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I. A DINÂMICA CONSTITUTIVA DA VONTADE

3. A VONTADE NA PÓS-MODERNIDADE

3.1. JEAN-FRANÇOIS LYOTARD: A FÉ NO DESEJO

Em Discours, figure (1971), temos a idéia em Lyotard de que o figural é uma força de figuração ou des-figuração e esta força é identificada com desejo. Dessa forma, Lyotard abandona o foco da fenomenologia da percepção e se volta para a psicanálise enfatizando que o desejo é em essência um trabalho de (des)figuração. O desejo é irredutível à fala, pois “é o olho que é a força. Tornar o inconsciente em um discurso é negligenciar a energética.”137

Tomemos o exemplo do processo de condensação no qual, em Freud, os pensamentos do sonho são comprimidos a um conteúdo lacônico breve. Para Lyotard, contudo, estes pensamentos estão ligados a um processo físico de condensação em que o volume de um objeto é reduzido. Ou seja, na figura dos pensamentos do sonho, os pensamentos são como coisas e, dessa forma, podem ser dobrados e amarrotados. O sonho pode então até ser uma distorção, mas nunca um disfarce pois o desejo não se esconde nos pensamentos do sonho. O que ocorre é que a própria energia do desejo o dobra, o comprime e o enruga, fazendo algo com ele.138

Temos então a compreensão de que o desejo não fala e que o sonho não é a linguagem do desejo mas sim seu trabalho. Com isto, Lyotard procura eliminar a oposição metafísica entre aparência e realidade: o desejo nunca é um segundo discurso ou um segundo mundo dentro do discurso. O desejo deve ser entendido mais como um “trabalho de desejo”, uma atividade na qual o desejo se des-figura a si mesmo, tornando-se manifesto ao mesmo tempo em que resiste qualquer apropriação cognitiva. O desejo não é outra coisa senão uma atividade de des-figuração.

A figura, portanto, está além da visão tradicional que a vê como aparência. A figura é o próprio jogo de aparecer e desaparecer no qual o desejo se figura continuamente. Trata-se de um evento que é em si mesmo da ordem da verdade na medida em que é algo que se manifesta, se figura ou é sentido como uma certa desfiguração violenta ou uma obstrução do discurso.

137 LYOTARD, Jean-François. Discours, figure – Taking the side of the figural. In: CROME, Keith & WILLIAM,

James. The Lyotard reader and Guide. Columbia New York, University Press, 2006, p. 38

Na obra “Économie libidinale” (1974), Lyotard utiliza-se da teoria freudiana da libido e sua energia para descrever as transformações que ocorrem na sociedade. Após romper com o marxismo e passar a rejeitar teorias totalizadoras, procurou desenvolver uma teoria que levasse em conta os desejos e forças múltiplas e diversas que operam em qualquer situação política ou social, seja a atividade de escrever teorias ou a da política revolucionária ou mesmo a da economia global. O que ele na verdade cria é uma ontologia dos eventos. Esta ontologia é o marco que se tornará a base para todos os seus esforços filosóficos posteriores.

Lyotard vê a realidade como se dando por eventos imprevisíveis e não por regularidades estruturadas:

“Após o evento, se poderá dizer que a pele libidinal é constituída de uma colcha de retalhos de órgãos, de elementos de corpos orgânicos e sociais; a pele libidinal inicialmente é como uma trilha-trator das intensidades, trabalho efêmero e inútil como um traçado de um jato no ar à 10.000 de altitude, com a exceção de que, diferente do traçado, ela é completamente heterogênea.”139

Estes eventos freqüentemente são interpretados de várias maneiras e nenhuma interpretação singular pode capturá-los apuradamente porque os eventos sempre excedem a interpretação. Há sempre algo que nos escapa. Isto se deve ao caráter altamente energético da libido: a sociedade humana é fruto de uma economia de energias libidinais.

Os termos “intensidades libidinais” e “afetos” são usados para se referir aos eventos. Estas intensidades e afetos são, na verdade, sentimentos e desejos.140 São processos primários da libido ou

do inconsciente – forças que existem no corpo no nível mais básico e anterior ao nível da consciência. Este nível libidinal primário é chamado de nível “zero” ou “zero silencioso”.141 São excitações soltas de força, desarraigadas, instantâneas e resistentes às sínteses temporais da memória.

