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Tecnologia de aplicação e inovações voltadas ao uso racional de defensivos agrícolas em

culturas destinadas à produção de bioenergia

Caio Antonio Carbonari, Edivaldo Domingues Velini, Ulisses Rocha Antuniassi

Introdução

A produção de energia a partir da biomassa vegetal é, à luz do conheci- mento atual, a alternativa mais viável para a substituição dos combustíveis fósseis. Nesse contexto, o Brasil apresenta destaque no cenário mundial com ampla produção de energia por fontes renováveis, com vasto uso de biomassas vegetais. Entre as fontes de energia primária no Brasil, destacam- -se os produtos provenientes da cana-de-açúcar e a lenha, respectivamente responsáveis por 18,8% e 10,2% da energia primária brasileira (Empresa de Pesquisa Energética, 2010). Assim, as culturas da cana-de-açúcar e do eucalipto, que é a principal espécie florestal plantada no Brasil, destacam- -se no país como culturas de grande importância quanto à produção de bio- energia.

A cana-de-açúcar sobressai como uma das culturas mais notáveis do país, produzindo matéria-prima para a indústria sucroalcooleira e cogera- ção de energia elétrica. O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de- -açúcar, com uma área plantada de aproximadamente 8 milhões de ha, sen- do 4,35 milhões de ha somente no estado de São Paulo (Companhia Nacio- nal de Abastecimento – Conab, 2011). Essa área representa um aumento de 8,4% do obtido na safra passada, ou seja, uma quantidade de 674 mil hectares adicionais da cultura.

A agroindústria canavieira está plenamente implantada e em expansão no Brasil. Nas últimas décadas, a indústria canavieira tem demonstrado grande capacidade de agregar valor a coprodutos do álcool e do açúcar, como a vinhaça (como fertilizante), a torta de filtro, o bagaço (matéria- -prima industrial, alimentação animal e geração de energia) e a palhada (ge- ração de energia). A tendência para os próximos anos é que cada unidade industrial destinada à transformação da cana produza, além do açúcar e do álcool, energia, créditos de carbono e um grande número de matérias-pri- mas industriais.

A palhada é o coproduto mais recente da cultura e a sua acumulação no campo foi desencadeada pela alteração do método de colheita. A colheita mecanizada da cana sem queima da palha deu origem a um novo sistema de produção denominado de cana crua. A colheita tradicional com queima da palha deverá estar extinta em futuro próximo, em função de pressões ambientais e trabalhistas. O sistema de cana crua já é utilizado de maneira predominante nos canaviais do estado de São. As bases para o uso da pa- lhada para a produção de energia ou para fins industriais ainda estão sendo criadas. Esse resíduo normalmente supera 10t ha-1 de biomassa no campo, justificando os esforços para o seu uso.

Do mesmo modo, o plantio de eucalipto assume grande importância na- cional pela geração de matéria-prima para a indústria e geração de energia. De acordo com ABRAF (2010), 56% (2.534.240 ha) das áreas com florestas plantadas de eucalipto no Brasil se localizam na região Sudeste, com des- taque para o estado de Minas Gerais (1.300.000 ha) seguido por São Paulo (1.029.670 ha), respectivamente, com participações de 29% e 23% do total do país. A expansão de ambas as culturas ocorre em áreas ocupadas ante- riormente por outras culturas, menos rentáveis, particularmente em peque- nas propriedades, assim como em áreas recém-desmatadas.

Outras duas culturas de grande destaque em termos de produção de bio- energia são a soja e o milho. O óleo de soja é utilizado na produção de 86% do biodiesel consumido no Brasil (ANP, 2011). Desde o início de 2010, o biodiesel é adicionado ao óleo diesel na proporção de 5% em todo o terri- tório nacional. O milho constitui a base para o programa de produção de etanol nos EUA, o maior produtor mundial desse combustível.

As quatro culturas citadas, cana, eucalipto, soja e milho são as de maior relevância para a produção de bioenergia no Brasil (as três primeiras) e no

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mundo. Culturas como beterraba açucareira, mamona, dendê, girassol, pinhão-manso, canola são também importantes em termos de Brasil e de mundo, mas em um nível inferior às quatro destacadas neste texto.

