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I. A DINÂMICA CONSTITUTIVA DA VONTADE

2. O QUE-É-QUE-NÃO-É-QUE-NÃO-PODE-SER: A crise da vontade inserida no

2.1. ACOMPANHANDO UM POUCO A TRAJETÓRIA E ANSEIOS PÓS-MODERNOS

2.1.2. Proliferação – difusões e confluências (anos 70)

2.1.2.1. Pós-modernismo sem vanguarda

Foi Ihab Hassan, de origem egípcia e que havia sido um dos primeiros colaboradores da revista, quem iria reunir e revitalizar as ênfases de Olson e Spanos. De início, buscava um modernismo de expressão reduzida. Coroou-o de literatura do silêncio, procurando estabelecer a mediação entre a “tradição do novo” e os desenvolvimentos literários pós-guerra.44 Porém, a partir

de 1971, imprime uma noção de pós-modernismo, com características amplas de tendências que radicalizavam ou rejeitavam as principais ênfases do modernismo.45 Ele expandiu os limites, explorando e reconfigurando as artes visuais, a música, a tecnologia e a sensibilidade em geral. Teve predileção por John Cage, com sua estética do silêncio. Fez uma investigação das mais variadas direções do pós-modernismo, chamando-as todas de anarquias do espírito, pois subvertiam as excelsas verdades do modernismo. Argumentava que, se há uma unidade presente no pós-moderno, ela está no jogo entre indefinição e imanência.46 Em 1980, elaborou um rol ilustrativo que delineava a diferença entre os paradigmas modernos e pós-modernos. Foi um dos primeiros a fazer a pergunta das mais significativas: “O pós-modernismo é apenas uma tendência artística ou também fenômeno social? E como se juntam e separam os vários aspectos desse fenômeno – psicológicos, filosóficos, econômicos, políticos? Podemos entender o pós-modernismo na literatura sem alguma tentativa de perceber os delineamentos de uma sociedade pós-moderna?”47 Apesar de não dar resposta consistente a estas perguntas, tinha claro que o pós-modernismo era uma virada literária e que poderia ser distinguido tanto das vanguardas de rebeldia boêmias já consagradas, como o cubismo, o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo; quanto do divinizado e distante modernismo. Ele é um tipo de acomodação entre a arte e a sociedade.

À esta altura, uso do termo “acomodação” suscita de nós algumas perguntas: o que se quer dizer com acomodação? Seria o pós-modernismo uma crítica sem política? Hassan justificava-se pela sua aversão à raiva ideológica e à prepotência dos dogmáticos religiosos e seculares também. “Há na política”, dizia, “uma ambivalência que pode sobrecarregar nossas reações à arte e à vida em geral”48 Considerava que os críticos marxistas acabavam se submetendo ao “jugo de ferro” da ideologia mesmo apesar de seu determinismo social. Possuem um preconceito coletivista e a desconfiança sobre o prazer estético. A política, por sua vez, perdeu praticamente seu significado.

44 HUYSSEN, Andréas. Mapeando o pós-moderno. Op. cit., p. 32 45 ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Op. cit., p. 25 46 Ibid., p. 25 a 26

47 HASSAN, Ihab. The postmodern turn – essays in postmodern theory and culture. Ohio State University Press, 1987,

p.89-90

Termos como “esquerda e direita, base e superestrutura, produção e reprodução, materialismo e idealismo” tornaram-se inúteis e só perpetuam o preconceito.

Contudo, toda esta rejeição de Hassan não foi motivo para fechar os olhos de sua preocupação social. Apesar de ter estendido a percepção pós-moderna a todas as artes, percebeu um limite no pós-moderno – ele estava barrando a passagem ao social. Esta tendência o incomodava, apesar de ter sido detectada e arrolada em sua sinopse inicial. Seu descontentamento e abandono do cenário pós-moderno no fim do anos 80 foi motivado pela visita a uma exposição de design com o título Estilos 85. Havia coleções vastas de objetos pós-modernos que iam de clipes de papel a iates, numa vasta área de paródia, ironia e humor. Em 1987 escreveu: “O pós-moderno mudou, dando, a meu ver, a guinada errada. Encurralado entre a truculência ideológica e a ineficácia desmistificadora, preso no seu próprio kitsch, o pós-modernismo tornou-se uma espécie de zombaria eclética, refinada lascívia de nossos prazeres roubados e descrenças fúteis.”49 Seja como for, foi nos anos 70 que o termo pós-moderno ganhou um curso mais geral. Este uso iniciou-se primeiramente na arquitetura e depois alcançou a dança, o teatro, a pintura, o cinema e a música.

Tanto o pós-modernismo dos anos 60 quanto o dos anos 70 apresentaram uma crítica a certo elemento específico do modernismo. Contudo, podemos fazer a distinção entre o pós-modernismo dos anos 60 e das décadas seguintes. Nos anos 70, o pós-modernismo perdeu seu potencial vanguardista que havia herdado dos anos 60 para dar lugar à cultura do ecletismo, a um pós- modernismo muito mais afirmativo, que havia desistido de qualquer vontade de crítica, transgressão ou negação. A retórica do vanguardismo havia se extinguido rapidamente nos anos 70. Na nova década, houve uma mudança na trajetória do pós-modernismo, ainda que não seja tão preciso o ponto de demarcação que separa estes dois períodos.