Os desejos e os sentimentos, portanto, estão impregnados tanto no totalmente impessoal quanto no pessoal. Sentimentos e desejos não movem apenas as pessoas mas também o mundo todo. Se este é o caso, a força libidinal de Lyotard adquire um forte caráter metafísico, mas considerando-se que Lyotard é materialista, seus “afetos” devem ser entendidos como entidades

139 LYOTARD, Jean-François. Économie libidinale. Paris, Les Éditions de Minuit, 1974, p. 26 140 IDEM. Ibid., p. 23

materiais concretas. Um afeto pode ser um som, uma cor, um sorriso, um carinho142 – ou seja, qualquer coisa que tenha a capacidade de mover, de produzir sentimentos e desejos.

Apesar destes apontamentos de Lyotard se darem de modo descritivo, esta descrição da onipresença da libido é uma “ficção teórica”, uma figura que procura teorizar o que acontece no mundo. Seguindo sua descrição, os afetos são estruturados e interpretados em sistemas constituídos por “dispositivos” ou disposições libidinais. E a sociedade é composta de uma multidão de disposições diferentes que competem entre si a fim de explorar as energias dos eventos libidinais. Tais dispositivos ou disposições são aparatos de investimentos pulsionais:

“A positividade destes investimentos deve ser afirmada muito mais que a disparidade e a exclusão, etc. que eles produzem, – a positividade mais que o dis- de <<dispositivo>> – (...) A produção de novos operadores libidinais é o que vem a ser o positivo, mais que os <<efeitos de sentido>>, que são sempre relativos à exterioridade escolhida para descrever o dispositivo.”143

O positivo é uma postulação, um investimento, e o dispositivivo é uma disposição para investir, um catexe. Dessa forma, o dispositivo está sujeito aos movimentos e deslocamentos econômicos.

Para Lyotard, a economia libidinal começa no corpo. O corpo é, acima de tudo, libidinal em sua unidade, como se fosse uma imensa membrana aberta144 que não tem interior nem exterior pois está entregue ao dispositivo energético das pulsões.145 As intensidades libidinais começam no corpo e acabam se encontrando com os dispositivos que canalizam a energia libidinal. Esta área de encontro é naturalmente material assim como o corpo, embora não esteja ainda organizada. Este encontro também é figurado por Lyotard como sendo uma “faixa libidinal”, comparada à faixa de Moebio, na qual o desejo ou a intensidade libidinal ocorre na medida em que a energia circula de forma aleatória pela faixa. Ao contrário da forma da representação, a faixa é infinita e as intensidades correm por ela sem encontrar um término, sem se bater no muro de uma ausência. Não há nada que a libido careça para ser em sua realidade e tampouco carece de regiões para investir.146

Se o movimento circulatório é intenso, temos a intensidade libidinal que não distingue entre dentro e fora de si, a não ser quando ocorrem dobras e torceduras que acabam fechando a faixa em si mesma. Quando isto ocorre, temos a representação:

142 IDEM. Ibid., p. 66

143 LYOTARD, Jean-François. Des dispositifs pulsionnels. Paris, Union Generale D´Éditions, 1973, p. 153 144 IDEM. Économie libidinale. Op. cit., p. 10 a 11

145 IDEM. Ibid., p. 11 146 IDEM. Ibid., p. 12

“A representação não deve ser entendida como dados libidinais, mas resulta de um certo labor na faixa moebiana labiríntica – um labor que imprime estas dobras e torceduras específicas, cujo efeito é uma caixa fechada a partir de si mesma, filtrando impulsos e permitindo aparecer apenas aqueles no estágio que será conhecido como exterior, satisfazendo as condições de interioridade. A câmara representativa é um dispositivo energético.”147

Sobre as intensidades libidinais, a vontade não tem como querer ou não querer, pois está além de seu domínio. Em outras palavras, no labirinto das intensidades libidinais e suas diversidades, ficamos tão felizmente perdidos que nunca seremos capazes de exercer o querer com respeito ao libidinal como tal, e muito menos com pretensão de continuidade ou resolução assumida:

