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O uso de leveduras selecionadas e variações na população de células ao longo da fermentação

A produção de etanol em nosso país teve início com o uso de leveduras de panificação como inóculo. No entanto, os avanços na produção de eta- nol combustível foram alcançados com base nos estudos e práticas bem- -sucedidas na fabricação de bebidas, sobretudo na produção de vinhos.

A maioria das leveduras comerciais destinadas à fabricação de vinhos apresenta as seguintes características: desempenho fermentativo, tolerân- cia ao etanol produzido, níveis reduzidos de metabolitos indesejáveis e au- mento nos níveis dos metabolitos desejados (Cordero-Bueso et al., 2011). Uma grande variedade de linhagens de leveduras melhoradas, resultantes do uso de técnicas da engenharia genética, está disponível para utilização industrial, desde que o produtor vislumbre lucros sem nenhum impacto negativo sobre o ambiente e consumo de produtos por humanos (fonte de vitaminas) e animais (ração).

Leveduras secas ativas

Atualmente, a maioria das vinícolas utiliza leveduras secas ativas que permitem fermentações rápidas e reduzem os riscos de ocorrência de fer- mentações lentas (sluggish fermentation) ou interrupção do processo (stuck

fermentation). A dificuldade da implantação de uma levedura seca ativa em um processo tem sido atribuída à etapa de secagem e a longos períodos de

reidratação (Henschke, 1991). O tempo necessário para o início da fermen- tação ou partida do processo dependerá da viabilidade celular e outros fato- res, tais como as condições de estocagem do fermento, o estágio da reidra- tação e características do mosto (ibidem). Após os estágios da reidratação e propagação, nos quais a levedura seca ativa é suposta a se recuperar das perdas ocorridas durante o processo de secagem, é fundamental que as cé- lulas reidratadas sejam capazes de fermentar eficientemente.

Leveduras selecionadas para a produção de etanol combustível

A partir da década de 1990, as destilarias brasileiras passaram a utilizar linhagens de levedura S. cerevisiae selecionadas entre os isolados, obtidas ao longo do processo fermentativo. A primeira levedura a ser usada indus- trialmente como starter foi a linhagem IZ-1904, do Departamento de Bio- logia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), em Piracicaba (SP).

Um dos primeiros trabalhos exaustivos de isolamento e construção de linhagens de leveduras utilizando isolados de destilarias foi realizado em nosso laboratório nos períodos de 1985 a 1987 (Fundo de Incentivo à Pesquisa Técnico-Científica do Banco do Brasil, Convênio Unesp/Fi- pec n.1/1377-4) e de 1989 a 1992 (Fundação Banco do Brasil, Convênio Unesp-FBB n.10/1078-2). Embora o repasse dessas leveduras para a escala industrial de produção de etanol não tenha ocorrido por falta de interesse do setor alcooleiro na época, várias publicações resultaram desses traba- lhos (Peres et al., 2001; Sousa et al., 2001). Por fim, estas leveduras foram avaliadas, quanto ao uso em panificação graças ao interesse da produtora de fermentos “Produtos Alimentícios Fleischmann & Royal Ltda.”. Levedu- ras capazes de fermentar dextrina com alto rendimento alcoólico e secretar enzimas com atividade amilolítica também foram obtidas (Laluce et al., 1988) e algumas das leveduras isoladas também mostraram alta capacidade de flotação (Sousa et al., 2001). As leveduras que apresentaram o fenômeno da flotação mostraram grande atividade fermentativa e suas células perma- neceram dispersas no meio até o final da produção de etanol. Estas células dispersas no meio de cultivo só foram posteriormente separadas por meio da injeção de ar na cultura (Palmieri et al.,1996).

