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Capítulo IV – POÉTICA E FENOMENOLOGIA: leitura de três autores

2. Frédéric Debuyst

2.6 O Altar: Obra de arte ou mistério de presença?

O último artigo que nos propomos analisar O Altar: Obra de arte ou mistério de presença?, corresponde a uma conferência proferida no Convénio realizado pela comunidade de Bose sobre o Altar. O artigo apresenta três partes. Num primeiro momento, F. Debuyst centra-se sobre a ideia do Altar como “Um mistério de presença”; depois analisa três casos que considera paradigmáticos, dizendo “Três exemplos de Altar, Três testemunhos de vida” e conclui com a questão “O altar como obra de Arte”. Acerca do primeiro tópico F. Debuyst, tomando a expressão “Mesa da Ceia do Senhor”, radica diretamente num mistério de presença envolvente e fraterna. Esta ideia força, que não é nova para nós, ganha uma força nova quando F. Debuyst associa um excerto de um texto de H. Kahlefeld (1903-1980)329. Nele ressaltam as seguintes ideias: Jesus reúne a comunidade messiânica, provê a todas as necessidades, a sua referência é um contexto doméstico, círculo restrito da fraternidade330. “Para seu memorial, o Senhor escolheu a estrutura vivente da refeição familiar festiva, cujo liturgo é o Pai de família e cujas formas já não dependem do culto principal do templo, mas se ligam a um contexto informal e mais próximo da vida”331. Nesta afirmação é-se desafiado a pensar que liturgia se realiza, o modo como se opera. Por vezes, esta parece não chegar à comunidade, parece não usar uma linguagem próxima! Uma linguagem capaz de introduzir os crentes no mistério celebrado.

A imagem da Ceia manifesta um acrescento ao nosso percurso. Simultaneamente íntima e aberta a uma família, Jesus aparece aí como é, infinitamente outro e particularmente próximo. Deste contexto da Páscoa, F. Debuyst manifesta que o Senhor Jesus escolhe elementos profundamente humanos – pão, vinho, comensais em redor da mesa, gesto de partilha332. Estes elementos exteriores tornam-se símbolos de um mistério interior, de uma presença. Neles o Senhor “inscreve o dom sacrificial da sua vida, o ato salvífico da sua morte e ressurreição”333. F. Debuyst sintetiza-nos esta mesa do Senhor como realidade rodeada desde o princípio por comensais, fiéis reunidos na paz de uma escuta e comunhão

329 Amigo e continuador da obra de Romano Guardini.

330 Cf. DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 29.

331 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 29.

332 Cf. DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 30.

333 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

profundas. Recordando Romano Guardini, o Altar, permanecendo objeto, será marcado por uma presença e pelo mistério pessoal de Cristo e, no seu simbolismo, tenderá a revestir-se de certas características – dignidade e integridade sem fissuras, mansidão e extrema discrição334.

“O Altar ergue-se ligeiro e imaculado sobre um campo azul, verde e branco. Sobre a mesa não há flores nem velas; tirando a tolha branca, nada há no Altar: este espera”335. A expressão “este espera” é extremamente reveladora do lugar e presença do Altar. Aguardar ansiando calmamente, imaginar o que virá, quem virá, traduzem-nos a atitude do Altar que permanece imóvel e ao mesmo tempo se apresenta como a rosa do Principezinho. O Altar tem esta missão de nos cativar, de nos predispor a uma relação, a um vínculo de cuidado, de ternura, da experiência da beleza do que nele se torna presente. Podemos dizer que a ação que nele se realiza se confunde com o seu próprio ser. Altar e vida nova, mesa da Ceia e dom de Si mesmo (sacrifício) são, pois, manifestações de uma única realidade – CRISTO. Nesta imagem o Altar aparece-nos aparentemente solitário; na verdade, vemo-lo todo aberto, disponível para o mistério que nele se realiza. Este ser solitário fala-nos da espera, do ser

encontrado como capacidade de instituir uma presença.

