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Capítulo III – UMA LEITURA DO RITUAL DA DEDICAÇÃO DO ALTAR

1. Noções preliminares

1.4 Lugar, Lugar Sagrado, Espaço Litúrgico

Para concluirmos esta etapa afigura-se inevitável falar do lugar, do lugar sagrado e do espaço litúrgico. Do que estes têm de diferente ou específico para o estudo do nosso trabalho.

Não sendo este o espaço para desenvolver a temática do génio do lugar, parece no entanto necessário considerar algumas características deste para o nosso estudo. Norberg-Schulz150 propõe fazer ”uma fenomenologia da arquitetura, isto é, constituiu uma teoria que inclui a arquitetura em termos concretos e existenciais. Mais do que uma obra abstrata, é necessário, segundo o autor, uma conceção qualitativa fenomenológica da arquitetura”151. Neste campo, Norberg-Schulz dá-nos algumas pistas sobre a necessidade que a pessoa tem de símbolos ou antes de uma obra de arte: “representam situações existenciais, uma vez que o conhecimento científico não é suficiente, o homem cria essas “concretizações” de situações existenciais. O propósito da obra de arte é “preservar” e transmitir esses significados”152. Pensar o Altar como lugar é olhá-lo num contexto de um espaço que reflete uma experiência existencial. Norberg-Schulz define este espaço como o lugar de relações fundamentais entre o homem e a realidade que o envolve153. Dois conceitos chave a termos presente são: “a arquitetura é a concretização do espaço existencial” a qual é explicada pelos conceitos reunião e coisa; o outro diz que, habitar é o objetivo da arquitetura, isto é, “o homem vive quando se consegue orientar num ambiente e se identifica com ele, ou simplesmente, quando experimenta o significado de um ambiente”154. O Altar insere-se num espaço, criando relações de convocação e envio em missão. Somos levados a olhar as nossas comunidades de fiéis e a perceber como é vivida esta dinâmica do espaço, como é que os elementos dispostos

149 Cf. MARTIMORT, A. G. – A Igreja em Oração: Introdução à Liturgia, p. 178-180.

150 Christian Norberg-Schulz foi um arquiteto norueguês, autor, educador e teórico da arquitetura. Norberg- Schulz fazia parte do Movimento Modernista na arquitetura e era associado à fenomenologia arquitetónica. 151 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. [Consultado a 24.01.2019]. Disponível em https://joseprg.wordpress.com/espaco-cristao/.

152 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. 153 Cf. GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. 154 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu.

interagem no fiel e o levam a fazer caminho de encontro com Cristo. Assim, aquilo que é pedido ao arquiteto, porque tarefa dele, é visualizar o genius loci: “criar lugares significativos que ajudem o homem a viver”155.

Nesta leitura do artigo Génio cristão do lugar, José Ribeiro apresenta-nos pistas para a compreensão do lugar do Altar. Sobre o génio do lugar e do sagrado, este “é construído como uma “totalidade viva”, onde a liturgia, a interioridade e a expressividade são uma só. Desta coerência intrínseca nasce o mistério cristão do lugar, a única possibilidade de tornar visível o sagrado”156. Na hora de projetar o Altar para a comunidade, que critérios estão presentes? Não podemos reduzir as questões apenas funcionais e normativas. Visibilizar o sagrado, contido no Altar, é mais que realizar um obra de arte, é “criar um lugar que expressa a essência do ser”157. Somos conduzidos nesta leitura a uma perceção de que a palavra “lugar”, ao contrário da palavra “espaço”, indica acima de tudo uma realidade, qualitativa, que tem as suas próprias características. O Altar como lugar que se institui no espaço litúrgico exige-nos a descoberta e perceção das características que lhe são próprias (memorial do Mistério Pascal de Cristo).

Numa leitura sobre Rudolf Schwarz, José Ribeiro diz: “a vocação da arquitetura religiosa

moderna é expressar – com os meios técnicos à sua disposição e a espiritualidade que a anima – uma imagem finalmente completa da ecclesia. É, portanto, uma questão de chegar a uma síntese autêntica entre o movimento axial e a forma “litúrgica” envolvente da assembleia em torno da Palavra e do Altar”158. Conclui dizendo que “o tema da

centralidade é o coração e a alma do “génio cristão do lugar” onde a hospitalidade viva é oferecida ao mistério vivo da liturgia”, que este “génio do lugar” é vulnerável e a “qualidade de presença” está exposta ao risco. “A precisão da luz (no limite da saturação e da “decoração”), a qualidade do solo e do mobiliário, o Altar e, claro, a verdade da celebração e os diferentes níveis de encontros vividos pela assembleia, todos contribuem para o caráter único e não intercambiável que se torna uma presença penetrada pelo Espírito, que já nos introduz no mundo sacramental”159. De todo este caminho ressalta uma certeza e uma experiência que “o mistério cristão do lugar é profundamente personalista”.