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Outros pesquisadores também realizaram trabalhos sobre o isolamen- to de leveduras e muitas delas têm se mostrado boas leveduras starters no processo de fermentação do melaço ou xarope. Linhagens de leveduras de diferentes origens (linhagens TA, BG1, CR1, SA1, M26, Y-904, PE- 2, PE-5, VR-1. BR-1, BR-2, ME-2, VR-2, MA-3, MA-4, CAT-1 CB-1, NR-1,BT-1, AL-1) foram avaliadas quanto a permanência (% ou propor- ção da levedura starter com menor capacidade de competir frente às le- veduras selvagens no final da safra de produção de etanol) e prevalência ou dominância (% ou proporção da levedura starter com maior capaci- dade de competir frente às outras leveduras) em escala industrial, sendo que a linhagem PE-2 se destacou pelos resultados quanto à permanência (58% ± 4,1) e a prevalência (54% ± 5,2) no processo (Basso et al., 2008). A levedura BG-1 apresenta uma prevalência maior (65% ± 4,8), mas a sua permanência é menor (42% ± 5,1). Por outro lado, a linhagem BG-1 re- quer mecanismos que reduzem a assimilação de açúcares quando a tem- peratura se eleva, evitando perdas em viabilidade (Souza et al., 2007b). Desta forma, os requisitos de uma boa linhagem industrial para a produ- ção de etanol combustível são um bom desempenho fermentativo, a ma- nutenção de alta viabilidade, a produção de níveis reduzidos de glicerol externo e espuma durante ciclos sucessivos de fermentação (Basso et al., 2008).

Uso de mais de uma levedura como inóculo

Há controvérsias quanto às vantagens do uso de mais de uma linhagem de levedura na partida de um processo ou mesmo quando inoculadas em sequência durante a fermentação. Experiências têm mostrado que o uso de leveduras comerciais selecionadas não garante a uniformidade do produto final (por exemplo, manutenção de sabor e aroma em vinhos) e também não assegura a implantação destas leveduras no processo (Capece et al., 2010). Em algumas amostras de mosto de uva, estes mesmos autores observaram que o grau de implantação de duas linhagens selecionadas foi baixo. Isso foi atribuído a diferenças na capacidade de essas leveduras tornarem-se domi- nantes na microflora presente no mosto, bem como as flutuações na diver- sidade dos contaminantes ao longo do processo.

Permanência e prevalência de leveduras em um processo Alguns fatores determinantes da sobrevivência e predominância de uma levedura no início do processo de fermentação são os seguintes (Barrajón et al., 2010):

• disponibilidade de hidratos de carbono de reserva; • disponibilidade e tipos de fonte de nitrogênio; • nível de leveduras selvagens; e

• quantidade da levedura starter utilizada como inóculo.

Os teores de trealose indicam o grau de robustez dos inóculos. Apesar da quantidade alta da trealose intracelular das leveduras comerciais, há evi- dências de que estas podem apresentar um grau menor de vitalidade (ati- vidade biológica) no processo e menor grau de implantação (ibidem). Se- gundo estes autores, a exigência por aminoácidos depende da linhagem de levedura. Em geral, as leveduras comerciais consomem mais aminoácidos que leveduras recém-propagadas ou selvagens.

O grau de dominância das leveduras inoculadas depende das condi- ções do processo (variáveis físicas do ambiente e/ou estado nutricional da matéria-prima). A ideia de que a dominância de uma levedura selvagem diminui à medida que a levedura starter passa a dominar no processo é também controversa. O meio diferencial WLN (Wallerstein Laboratories Nutrient Agar) é o mais utilizado para monitorar as variações que ocor- rem na população de leveduras durante o processo de fermentação, tanto em fabricação de bebidas (Powell; Diacetis, 2007) quanto em fabricação de etanol combustível. A persistência das leveduras starters selecionadas para partida de um processo de fermentação (detectada pela análise dos perfis cromossômicos e/ou análise do mtDNA) e a influência dessas leveduras sobre a condução da fermentação tem sido bastante estudada na fabrica- ção de vinhos (Querol et al.,1992; Cordero-Bueso et al., 2011). Em alguns casos, linhagens de Saccharomyces cerevisiae não são capazes de compe- tir com sucesso frente às leveduras selvagens do mosto de vinho e, assim, não podem se tornar dominantes em uma população de leveduras (Que- rol et al., 1992). Nas fermentações espontâneas, a dominância da levedura

Saccharomyces cerevisiae na população varia com a vinícola (Santamaría et al., 2005).