F. Debuyst convoca-nos a percecionar o espaço da igreja como uma espécie de grande sala

de cima. Esta imagem abre-nos a um mudo diverso de conceção do espaço e do modo como

os pólos e assembleia se relacionam entre si. Tudo ganha uma lógica de proximidade, de familiaridade, de simplicidade mas, simultaneamente, de grande cuidado. F. Debuyst denuncia a basílica como ponto de partida e modelo no imaginário da arquitetura que impede de pensar o lugar do Altar como naquela sala do andar de cima, a experiência da

domus-ecclesiae336.

Recuando no tempo, “o espaço paleo-cristão, bem como o medieval, não se orienta a partir de um diante nem de um detrás, mas de um centro337. F. Debuyst afirma a necessidade de

334 Cf. DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 30.

335 MEER, F. Van der - Sant’Agostino pastore d’anime. Roma: Paoline, 1971, p. 868. Cit. por DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare: Misterio di presenza,

opera dell’arte, p. 32.

336 Cf. DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 31.

337 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

“reapropriação de uma celebração de grande proximidade”338; esta ideia de reapropriação provoca uma reflexão sobre o nosso modo de celebrar atual. Faz-se como se todos entendessem, como se todos conhecessem a linguagem dos símbolos. Na verdade as pessoas sabem o que é o Altar, os vasos sagrados. Mas é tudo numa mera lógica significativa, coisificada, e não a experiência mesma da Ceia, da relação intima que o Senhor Jesus estabeleceu com os doze. A imagem de reapropriação parece-nos ser um dos filões a seguir rumo a uma participação ativa, realidade tão cara ao ML, ao II Concílio do Vaticano e mesmo ao sentir da comunidade que a deseja mas simultaneamente se sente impotente. A celebração de grande proximidade será a que se vive numa assembleia massificada?

A materialidade despojada do Altar torna-o tangível. F. Debuyst diz-nos que esta forma coloca o crente diante de uma presença que na sua sobriedade pode assumir um valor estético. Ao terminar a sua análise a três altares, falando da assembleia, F. Debuyst sublinha aspetos relevantes para olharmos o Altar na situação de conjunto339. Percecionar a assembleia em círculo aberto, comunidade de banquete, permite “conceber uma forma espacial em dois pólos, um harmonioso face a face entre Palavra e o Altar ao redor de um centro, por sua vez sempre mais ativo e acolhedor”; deste modo “Palavra e eucaristia podem ser hoje celebradas entre nós e no meio de nós mais do que diante de nós ou face a nós”340. F. Debuyst provoca a reflexão sobre “o altar como obra de arte”. Além de tudo o que já foi dito sobre as características e a simbólica, há um risco que não pode ser evitado: “A arte concebida em sentido pleno, na sua autonomia”341. F. Debuyst diz claramente: “o sentido e destino da arte é o de procurar tornar visível o invisível, mas para o Altar esta espécie de

epifania não parece destinada a ser bem-sucedida. Se formos excessivamente explícitos ou

demasiado tagarelas, se pensarmos poder exprimir tudo, arriscamo-nos a destruir o sinal sacramental e a perder a continuidade da presença e do mistério: isto é, a perder tudo”342. Torna-se evidente a tensão e o compromisso em que a arte se vê no campo da liturgia: o

338 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 33.

339 Cf. DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 34.

340 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 35.

341 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

Misterio di presenza, opera dell’arte, p. 36.

342 DEBUYST, Frédéric - L’altare: Opera d’arte o mistero di presenza?. In F. Bebuyst [et al.] - L’altare:

compromisso entre o fazer aparecer mas não se exibir, o ser mas não chamar para si a atenção, pois a única atenção que deve aparecer, ser revelada, é o próprio mistério plasmado no objeto. No fim deste percurso, F. Debuyst volta a uma expressão tão significativa e ao mesmo tempo objeto de aprofundamento contínuo, dizendo que “a mesa da Ceia do Senhor” implica “trazer de novo por um instante à memória a riqueza da experiência humana que nos vem das nossas famílias, o dom da hospitalidade e da convivialidade das nossas mesas” 343. Cada reflexão sobre o Altar deve ser a confirmação da imagem pascal, a mesa do Senhor, simples, festiva, unânime, sempre pronta a acolher cada um344.