Algumas características básicas, presentes nos anos 60, se perderam nos anos 70. O sentido de revolta futurista, como buscava Fiedler, havia desaparecido. As vanguardas do pop, do rock e do sexo também haviam perdido seu fulgor iconoclasta devido à sua grande circulação comercial. Também desapareceu o otimismo com a tecnologia, a mídia e a cultura popular. A televisão e a propaganda passaram a ser vistas como poluição e não como panacéia. Mas o que crescia era a dispersão e disseminação cada vez maior, em especial nas artes, de práticas que operavam a partir das ruínas do edifício modernista. Era a investida contra idéias modernistas, saqueando seu

vocabulário, impregnando-o com imagens e temas ostensivamente aleatórios, mas de origem de culturas pré-modernas e não-modernas ou da cultura de massa contemporânea.50

Huyssen expressa de forma muito perspicaz a espécie de semi-vida a qual foi submetido o estilo moderno:

“Todas as técnicas, formas e imagens modernistas e vanguardistas estão agora armazenadas para recuperação imediata nos bancos de memória computadorizada de nossa cultura. Mas esta memória também armazena tudo da arte pré-moderna, bem como os universos de gêneros, códigos e imagens das culturas populares e da moderna cultura de massas. A grande divisão que separava o alto modernismo da cultura de massas, codificada nas várias explicações e análises do modernismo, já não parece relevante para as sensibilidades artísticas e críticas pós- modernas.”51

Com a tentativa de abolir a divisão entre formas superiores e inferiores de cultura, a confrontação entre o “mau” realismo socialista e a “boa” arte do mundo livre começou a perder sua validade ideológica. Isto já havia sido proposto na década de 60, mas foi somente nos anos 70 que os artistas efetivamente se aproximaram de formas e gêneros populares e da cultura de massas, incrementando-os com elementos modernistas e vanguardistas. Assim, aumentou-se cada vez mais o consenso de que a cultura de massas fosse reconhecida, analisada e libertada do dogma modernista de que toda a cultura de massas é monoliticamente popularesca, psicologicamente regressiva e destruidoras de mentes. Havia grande entusiasmo promissor nesta direção tanto na arte quanto na literatura. Após um tempo, com algumas exceções, tudo resultou num grande fiasco. Entretanto, a resposta a isto foi a alegação de que nem o modernismo por sua vez havia conseguido produzir unicamente trabalhos magistrais.

O que nos interessa enfocar aqui é este breve mas intenso ímpeto das artes, da literatura, do cinema e das mulheres na busca de formas e tradições enterradas e mutiladas, de formas novas de subjetividade baseadas em gênero, raça e peculiaridades locais, numa recusa a se aterem a padronizações, acrescentando elementos novos à crítica do alto modernismo e às formas alternativas de cultura.52 Contudo, apesar destas e algumas outras expressões, é evidente que, sob o

rótulo de pós-moderno, os anos 70 foi palco das mais variadas expressões acríticas que, neste aspecto, não se distinguiam do comportamento modernista que procuravam repudiar. Entretanto, apesar desta tendência majoritária, é necessário admitir que nem tudo foi só isso. Da mesma forma em que não é possível enclausurar o modernismo num rótulo de “cultura capitalista decadente”, tal reducionismo também não deveria ser aplicado ao pós-modernismo

50 HUYSSEN, Andréas. Mapeando o pós-moderno. Op. cit., p. 43 51 Ibid., p. 44

52 Sobre a importância das mulheres neste contexto, ver HUYSSEN, Andréas. Mapeando o pós-moderno. Op. cit., p. 46

Esta atitude de ecletismo, de desistência da crítica e da transgressão tornou-se, paradoxalmente, a própria proposta pós-moderna de resistência alternativa, crítica e ne gadora – o não-vanguardismo e não-modernismo.53 O que resta sabermos é em que consiste esta atitude e que tipo de alternativa e crítica são possíveis na própria desistência da crítica. O que é esta perspectiva de crítica sem crítica? Há de fato uma perspectiva ou uma prospectiva de resistência na pós- modernidade? Esta questão será retomada e discutida no próximo capítulo. Atravessamos um período de crise ou de oportunidade? Trata-se de comodismo, passividade, ou uma forma peculiar, sub-reptícia, mas present e, de resistência? É a vontade ainda penetrando autenticamente novos terrenos e possibilidades diante de um quadro novo de situação, ou vive ela um intenso processo de desintegração?

Seja como for, pós-moderno foi o termo que se encontrou para descrever esta situação. Ele quer expressar, antes de mais nada, “um esgotamento da modernidade”54 Mas isto precisava ser olhado mais de perto e melhor compreendido. Era necessário compreender melhor o que havia ocorrido como nova condição de uma era que já não parecia a mesma.

A tentativa de compreensão em busca da gênese histórica da pós-modernidade nos coloca ainda uma pergunta: É possível identificar os elementos históricos como de fato os verdadeiros determinantes da pós-modernidade? O sentimento de que a cons ideração histórica explica muito sobre a questão pós-moderna, mas não a esgota suficientemente, estimulou um número de autores que se propuseram a debatê-la na busca de compreensão do caráter desta nova condição. O termo pós-moderno, como vimos, surgiu na literatura, mas com sentido diverso. Logo a seguir, ampliou-se a todas as esferas da arte. Não demorou muito para que extrapolasse a arte e chegasse na teoria, na política, na economia, no comércio, nas modas, plasmando cosmovisões, mudando a forma e os hábitos das pessoas, até mesmo a forma de ir aos museus, de se relacionar com o passado, o presente e o futuro.