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Interações entre leveduras

A grande diversidade de microrganismos e de suas atividades metabóli- cas são as razões de os microrganismos estarem envolvidos em tantos pro- cessos industriais. A compreensão dos efeitos das interações entre os mi- crorganismos é essencial para o melhoramento de um processo industrial. A convivência de leveduras diferentes em culturas mistas depende dos se- guintes fatores (De Almeida, 2011):

• interação entre elas (gênero e espécie);

• condições de fermentação (tipo de processo, alimentação, temperatu- ra, aeração);

• seu genoma e sua atividade metabólica; • resistência a estresses (térmico, alcoólico); • falta de nutrientes e presença de inibidores.

As interações entre os organismos podem ser do tipo: • predador/presa; • competição; • inquilinismo; • simbiose; • neutralismo; • comensalismo; • protocooperação; • amensalismo ou antagonismo.

Fatores determinantes da convivência entre leveduras

Diferentes espécies de leveduras provenientes da matéria-prima e/ou do próprio ambiente podem ser encontradas em um processo de fermen- tação. As variações em disponibilidade de oxigênio, temperatura e níveis de etanol produzido, bem como a acidez são fatores ambientais que deter- minam variações nas proporções das leveduras nos diferentes estágios do processo. As leveduras do gênero Hanseniaspora, Candida, Metschnikowia,

Pichia, Kluyveromyces, Issatchenkia, Dekerae e Schizosaccharomyces, podem sobreviver juntamente com a levedura Saccharomyces no mesmo ambiente

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por serem tolerantes ao etanol (Fleet; Heard, 1993). Leveduras do gênero

Hansienospora, Candida, Picchia e Metschnikowia predominam no início do mesmo processo de fermentação, mas logo deixam de predominar em função da capacidade de propagação maior da levedura Saccharomyces ce-

revisiae em fermentações espontâneas (ibidem).

As leveduras não Saccharomyces são, em geral, menos tolerantes a bai- xas concentrações de oxigênio. A multiplicação celular com consumo de oxigênio pela levedura Saccharomyces cerevisiae nos primeiros estágios da fermentação pode contribuir para letalidade precoce das leveduras selva- gens (Fleet, 2003).

A maioria de leveduras não Saccharomyces não tolera concentrações de etanol superiores a 5-7% (v/v) e isso explica o fato de perderem viabilidade quando a fermentação prossegue atingindo concentrações superiores de eta- nol (Heard; Fleet, 1988). No entanto, leveduras como Kloeckera apiculata,

Candida stellata, Candida cruzei, Candida pulcherima e Hansenula anomal têm sido encontradas em mosto de uva contendo até 15% (v/v) de etanol na faixa de 10°C a 15°C, mas reduções na viabilidade ocorrem quando a temperatura eleva-se a 30°C (Gao; Fleet, 1988; Heard; Fleet, 1988). Em fermentações a baixas temperaturas, algumas leveduras não Saccharomyces não perdem viabilidade quando o número de células permanece alto até o final do processo (Heard; Fleet, 1988).

Alguns estudos têm demonstrado que as linhagens comerciais competem com as selvagens, mas sem eliminá-las completamente e que a escolha da le- vedura starter gera populações diferenciadas de leveduras selvagens no meio (Egli et al., 1998). Em baixas temperaturas, algumas espécies de le veduras não Saccharomyces persistem no processo em proporção significante duran- te a fermentação (Heard; Fleet, 1988). Na verdade, a competição entre le- veduras depende das linhagens, das condições de implantação do processo e da matéria-prima utilizada, dependendo da presença de contaminantes e da disponibilidade de nutrientes. O uso de leveduras selecionadas seria bas- tante beneficiado com o desenvolvimento de técnicas genéticas e fisiológicas que pudessem claramente identificar os graus de dominância e permanência de leveduras diferentes e seus desempenhos fermentativos na população mi- crobiana. Isso possibilitaria o monitoramento do processo fermentativo em condições industriais e realização de intervenções quando necessárias.