Algumas críticas à produção de bioenergia são recorrentes. A primei- ra delas refere-se ao fato das culturas produtoras de energia, competirem em área e recursos com cultivos produtores de alimentos. Esse risco de fato existe, mas é minimizado quando a cultura em questão permite o uso com mais de uma finalidade como é o caso da soja e do milho. No caso dessas duas culturas, apenas parte dos grãos é utilizada na produção de combustí- veis, sendo que o restante é destinado à produção de alimentos destinados a animais, principalmente. Na medida em que o cultivo de ambas para a produção de energia é estimulado, a produção de alimentos é, na mesma medida, beneficiada.

Quanto à cana-de-açúcar, praticamente toda a biomassa é destinada à produção de energia havendo as seguintes possibilidades principais: 1) ener- gia metabólica a partir da sacarose; 2) etanol a partir da sacarose; 3) etanol de segunda geração produzido a partir do bagaço e de outros resíduos como a palhada; 4) geração de energia elétrica a partir do bagaço e da palhada. Quando da renovação da cultura (da ordem de 15% ao ano), é comum a ro- tação da cana com culturas anuais como amendoim e soja, havendo a possi- bilidade de produzir alimentos em áreas tradicionalmente cultivadas com a espécie.

No caso do eucalipto, os sistemas de integração pastagem, lavoura e pecuária são alternativas promissoras para a produção de madeira de modo harmonioso com a produção de alimentos, mas são sistemas cujo desen- volvimento ainda demanda intensa atividade de pesquisa para otimizá-los. O eucalipto é a alternativa mais eficiente para a produção de lenha, que já corresponde a 10,2% da matriz energética brasileira (Empresa de Pesquisa Energética, 2010) e cresce a sua utilização na produção de energia elétri- ca. Nesse último caso, o maior desafio corresponde ao desenvolvimento de sistemas de cultivo e de colheita voltados a essa nova utilização da cultura.

Outra crítica frequente à produção de bioenergia refere-se à elevada de- manda de insumos e outros recursos necessários à produção da biomassa com esse fim. O primeiro fator de produção sempre mencionado é a água. De fato, a preocupação se justifica quando se considera que mais de dois terços de toda a água consumida pela humanidade é utilizada para abastecer

sistemas de irrigação. Nesse aspecto, os sistemas de produção de soja, mi- lho, cana e eucalipto, desenvolvidos no Brasil são bastante eficientes, pois a grande maioria das áreas cultivadas são áreas de sequeiro, ou seja, sem irrigação. Em outros países, o uso de irrigação em soja e milho, principal- mente, é bastante frequente, justificando a preocupação apresentada.

O aumento do uso de fertilizantes para produzir bioenergia também é uma grande preocupação em função da possibilidade da exaustão das ro- chas e fontes de energia utilizadas na sua produção . Nesse aspecto, os sis- temas de produção em uso no Brasil também são modelos de eficiência. Praticamente todos os produtores de soja lançam mão de fixadores simbió- ticos de nitrogênio inoculados nas sementes das culturas e que praticamen- te dispensam o uso desses fertilizantes na cultura. Em cana, o uso de ferti- lizantes tem sido minimizado pelo retorno da grande maioria dos resíduos como vinhaça e torta, ao campo, reduzindo a necessidade de adubação da cultura.

Em eucalipto, vem sendo muito bem-sucedido o melhoramento ge- nético da cultura, associado à clonagem dos melhores genótipos, que tem permitido a obtenção de clones mais produtivos, rústicos e com menor de- manda de nutrientes por tonelada de madeira produzida. Apesar do grande esforço feito pelas instituições de pesquisa, pelas indústrias de fertilizantes e pelos produtores, o Brasil ainda importa cerca de 25%, 50% e 90% de todo o nitrogênio, fósforo e potássio consumidos para fins agrícolas. Talvez seja esse o ponto de maior vulnerabilidade de nossa produção agropecuária; não há como mantê-la sem a importação de fertilizantes.

Outra crítica recorrente ao uso dessas quatro culturas agrícolas na pro- dução de bioenergia refere-se ao uso de defensivos agrícolas com possíveis efeitos negativos sobre a qualidade dos produtos obtidos e, principalmente, sobre o meio ambiente. É sobre esse tema que versará este texto.

