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3.2 JAIME BUNDA, AGENTE SECRETO: OBJETIVOS E MÉTODOS DE ESTUDO

3.2.8 Jaime Bunda e o caso do romance policial

Então, Jaime Bunda se sentiu num momento perfeito, particularmente feliz. Agora sim, agora estava verdadeiramente dentro de uma estória de James Ellroy.

Pepetela

Após os estudos até aqui realizados, retomamos a questão do pertencimento ou não de Jaime Bunda, agente secreto ao gênero policial.

Para responder a essa dificuldade teórica, buscaremos inventariar os principais argumentos comentados anteriormente a respeito deste ponto: os que dizem respeito à estrutura da narrativa, os relacionados com a atuação da personagem-detetive, e os referentes ao enredo, no que diz respeito aos temas e ambientação da obra.

Comoà i osà aà seç oà Enredos, desenredos e mistérios: anotações de leitura ,à aà estrutura narrativa da obra aqui focalizada é construída em seis partes principais, que seriam osà li osà dosà uat o à a ado es,à aisà oà p logoà eà oà epílogo,à osà doisà últi osà aà a go da i st iaà a ati aà de o i adaà ozà doà auto ,à ueà te à oà pode à deà o o a à eà su stitui à narradores, bem como de se introduzir nas narrativas de seus narradores, comentando-lhes o curso, estilo, defeitos, ritmo e escolhas ficcionais.

Tal estrutura narrativa, de constante agenciamento de narradores por um autor, de seus comentários, arrependimentos e dispensas, semelhante procedimento metaficcional, ao expor o mecanismo construtivo da obra, provoca, de imediato, distanciamento crítico entre a matéria narrada e seu receptor, efetuando rupturas no desenrolar do sonho ficcional, quebrando as regras do gênero e as expectativas do leitor. Não é recurso usual nas narrativas policiais convencionais, seja na vertente de enigma ou clássica, seja na variante

noir, na de espionagem, ou nas demais modalidades do gênero. Oà o a eà poli ialà po à

e el iaà oà à a ueleà ueà t a sg ideà asà eg asà doà g e o,à asà oà ueà aà elasà seà adapta à (TODOROV, 2004, p. 95), lemos num célebre ensaio sobre a tipologia do policial.

O segundo aspecto é o da atuação da personagem principal: como é Jaime Bunda enquanto detetive?

Conforme comentamos e à O cérebro e a bunda de um detetive: investigando

Jaime Bunda ,à ossaàpe so age à àt atadaàpa di aàeài o i a e teàpo àseuàauto à a uelesà traços mais gerais de sua composição [incluídos aqui a bunda, o nome, a origem, a trajetória e as pretensões (considerar-se detetive cerebral, por exemplo, mas não agir de acordo com

esta autoavaliação)]; como também, ao entrar em ação, atuar na contramão dos detetives canônicos do gênero policial.

Jaime não resolveu o caso para o qual foi inicialmente designado.

Tal feito foi realizado pela ação conjunta de Kinanga e Dona Filó por procedimentos não admitidos nas convenções do gênero policial, pois estas não aceitam a presença do fantástico ou maravilhoso como método de investigação. Nosso detetive também não conseguirá implicar o senhor T como o mandante do crime contra a economia angolana.

Jai eà Bu da,à po ta to,à oà à i falí elà eà e à i à esta ele e à aà o de à ue adaà pelo crime, como o fariam os detetives da corrente de enigma ou de espionagem. No entanto acredita, como aqueles, que tal é possível.

Não é Jaime o homem de ação violento e cínico do noir, embora o mundo em que circule seja tão gritantemente distópico quanto aquele.

Essa disparidade na construção de Jaime Bunda enquanto detetive, como observamos anteriormente, nos propõe uma equação que não fecha em termos dos paradigmas dos detetives do gênero policial.

Os traços de detetive de enigma e noir/hard-boiled que se cruzam um tanto despropositadamente na personagem Jaime Bunda e em diversos lances da narrativa protagonizados por ela antes parecem ser efeito da superposição que a personagem efetua em si mesma dos traços dos detetives dos livros e filmes que tanto admira. Nem detetive de enigma nem superagente secreto nem detetive hard-boiled, Jaime Bunda é uma colagem de suasà leitu asà fa o itas,à u à deteti eà i te te tualà i i oà pa di o à pa aà u ha osà u à palavrão), mas sem, no entanto, ter o desempenho como de seus heróis, transgredindo, nesse ponto, as regras do gênero policial. Por isso mesmo, Jaime Bunda acaba por se revelar menos um detetive e muito mais uma personagem singularmente angolana e de asiada e teàhu a a .àTalà a a te izaç oàdoàdeteti eàp i ipalàe àJaime Bunda, agente

secreto também não nos parece apontar para o pertencimento da obra ao gênero policial

nos moldes convencionais.

A conjugação desses aspectos acima mencionados, relacionados com a estrutura da narrativa e com a caracterização do detetive, por sua quebra das regras que fundamentam o gênero, indicam que Jaime Bunda, agente secreto não é uma narrativa policial.

Outros elementos ficcionais muito importantes nas narrativas do tipo noir e onipresentes na obra que estudamos são a atmosfera profundamente distópica, os temas da

brutalidade, competição desenfreada, impunidade e desagregação de valores, a presença da

femme fatale, a corrupção social, especialmente entre os mais ricos, as assimétricas relações

de poder e o banditismo organizado.

Depois do desencanto causado pela Angola pós-1991, onde se deixaram para trás os sonhos de uma sociedade utópica e se abriu caminho para uma sociedade tão competitiva, brutal e distópica quanto a retratada nos romances noir, deve ter parecido ao autor de Jaime

Bunda, agente secreto que, no começo do século XXI, um romance que aproveitasse, mesmo

transgredindo-os, os elementos do gênero policial, encontraria motivos, temas e grande fôlego para falar comme il faut desse momento histórico da sociedade angolana.