza a tarefa do diálogo e proporciona a presença real de cada pólo. Partindo da assembleia consegue-se atingir a qualidade de presença e vida. Pensar o Altar – presença e lugar – passa pela relação de todos os pólos. Ele não existe para e por si / individualmente mas é um diálogo de relação317.

Olhando cada um dos pólos litúrgicos pode perceber-se o peso que cada um tem e deste modo as relações que devem ser estabelecidas com o Altar e naturalmente com espaço. A presidência não é a cátedra do bispo. O peso que esta deve exercer no espaço é a de permitir que aquele que preside seja visto e ouvido por todos. Colocando-se neste exercício de humildade, a presidência não tomará “uma posição dominante e um isolamento”318. O lugar do ambão transporta-nos para uma reflexão complexa. A sua fixação no espaço é diversa de outros tempos. A assembleia encontra-se como que presa aos bancos e às cadeiras. Elas trazem uma maior comodidade aos crentes; porém, a possibilidade de movimento, de aproximação, de envolver o ambão e mesmo o Altar torna-se uma experiência estática pela predefinição da forma da assembleia. Para F. Debuyst é claro: “ambão e Altar, a Palavra e a Eucaristia: temos aqui uma complementaridade indissolúvel, que dá aos fiéis a substância das suas vidas, a relação entre estes dois pólos que é importante privilegiar no coração de uma assembleia”319. Altar e ambão correspondem-se, vivem num diálogo relacional, porém cada um necessita da sua autonomia. Não são extensão um do outro, cada um deve procurar o seu peso, a sua qualidade de presença e deste modo dialogar com o espaço e entre si.

315 Cf. Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 11. 316 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 12. 317 Cf. Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 12. 318 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 12. 319 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 12.

Torna-se imperativo destacar uma nova imagem sobre o Altar. O Altar, a fim de expressar melhor o seu mistério de presença e de comunhão “deve estar suficientemente

comprometido com a assembleia para que essa realidade se torne tangível”320. O Altar é lugar de um contrato que o Senhor sempre realiza quando se celebra a Eucaristia. É memorial de um acontecimento ao qual se está vinculado pela graça da vida do Espírito que habita o cristão. O Altar manifesta o vínculo que o Senhor realizou, mas ao mesmo tempo recorda-lhe que faz parte desse vínculo, estando a Ele ligados pelo sangue derramado, pela vida nova, porque selou com a humanidade uma aliança, a qual se renova, se atualiza, se torna presente no Altar321.

F. Debuyst propõe muito resumidamente que o Santíssimo Sacramento seja colocado no fundo do espaço, relacionado com a cruz ou com o ícone. Tal lugar parece redutor e, no entender do caminho que vamos realizando no nosso trabalho, não surge como o lugar mais favorável. Ainda que possa favorecer uma axialidade, concentração do olhar e até uma convocação, no contexto celebrativo pode tornar-se um peso, dificultando a organização do espaço. O convite a ter um espaço recolhido convidará mais à intimidade e oração, favorecerá o encontro e a relação interior. O lugar do sacrário carece de uma maior reflexão. F. Debuyst finaliza este artigo com uma provocação/interrogação. “Existe realmente uma obrigação de usar um ambão ou um púlpito para a Palavra?”322 F. Debuyst destrói a ideia das duas mesas. Para ele o Altar é a mesa da Ceia, na qual tudo é recapitulado, incluindo a Palavra. Desvaloriza o lugar, um espaço edificado para o ambão. Faz coincidir o lugar do Altar com o lugar da proclamação. Diz: “Quando o Altar está algo integrado no movimento envolvente da assembleia, o seu lugar é francamente favorável à Palavra”323. Parece ousada esta afirmação, contudo, ela abre-nos a um novo entendimento deste lugar e da sua relação com o Altar. De certa forma unifica a Palavra à realidade do Altar, o lugar onde esta Palavra se faz carne.

Podemos considerar que, em última instancia, este artigo oferece uma chave de leitura para a localização dos pólos litúrgicos: trata-se do retorno à axialidade e da superação do funcionalismo litúrgico. F. Debuyst diz-nos: “Organizar toda a assembleia, e toda a ação

320 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 13. 321 Cf. Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 13. 322 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 13. 323 Debuyst, FRÉDÉRIC – La problématique de l’autel 3. In Chronique D’Art Sacré. Nº 3, p. 13.

litúrgica, ao mesmo tempo “ao longo do eixo central” e “em redor” dele não se apresenta tão difícil desde que o Altar seja colocado em seu lugar verdadeiro”324 O movimento axial organizado em função do Altar, centro da ação litúrgica, conduz ao pólo de contemplação. Estudar o tema específico da assembleia será o modo para melhor chegar a uma nova síntese destas realidades.