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Dinâmica populacional

Independentemente do inóculo ou starters usados, outras leveduras podem se originar de espécies contaminantes presentes no processo de fermentação, como indicado pela diversidade das linhagens de leveduras identificadas durante a fermentação de mostos de vinho (Fleet, 2008). Esta diversidade representa um desafio para a condução e controle de um pro- cesso industrial. A adaptação evolutiva é um fator determinante no apareci- mento de leveduras diferentes durante o processo de fermentação. Mutan- tes isolados de mosto de uva mostram alterações na excreção de metabolitos secundários após 350 gerações (McBryde et al., 2006).

Mudanças ambientais podem reduzir grupos de leveduras em uma popu- lação mista e isso parece acontecer sempre que as velocidades das mudanças ambientais excedem a capacidade de populações diferentes persistirem e/ ou manterem graus significativos de dominância durante o processo (Bell; Gonzales, 2011). As mutações dependem do tipo e grau de estresse, bem como do grau de adaptação das células de leveduras. Parece que a evolução dinâmica afeta tanto a persistência quanto a diversidade de espécies que surgem em ambientes desfavoráveis. Em condições de estresse, mutações benéficas podem ocorrer para minimizar os efeitos das condições adversas do ambiente (ibidem). Usando-se a técnica do PCR-fingerprinting, isolados obtidos durante a operação do processo, ao longo de meses de fermentação do melaço, foram identificados como variantes genéticos que dominaram a população de leveduras por terem adquirido um nível mais elevado de adaptação ao processo (Da Silva Filho et al., 2005).

A teoria da renovação genômica foi proposta para explicar os aumen- tos na diversidade de linhagens de levedura que surgem durante o processo de fermentação, sendo estes aumentos atribuídos à evolução dinâmica da população de leveduras. A diversidade populacional depende da propor- ção dos microrganismos, da conversão de heterozigoto em homozigoto e da formação de haploides que dão origem a híbridos intra- e interespecíficos (Mortimer, 2000). Uma levedura híbrida foi inoculada em um fermentador contínuo de cinco estágios operando em temperaturas crescentes (Souza et al., 2007a). Os seguintes tipos de isolados foram obtidos deste sistema quando o mesmo encontrava-se em operação na faixa de 39°C a 47°C:

• isolados haploides com ou sem marcas de auxotrofia da levedura star-

ter ou marcas de auxotrofia novas;

• isolados, mostrando reações de cruzamento positivas ou negativas (mating type), com ou sem marcas de auxotrofia da levedura híbrida usada como inóculo. As características genéticas destes isolados indi- cam a ocorrência da renovação genômica induzida por temperaturas altas neste tipo de sistema de fermentação. Por outro lado, a utiliza- ção de uma levedura, cujo caráter killer foi codificado por dois genes dominantes localizados em cromossomos diferentes, foi usada como

starter e dominou no mosto de uva até o final da fermentação (Goto et al., 1992).

Populações microbianas diferentes desenvolvem-se ao longo de fermen- tações abertas industriais. Os métodos moleculares de acompanhamento da dinâmica populacional são dispendiosos, requerem tempos longos e técnicos especializados, mesmo quando a técnica da PFGE (Pulsed Field

Gel Electrophoresis) é usada (Ivey; Phister, 2011). Os métodos moleculares diretos (análise dos ácidos nucleicos totais das amostras) são recomendados para identificação do perfil das populações mistas. No entanto, as técnicas diretas são mais rápidas e podem identificar organismos em nível de gênero e, eventualmente, em nível de espécie (ibidem). Os métodos diretos (iden- tificação de colônias isoladas) parecem interessantes para a identificação de espécies de leveduras em populações mistas.

Os estados fisiológicos e a atividade fermentativa