“A experiência de refinamento de desapossamento dos signos é um poder que não pode ser querido, pois, como tal, o desejo não pode ser assumido, aceito, entendido, trancado em nomes, pois estas intensidades que desejamos nos aterrorizam. Fugimos delas e delas nos esquecemos. E é exatamente desse modo que há uma revolução diferente em cada evento libidinal, diferente de todas as outras, incomparável: ao fugir do gozo-morte, o encontramos mesmo assim mais à frente, irreconhecível, imediatamente reconhecido, diferente, não querido por uma decisão deliberada, ao contrário, evitada, fugida, em terror de pânico nostálgico, e por isso, verdadeiramente desejado, inassumível. Terá de ser esquecido toda vez porque é insuportável, e este esquecimento significa que será ‘querido’, produzindo mudanças, a viagem das intensidades e retorno para além da identidade.”148

É somente através de uma instância outra, altera, mas ainda libidinal, chamada de “o grande zero”, que a singularidade de uma intensidade pode se tornar um sinal comunicável e interagível. O grande zero é um dispositivo específico e insistente na faixa libidinal. Com a desintensificação de sua rotação, a faixa se dobra formando um volume teatral-representativo que elabora uma construção de dentro e fora, aparência e essência, signos e significados. O dentro passa a ser considerado ultimamente em termos do que acontece fora. O grande zero é uma das mais importantes figurações com respeito ao “externo”, e serve como um termo geral que pode ser comparado ao mundo das formas platônicas, ou comparado a Deus, ou aos modos autênticos de produção, ao falo, etc. Todas estas instâncias, apesar de suas diferenças, são efeitos da desaceleração da fixa libidinal, todas remetendo a intensidade libid inal da faixa a um outro lugar que elas parecem carecer por estarem confinadas na interioridade de seu próprio volume.149 Dessa forma, o grande zero é um centro vazio que reduz a complexidade presente do que acontece instantaneamente na faixa a uma câmara de presença-ausência.150 É neste sentido que Lyotard conclui que todas as teorias de significação são fundamentalmente nihilistas.151

147 IDEM. Ibid., p. 11 148 IDEM. Ibid., p. 30 149 IDEM. Ibid., p. p. 11 a 14 150 IDEM. Ibid., p. 18 e 27 151 IDEM. Ibid., p. 64

Se é assim que a representação ocorre na faixa, ela é nada mais que uma construção teatral. Trata-se de vetores energéticos que formam o cubo teatral com suas seis faces homogêneas na única superfície heterogênea. O teatro representativo é o teatro do poder, onde as satisfações trapaceiam o desejo, originando-se deste suposto senso de falta.152 Assim, se o movimento é lento, ele possibilita a formação de um senso disjuntivo que distingue entre o isto e o não-isto.153 Neste movimento lento, temos a possibilidade da formação do pensamento racional, dominado pela lógica binária e pela lei da não-contradição. Se a faixa parar completamente, temos então a criação de um espaço fechado no qual o dispositivo libidinal faz surgir a representação e a teoria. Neste espaço fechado temos um “dentro” e “fora” – uma clara disjunção entre isto e não-isto.

“Não se pode assumir uma posição na faixa labiríntica, eletrizada e torcida. É necessário colocar na cabeça o seguinte: tanto a instanciação das intensidades em um Nada original, em um Equilíbrio, quanto o retro-dobrar-se de partes completas na faixa libidinal moebiana, na forma de um volume teatral, não ocorrem a partir de um erro, de uma ilusão, de uma maldade, de um contra-princípio, mas novamente de um desejo. É necessário perceber que a representação é desejo; que colocar-se no palco, numa jaula, na prisão, numa fábrica, numa família ou ser encaixotado, são coisas desejadas; que a dominação e a exclusão são desejadas; que as extremas intensidades são instanciáveis nestes arranjos também. (...) Precisamos conseguir entender isto sem rejeição, uma vez que é justamente a rejeição, a exteriorização, que prolonga a teatralidade como uma sombra lançada sobre a banda libidinal. Esta rejeição é necessariamente concomitante à instalação do ponto de vista no Zero, no centro vazio, o lugar onde tudo é considerado visível –inteligível, lugar do saber.”154

Mesmo nesta oposição, que é marcada por uma “barra” de operação e desintensificação volitiva, não estamos fora dos ditames do inconsciente, uma vez que tais oposições são polimórficas, efêmeras e materialmente tênues.