Os defensivos agrícolas desempenham um papel de grande importância na agricultura, contribuindo para redução dos agentes nocivos e aumen- to na produção e qualidade dos produtos agrícolas, desde que aplicados de maneira racional, evitando-se a contaminação do solo e da água, os danos à saúde humana e animal e o surgimento de pragas, plantas e patógenos resistentes (Cunha et al., 2003). Em termos de valores despendidos com defensivos agrícolas, as informações podem sofrer alterações a cada safra, mas as participações das três principais classes de produtos (herbicidas, in-

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seticidas e fungicidas) têm se mantido próximas a 40%, 30% e 15% respecti- vamente. Em termos de culturas, as participações da soja, milho e cana têm sido próximas a 45%, 12% e 8% respectivamente. Uma quarta cultura de grande destaque é a do algodão com participação no mercado similar à da cana-de-açúcar. Não foram encontradas informações sobre o mercado total de defensivos agrícolas na cultura do eucalipto.

As culturas da soja e milho têm se mantido em posição de destaque no uso de defensivos agrícolas em função dos seguintes fatores: 1) da área total de cultivo; 2) da extensão das áreas cultivadas na maioria dos países, em regiões do Brasil e em sistemas de produção, dificultando o uso do contro- le manual, por exemplo; 3) amplo uso do plantio-direto (predominante no Brasil), inviabilizando o uso do cultivo mecânico; 4) aumento do número de aplicações de herbicidas em função da elevada utilização de linhagens transgênicas que são resistentes a herbicidas de pós-emergência sem efei- to residual (exemplos: glyphosate e glufosinate); 5) presença de plantas daninhas resistentes a herbicidas. Especificamente para a soja, destaca-se a recente introdução no Brasil da ferrugem asiática, causada pelo fungo

Phakopsora pachyrhizi, que pode reduzir drasticamente a produtividade da cultura se não forem adotadas medidas de controle.

Em cana-de-açúcar, há amplo predomínio dos herbicidas na composi- ção do mercado total de defensivos agrícolas, mas também são comuns as aplicações de inseticidas no combate de pragas e de maturadores. No caso dos maturadores, a aplicação tem sido feita com o emprego de aeronaves e vários dos compostos utilizados têm também ação como herbicida (exem- plos: glyphosate; sulfometuron-metil e fluazifop-p-butil). Especificamen- te quanto aos herbicidas, predominam os produtos aplicados em pré-emer- gência ou pós-emergência com efeito residual no solo para que o controle de plantas daninhas possa ser feito por períodos que podem ultrapassar 180 dias. Em pós-emergência, além da aplicação dos maturadores, há as aplica- ções localizadas (catação química) e as aplicações de glyphosate direciona- das à às folhas da cana para eliminação das soqueiras quando da renovação ou substituição da cultura.

Quando são aplicados herbicidas com ação de pré-emergência, o alvo preferencial pode ser o solo ou a palhada. As aplicações sobre a palhada têm predominado em função das restrições à queimada da cultura antes da co- lheita e do uso crescente do sistema de colheita mecanizada. Em áreas de

cana colhida crua, sem queima das folhas, a quantidade de palha que per- manece sobre o solo pode ultrapassar a 10 t ha-1, e esta camada de resíduo in- terfere de modo decisivo na dinâmica e persistência de herbicidas, de outros defensivos e de fertilizantes nas áreas de produção. Segundo as informações referentes a 2009, o mercado de defensivos agrícolas em cana-de-açúcar movimentou US$ 768,4 milhões (9,5% das vendas no país), sendo que, des- se total, 73,5% foram gastos com herbicidas, 22,8% com inseticidas e 3,7% com fungicidas (Souza; Macedo, 2009).

Em eucalipto, também predomina amplamente o uso de herbicidas, com destaque para o glyphosate, que tem como principal modalidade de uso, a aplicação direcionada às plantas daninhas para que não intoxique a cultura. O glyphosate também pode ser aplicado previamente à colheita para melhorar as condições de trabalho para os envolvidos nessa operação, na desinfestação inicial das áreas antes do plantio da cultura e na própria eliminação da cultura (aplicado às rebrotas ou diretamente ao toco). Outros exemplos de herbicidas de amplo uso na cultura são: sulfentrazone, isoxa- flutole e flumioxazin. Nos últimos anos, a ocorrência de pragas e doenças também tem levado à necessidade de uso de inseticidas e fungicidas nas áreas de produção da cultura, além dos viveiros de produção de mudas.