155 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. 156 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. 157 Cf. GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. 158 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu. 159 GOMES, José Ribeiro – Espaço cristão: Le génie Chrétien du lieu.

Para nós esta experiência refletida no Altar será aquela que melhor nos ajudará a tocar o lugar-presença que procuramos para o Altar.

Dedicamos agora o nosso estudo a olhar em particular aquilo que diz diretamente respeito ao espaço litúrgico. Partiremos de um outro artigo de José Ribeiro, Uma abordagem à teologia

do espaço litúrgico160. “O espaço litúrgico torna-se o lugar da “epifania” do Outro. Trata- se dum movimento do espaço para o lugar. O lugar duma pessoa ou duma “obra de arte” não é de imediato a sua posição no espaço, mas o que lhe permite “ter” lugar. O lugar reúne, recolhe, enquanto o espaço aponta para a dispersão. O lugar não é somente um posicionamento no espaço; para que ele se torne lugar, é necessário que ele seja uma espécie de ágora onde a comunidade humana se revela a si mesma pela palavra, a partilha, o culto e o “jogo”. Todo o lugar torna-se uma re-coleção e um recolhimento do espaço constituído por uma série de “dispositivos”. E todo o lugar torna-se um lugar de encontro”161. A perceção do lugar e do espaço neste contexto ajuda-nos a entender que a aquilo que é colocado nele não é um mero somatório de partes. Cada realidade, objetos litúrgicos, pessoas (ministros e fiéis), os gestos (atitudes e movimentos) nele realizados tornam aquele espaço um lugar de encontro. A criação deste espaço tem como prioridade dar resposta às relações verticais e horizontais que nele se realizam. Indo mais ao fundo, “o que

tornará com que este lugar seja “sagrado” é o exercício da liturgia que pede que este espaço seja “construído”, num lugar e num tempo, um espaço de relação a Deus – a relação à memória cristã, a relação aos outros e ao mundo no seguimento da Incarnação de Jesus. Este lugar litúrgico deverá criar o seu “espaço”, o qual é constituído pela tensão do próximo e do longínquo”162.

O espaço, e o próprio mistério da Incarnação do Verbo, dão-nos conta de que a matéria é a realidade que medeia uma experiência, “através das coisas materiais deste mundo, e não nelas, nasce a possibilidade de encontro com as realidades espirituais. Toda a Criação é uma teofania revelando-nos Deus”163. Como outrora no Antigo Testamento Deus manifestava-se

160 GOMES, José Ribeiro – O Concílio Vaticano II e a arte: uma abordagem à teologia do espaço litúrgico.

Humanística e Teologia. Porto: Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. Tomo XXXI,

Fasc. 2 (2010), p. 127-153.

161 GOMES, José Ribeiro – O Concílio Vaticano II e a arte: uma abordagem à teologia do espaço litúrgico.

Humanística e Teologia, p. 128.

162 GOMES, José Ribeiro – O Concílio Vaticano II e a arte: uma abordagem à teologia do espaço litúrgico.

Humanística e Teologia, p. 129.

163 GOMES, José Ribeiro – O Concílio Vaticano II e a arte: uma abordagem à teologia do espaço litúrgico.

por sinais (na nuvem, na sarça…) hoje somos desafiados a fazer essa mesma experiência. O mistério de Deus feito homem, feito carne, permite-nos ver o invisível, o inacessível torna-se acessível164.

Pensar o espaço é pensá-lo como “casa da Igreja”; por isso, nunca nos poderemos esquecer que os movimentos e ações que nele ocorrem são decorrentes da ação celebrativa. É pois necessário criar “espaço” efetivo para poder concretizar “com nobre simplicidade” o acontecimento central da fé – o Mistério Pascal de Cristo em favor dos Homens165. Quando José Ribeiro nos diz que “a casa dos cristãos terá de responder a uma “espiritualidade arquitetural” fundada numa espiritualidade eucarística em que o sacramento do Corpo de Cristo é dilatado em vista à edificação do Seu corpo que é a Igreja”166, encontramos linhas orientadoras para o espaço mas ao mesmo tempo um fio condutor que nos ajuda a percecionar a espiritualidade específica do Altar. Apresentamos os princípios para uma definição da teologia do espaço que José Ribeiro identifica: 1. A escuta da Palavra; 2. Conversão; 3. Memória; 4. Sacrifício; 5. Ação de Graças; 6. Presença de Cristo; 7. Comunhão e caridade; 8. Silêncio; 9. Adoração; 10. Alegria e 11. Missão.