Temos então a possibilidade da energia libidinal em forma estável e em forma intensa/agitada. A forma estável tende a suavizar a forma intensa e a forma intensa busca agitar o estável. A faixa é o espaço onde tais intensidades tornam-se dispositivos de arranjos libidinais. Todos os sistemas e estruturas desaceleram e esfriam a faixa.155 Um exemplo disso pode ser visto na maneira como

instituições políticas canalizam os desejos de mudar a sociedade para vias moderadas, menos desmanteladoras, e não para irrupções violentas e de rompimentos. Os sistemas negam suas próprias origens e se concebem como se fossem estáveis e permanentes. Os sistemas dissimulam os afetos. Mas, inversamente, os afetos dissimulam sistemas. Sistemas e afetos dissimulam um ao

152 IDEM. Ibid., p. 12 153 IDEM. Ibid., p. 25 154 IDEM. Ibid., p. 20 a 21 155 IDEM. Ibid., p. 22 a 23

outro. Em outras palavras, os sistemas procuram conter e esconder os afetos, mas estes contêm e escondem a possibilidade de se formar sistemas. A economia libidinal é uma economia de duplicidade porque seus elementos, lentos ou intensos, estão sempre à perscruta de possibilidades. Somente aquilo que é essencialmente tensão pode desencadear possibilidades. Mas é importante ressaltar que, apesar desta distinção, se o centro enfraquece as intensidades desta maneira, ele é, apesar de tudo, em si mesmo, um arranjo específico da força libidinal.

A preocupação de Lyotard é apontar que as estruturas que exploram as intensidades libidinais tendem a se tornarem hegemônicas e monopolizadoras quanto às interpretações das intensidades. Esta tendência é limitadora e niilista na medida em que negam a plena potencialidade expressiva das intensidades:

“O signo está emaranhado no nihismo, o nihilismo se procede por signos; continuar a insistir no pensamento semiótico é estacionar na melancolia religiosa e subordinar cada emoção intensa a uma ausência e cada força a uma finitude.”156

O equívoco está no fato de a política, as convenções sociais e as disposições estruturadas presumirem ser elas mesmas as reais estruturas da realidade ou possuírem as interpretações corretas dela. E quando isto ocorre, as possibilidades de mudança ficam minimizadas e enfraquecidas. A mudança, para Lyotard, é o caminho que a vida encontra para se afirmar e tudo o que inibe a mudança é negação da vida, é niilismo. Mas vangloriar os afetos, as singularidades e intensidades da energia libidinal por sobre os sistemas, estruturas, teoria, conceitos e representações é um caminho delicado, pois o único modo pelo qual as energias libidinais podem existir é em uma estrutura. O que se procura é a percepção de que todas as estruturas contêm energia libidinal como uma potencialidade sub-explorada que aguarda ser liberada e fluir em novas estruturas. Quando isto ocorre, temos o evento. O evento sempre contém mais possibilidades para interpretação e exploração do que qualquer estrutura única possa conter.

Assim, mesmo a tentativa de encerrar a libido em limites estreitos ou repressivos, como fez a tradição, é ela também uma figura do desejo, embora certamente não a única. Ora se o corpo é isto, a opção então não é discutirmos ou preferirmos entre uma economia libidinal contra outra visto que ela se encontra em tudo como uma “proliferação totalmente pulsional”, seja nas trocas capitalistas, na política, nos anseios marxistas, na ciência, etc. O que devemos fazer é afirmar a intensidade dos afetos, a superação de estruturas a fim de que os eventos possam adquirir sua potencialidade máxima de expressão e de competição de interpretações e disposições. A liberação de energia libidinal nas estruturas cria novos eventos. Considerando-se que o evento é imprevisível, não

podemos controlar a maneira pela qual será liberado. O que podemos fazer é “agir passivamente” de forma a estimular o máximo de liberação da intensidade nas estruturas. Isto pode se dar na multiplicação dos gêneros de discurso, o que dificultará uma estrutura ge ral dominante. É na própria interioridade das estruturas vigentes que a subversão pode ter a chance de ocorrer efetivamente, contanto que haja experimentação com as próprias formas estruturais.