Interações metabólicas entre leveduras

Os metabolitos excretados pelas leveduras parecem ser os principais determinantes das interações entre microrganismos, quer seja pelo au- mento na concentração de um determinado produto (por exemplo, glicerol ex terno, acetaldeído e etanol) ou assimilação do produto de um microrga- nismo por outros como é o caso da assimilação e metabolização de ácidos orgânicos fracos. Interações podem ocorrer entre diversos tipos de levedura ou entre bactérias e leveduras (Fleet, 2008). As interações mais conhecidas entre leveduras são aquelas relacionadas com a diminuição ou aumento de acidez, aumentos em glicerol externo e modulação de sabores em bebidas fermentadas (ibidem). A interação entre Turulaspora delbrueckii e Saccha-

romyces cerevisiae reduz a acidez volátil e os níveis de acetaldeído em vinhos (Bely et al., 2008). Já a levedura Schizosaccharomyces pombe reduz a acidez málica em culturas mistas quando convive com a levedura Saccharomyces

cerevisiae (Snow; Gallander, 1979). Em culturas mistas de Saccharomyces

cerevisiae e Issatchenkia orientalis, a diminuição da acidez málica também foi observada. Concentrações de 15-16 mg.mL-1 de ácido málico podem ser detectadas em mosto de uva (Kim et al., 2008). O aumento do glicerol foi observado em coculturas de Candida cantarelli e Saccharomyces cerevisiae (Toro; Vazquez, 2002).

As leveduras Saccharomyces cerevisiae e Candida tropicalis têm sido usa- das como starters na produção de tchapalo, um tipo de cerveja produzida a partir de mosto de sorgo, em cuja fermentação as duas leveduras interagem por meio de sinergismo (N’Guessan et al., 2010). A cultura pura de S. cere-

visiae produziu menos etanol que a cultura mista (1 parte de Saccharomyces

cerevisiae: 2 partes de Candida tropicalis) em fermentação a 35°C para a produção de tchapalo. Isso indica que ocorreu um sinergismo entre as duas leveduras em relação à produção de etanol. Interações entre bactérias e Sac-

charomyces cerevisiae também ocorrem em fermentações abertas ou realiza- das em ambientes não esterilizados (Temudo; Mato, 2009).

Em uma cocultura de Lactobacillus kefiranofaciens e S. cerevisiae, as cé- lulas de levedura consomem ácido lático, reduzindo sua concentração, en- quanto a velocidade de produção do kefir pelo Lactobacillus kefiranofaciens aumenta (Cheirsilp et al., 2003). Este polissacarídeo, constituído por uni- dades de galactose e glicose, tem sido empregado como espessante, estabi-

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lizante, emulsificante e, em função de sua atividade antitumoral, tem sido utilizado no combate a tumores. A quantidade de polissacarídeo secretado é maior em cultura mista indicando que o Saccharomyces cerevisiae estimula o crescimento da bactéria e a produção do polissacarídeo. Assim, duran- te a formação de kefir um sinergismo em relação ao crescimento tem sido observado.

As interações metabólicas entre leveduras em fabricação de etanol com- bustível são pouco conhecidas. Efeito sinergístico da temperatura e do eta- nol produzido (Aldiguier et al., 2004), bem como o sinergismo entre o pH e componentes do meio (por exemplo, sulfito e ácido lático) com efeitos sobre a produção de etanol estão descritos na literatura. No entanto, as inte- rações entre linhagens diferentes de levedura durante a produção de etanol combustível são ainda pouco conhecidas (Dorta et al., 2006).

Numa cocultura de Saccharomyces uvarum e uma linhagem híbrida natu- ral (híbrido entre segregantes do Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces

uvarum, proporção 1:1 no inóculo) observou-se alterações na velocida- de específica da produção de etanol, biomassa e formação de acetaldeído, quando comparadas com os dados obtidos em monoculturas (Cheraiti et al., 2005). A cultura pura da levedura híbrida Saccharomyces uvarum pro- duziu uma maior quantidade de acetaldeído e tudo indica que a associação entre o acetaldeído produzido pelas duas leveduras pode ter causado um aumento na velocidade específica da produção de etanol como observado na cultura mista. Apesar de tóxico, um nível baixo de acetaldeído estimula o crescimento de leveduras com redução da fase logarítmica de crescimento (Stanley et al., 1993). Em outra cultura mista contendo Saccharomyces ce-

revisiae e Saccharomyces uvarum em meio sintético (Favale et al., 2007), o

Saccharomyces uvarum tornou-se dominante na população de células em função de seu maior grau de multiplicação, bem como a excreção de níveis superiores de metabolitos secundários (por exemplo, glicerol e acetato). Os níveis de ácido pirúvico excretados também são uma característica da li- nhagem de levedura e podem dar informações que indicam o andamento do processo. Em produção de vinho, o nível de pirúvico alcança seu valor máximo no início da fermentação, enquanto o acetaldeído aumenta durante todo tempo e atinge seu valor máximo no final do processo fermentativo (Morata et al., 2003).

Inibição da atividade das células de levedura e seus