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1.5 GÊNERO POLICIAL E SOCIEDADE: INTERTEXTUALIDADES, REPRESENTAÇÕES

1.5.2 Relações intertextuais e efeitos de sentido

Cada referência intertextual é o lugar duma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como qualquer outro, que faz parte integrante da sintagmática do texto – ou então voltar ao texto-origem, procedendo a uma espécie de anamnese...

Laurent Jenny

Citar, aludir, evocar, homenagear, reverenciar, criticar, destruir, mencionar, retomar, entre outros procedimentos de produção textual, como se sabe, são práticas de intertextualidade.

áà i te te tualidade ,àe te didaàa uià o oà aàp ese çaàdeàu àte toàe àout o , pode ocorrer através de simples referência ao nome de uma personagem até o aproveitamento mais ou menos explícito de episódios, características, temas, estilo, frases inteiras, linguagem, enredos. Como considera Laurent Jenny:

O que caracteriza a intertextualidade é introduzir a um novo modo de leitura que faz estalar a linearidade do texto. Cada referência intertextual é o lugar duma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como qualquer outro, que faz parte integrante da sintagmática do texto – ou então voltar ao texto-origem, procedendo a uma espécie de anamnese intelectual em que a refe iaà i te te tualà apa e eà o oà u à ele e toà pa adig ti oà deslo ado à eà originário duma sintagmática esquecida. Na realidade, a alternativa apenas se apresenta aos olhos do analista. É em simultâneo que estes dois processos operam na leitura – e na palavra – intertextual, semeando o texto de bifurcações que lhe abrem, aos poucos, o espaço semântico.

(JENNY, 1979, p.21)

E, para se efetuar a leitura não linear a que se refere Jenny, é preciso atentar para a natureza destas inserções. Pois, tais inserções ou retomadas de textos alheios podem ser realizadas através de procedimentos que tornem o resultado de tal operação, do ponto de vista de sua significação ideológica, próximo ou afastado do texto gerador.

Entre tais práticas textuais onde há derivação de um texto anterior, Bakhtin (2005, p.194) menciona a estilização e a paródia, num célebre trecho de Problemas da poética de

Dostoiévski, onde discute as diferenças entre esses modos de utilização do discurso de um

out o.àNaàestilizaç o,àes e eàele,àdepoisàdeà pe et a à aàpala aàdoàout oàeà elaàseài stala ,à a ideia do autor não entra em choque com a ideia do outro mas a acompanha no sentido

É diferente o que ocorre com a paródia. Nesta, como na estilização, o autor fala a linguagem do outro, porém, diferentemente da estilização, reveste essa linguagem de orientação semântica diametralmente oposta à orientação do outro. A segunda voz, uma vez instalada no discurso do outro, entra em hostilidade com o seu agente primitivo e o obriga a servir a fins diametralmente opostos. O discurso se converte em palco de luta entre duas vozes. [...] O estilo do outro pode ser parodiado em diversos sentidos e revestido de novos acentos, ao passo que só pode ser estilizado, essencialmente, em um sentido: no sentido de sua própria função.

(BAKHTIN, 2005, pág. 194)

Como se vê, Bakhtin destaca, no par paródia e estilização, a orientação semântica em oposição ao discurso de um outro, na paródia, e em sua consonância, na estilização. Preferimos utilizar, no entanto, para os propósitos deste trabalho, com um sentido próximo aoà ueà Bakhti à usaà pa aà estilizaç o à eà out osà auto esà pa aà pasti he ,à u aà de o i aç oà encontrada no estudo Paródia, paráfrase & Cia. (SANTáNNá, ,à ueà à pa f ase ,à aà medida em que esta nos parece ter um sentido mais estável do que estilização ou

pastiche , que admitem nuanças e variantes.

Pa f ase ,àpois,àse iaàaà ees itaàdeàu àte toàa te io àse àalte aç oàdeàseuàse tidoà inicial. Consequentemente, ao eixo da paráfrase pertencem as ideias de cópia, imitação, repetição, continuidade, reafirmação, reprodução, concordância, semelhança, identidade e sinônimo. Trata-se, na paráfrase, de dizer o que alguém já disse, não havendo, aqui, nem invenção, nem descontinuidade ou ruptu aàideol gi a.à “áNT áNNá,à ,àp.à -17; p. 28- 29; p. 41).

Por sua vez, pa dia à se ia,à aà a epç oà di io a izada,à aà i itaç oà i aà deà u aà o posiç oà lite ia (FERREIRA, 2004). Mais propriamente, é uma reescrita de um texto anterior, retomando-se dele certos elementos de sua caracterização, estilo, gênero, espírito, linguagem e clichês, com intenções de zombar ou de marcar uma diferença forte ou oposição em relação ao texto parodiado, ou ambas.

Para Linda Hutcheon, a paródia, contemporaneamente,

[...] passou a ser uma estratégia muito popular e eficiente dos outros ex-cêntricos – dos artistas negros ou de outras minorias étnicas, dos artistas gays e feministas – que tenham um acerto de contas e uma reação, de maneira crítica e criativa, em relação à cultura ainda predominantemente branca, heterossexual e masculina na qual se encontram (HUTCHEON, 1991, p. 58).

Paródia, portanto, é o oposto da paráfrase.

Cada um desses procedimentos intertextuais, como vimos até este ponto, mantém uma relação de continuidade ou afirmação, autonomia ou oposição ao texto anterior, o que acaba por estabelecer uma identidade contra ou a favor do modelo, que é também ideológica. A paráfrase, sendo uma continuidade, estaria próxima da ideologia do texto gerador, ao passo que a paródia, enquanto ruptura, se colocaria contra a ideologia do texto que parodia. De qualquer forma, paródia e paráfrase podem ambas propiciar aquela

anamnese (uma invocação voluntária do passado), como afirma Laurent Jenny (1979),

trazendo consigo a memória da cultura, com sua determinada orientação semântica.

Para efetuarmos a leitura da intertextualidade nas obras do corpus desta tese, estes dois tipos de operação textual, paródia e paráfrase, orientarão nossas análises.

No entanto, será sempre necessário um olhar cuidadoso aos eventos dos textos para não transformarmos uma excelente possibilidade de trabalho com os procedimentos intertextuais num esquema pré-dete i adoà deà i te p etaç o.à Poisà ual ue à odeloà estático seria uma camisa de força que empobreceria a leitura. E a leitura deve antes ser tão

iati aà ua toàaàes itu a à “áNT áNNá,à1985, p. 82).

Nesteà t a alho,àaàpala aà i te te to à à utilizadaà ue e doàsig ifi a à texto literário preexistente a outro texto e que é aproveitado, por absorção e transformação, na ela o aç oàdeste ,à o oà o sig adoà oàDicionário Houaiss Eletrônico da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2009).

E à seà t ata doà doà g e oà poli ial,à osà te tosà a i os à ouà i te te tos s oà principalmente norte-americanos e ingleses. Eles constituem, ainda que na sua diversidade de variantes, o modelo hegemônico com ou contra o qual, e a partir do qual, se efetua, das diversas formas que falamos aqui, esse diálogo intertextual.