Dessa forma, Lyotard possui um otimismo erótico bem oposto à visão de uma sociedade opressiva de Marx ou do caráter repressor da civilização de Freud. Na pós-modernidade como um todo, para Lyotard, “não está em jogo exibir verdades no cercado da representação, mas criar perspectivas no retorno da vontade.”157 Os desejos nas produções de nossa civilização são, na verdade, “reflexos antropológicos de uma realidade ontológica: a ‘instanciação’ da infinitude na vontade.”158

Contudo, a sugestão de Lyotard parece ser que a vontade deva escapar das armadilhas da engenhosidade do conhecimento e seus significados, pois estes freqüentemente fazem com que a emoção perca sua força, seu senso de infinitude e ganhe um senso de “estar sempre em déficit”. Sua sugestão é a potencialidade estonteante do jogo corpóreo a fim de que se possa cultivar tensões que tomem as formas compreensivas para além do inútil mercado de trocas de representações. O conhecimento deve se render aos efeitos contínuos e energéticos das tensões do desejo. Temos a primazia da vontade como desejo sobre a vontade como saber. A vontade como desejo estabelece uma certa impossibilidade às estruturas para se firmarem sobre seus próprios pés, rejeitando não apenas a possibilidade de qualquer posição meta-crítica super-abrangente, mas também evitando o risco da própria possibilidade de auto-expressão da vontade para se estruturar fixamente com o que delimitamos e logramos no desejo. O objetivo é privilegiar o elemento vertiginoso do desejo. A isto Lyotard chama de “ordem supra-semiótica de tensores” (L’ordre dês tenseurs hors sémiotique).159 Isto demonstra o otimismo de Lyotard com respeito à deriva libidinal e sua descrença para com qualquer proposta alternativa ou legitimadora do conhecimento, pelo menos quando contraposto com o libidinal:

“Conceitos como o Ser e o Nada pelos os quais os filósofos e sacerdotes nos equiparam como o maximum e optimum da consciência ou conhecimento ou sabedoria, e graças aos quais as intensidades vivazes e mortíferas que nos transpassam tornam-se descreditadas, é o desejo que os produz. Não são os conceitos que produzem o desejo em relação a eles. Estas intensidades não procedem absolutamente de ilusões de mudança de investimento no círculo imóvel que cerca o conceito; ao contrário, elas

157 ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999, p. 31.

158 LYOTARD, Jean-François. Tombeau de l’intellectuel et autres papiers, Paris, 1984, p. 80, In: Anderson, Perry. As

origens da pós-modernidade. Op. cit., p. 40

podem engendrá-lo como o centro de uma disposição concentratória também chamada de o próprio corpo, ou sociedade, universo, capital, o bom Deus. O pensamento do jogo, do grande Jogo, jogo do desejo e jogo do mundo – permanece ainda inteiramente instanciado no Zero e de lá faz seu esforço supremo por pensar.”160

Para Lyotard, um signo subordina as intensidades (ações ou emoções) a uma ausência, a um significado ou a um significante alheio aos quais o signo se refere a fim de que tenha um valor de sentido, um valor semiótico. Dessa forma, o signo ou se refere ou se submete a um outro lugar, substituindo algo ausente para alguém. Dessa forma, o que Lyotard procura é reintroduzir no signo uma tensão que o impeça de obter uma designação ou sentido unitário e suas conseqüentes sub- séries de sentidos calculáveis. O signo deve permanecer fiel às intensidades incompossíveis,161 que têm a capacidade de informá-lo e excedê-lo. O tensor produz este efeito. Afinal, o próprio signo é também um tensor. Dessa forma, podemos dizer que, para Lyotard, reverenciar a questão da representação é uma queda, um colapso, uma debilitação ou enfraquecimento das intensidades, algo necessário para o discurso filosófico ou mesmo o teológico.162 As palavras deveriam servir como intensidades e não tanto como significações.

Assim, o efeito libidinal não tem alvo porque não tem causa. Ele reconfigura a intenção estruturalista a que Lyotard chama de dissimulação do signo163; ou seja, no modo de se engajar

numa semiótica vertiginosa, não devemos teorizar um outro tipo de signo. Os signos que já temos são mais que suficientes. Em suas palavras, “os signos não são apenas termos ou etapas colocados em relação e explicitação de um trajeto de conquista; eles podem também ser, indissociavelmente, intensidades singulares e vãs em êxodo”.164 No fundo, o homem é “indiferente à prioridades e causalidades, que são formas de culpa.”165 Entender e ser inteligente não é nossa paixão maior. O que o homem na verdade espera é ser colocado em movimento, como numa “dança, sem composição ou notas, mas na qual os gestos do corpo seriam, com a música, seu timbre, sua altura, intensidade e duração, e suas palavras (pois dançarinos são também cantores); a cada ponto uma relação única, fazendo a cada momento um evento emocional.”166