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2. QUADRO TEÓRICO

2.3 Audiência, apreciação e satisfação no contexto dos estudos sobre televisão

2.3.1 A escolha, apreciação e satisfação do espectador

2.3.1.2 Juízos de valor Centrados no filme

Os gestores de organizações estão habituados a conceber qualidade em termos de características que diferenciam os produtos em relação às quais os consumidores unanimemente atribuem o mesmo valor. Este princípio permite estabelecer lógicas valorativas como “um carro mais seguro é melhor que um carro frágil” ou “uma casa grande é melhor que uma casa pequena”.

Esta forma de encarar o conceito de qualidade no caso dos filmes, é muito difícil de ser usado porque não é unânime aceitar que um filme longo é melhor que um curto ou que um filme com actores conhecidos é melhor que outro onde actuam actores desconhecidos.

Neste capítulo propomos fazer um levantamento dos conceitos de qualidade usados pela crítica cinematográfica, e pelas instituições do estado que usam as qualidades do texto como principal critério para fazer juízos de valor.

O tipo de estudos sobre comunicação que se centra essencialmente nos sistema simbólico do texto é a semiótica. Aqui não há lugar a considerações sobre o autor ou sobre os usos e interpretações feitas pelo espectador do texto.

A semiótica tem como objecto de estudo as componentes

expressivas ou significantes das manifestações culturais, deixando para as outras disciplinas humanas aspectos funcionais, utilitários, históricos, míticos dos objectos e das manifestações culturais. (Rodrigues , 1991, p.27)

Estudo da forma da expressão e da forma do conteúdo que os objectos culturais apresentam ou, se preferirmos, o estudo do arranjo, da organização específica que as manifestações do

sentido apresentam, de maneira a identificarmos adequadamente o sistema que dê conta dessas manifestações, deixando às outras disciplinas o cuidado de estudar a substância da expressão e a substância do conteúdo. (Hjelmslev 1961, citado por Rodrigues, 1991, p.26)

O enfoque da semiótica no texto é claro nas propostas de definição que Adriano Duarte Rodrigues e Louis Hjelmslev apresentam para limitar a área de estudo da semiótica.

Quando a análise da mensagem assume e aceita que há organizações dos textos e das histórias melhores que outras então surgem os cânones da narrativa e da forma do discurso.

Neste caso as teorias são aceites como um dogma e sobre elas os autores sugerem o método pelo qual o autor deve criar o filme de forma a que o seu trabalho seja eficiente e através do qual produza uma obra conforme aos cânones.

Mendes (2001, p.260), refere estes trabalhos, do campo da narrativa cinematográfica, como manuais de como fazer, sem que seja alguma vez posta em causa o cânone que serve de modelo ao trabalho produzido.

Representativos desta corrente são os autores norte americanos como Syd Field, Robert Mckee, Cristopher Vogler, entre outros, que usam cânones para narrativas cinematográficas inspirados em Aristóteles e Propp. Uma vez definidos os traços gerais do cânone do filme ideal estes autores, com imensa experiência profissional como argumentistas para cinema, preocupam-se em indicar métodos de trabalho, para que seja possível construir eficazmente uma obra que respeite os cânones. Além de modelos artísticos existem também padrões legais para avaliar filmes através da análise do objecto filme. É o caso dos critérios usados pelo estado português para o financiamento dos primeiros filmes de longa metragem. A Portaria n.º 481/2001 regula o apoio financeiro selectivo à produção cinematográfica de primeiros filmes de longa metragem de ficção.

Neste caso os critérios para financiar a produção consistem nas seguintes qualidades intrínsecas:

- Qualidade artística e cultural do argumento - Originalidade e capacidade de inovação - Potencialidades de comunicação

Além disso também são ponderadas as seguintes qualidades extrínsecas: - O Currículo do realizador

- O Currículo do produtor

- Equilíbrio e consistência da previsão orçamental do projecto

É de salientar que entre o critério para obter o subsídio às primeiras longas metragens e o critério usado para classificar um filme de qualidade existe apenas um eixo axiologico comum.

O eixo comum é a qualidade artística, no entanto as vertentes temáticas, pedagógicas e técnicas não são consideradas pelo júri constituído pelo ministério da cultura constituído por personalidades de reconhecido mérito.

A definição legal de espectáculos de qualidade está descrita no diploma que regula actualmente a classificação de espectáculos e divertimentos públicos que é o decreto- lei n.º 396/82 de 21 de setembro e posteriormente actualizado pela portaria nº245/83 de 3 de Março.

A classificação dos filmes resulta de uma avaliação das características intrínsecas dos filmes e visam fazer uma classificação etária, uma classificação de qualidade e identificação de filmes pornográficos.

A classificação etária dos filmes é uma prática habitual em todo o mundo e visa adequar os filmes ao estádio de desenvolvimento do indivíduo definidos por critérios psicogenéticos.

Os critérios segundo os quais é feita esta classificação não faz parte do âmbito de estudo desta trabalho pelo que vamos dedicar especial atenção ao processo de classificação de filmes de qualidade.

O primeiro capítulo do decreto-lei n.º 396/82 faz uma ressalva em que exclui à partida dos critérios de classificação de filmes o eixo ideológico.

É obrigatório todos os filmes destinados à exibição pública serem classificados e o órgão responsável por esta função é a Comissão de Classificação de Espectáculos que faz parte da Inspecção geral das actividades culturais.

Em Maio de 2002 a Comissão de Classificação era composta por cerca de quarenta funcionários encarregues de observarem e classificarem os filmes segundo o critério de faixa etária, de qualidade e assinalarem os filmes pornográficos.

O processo pelo qual é avaliado o filme passa por um visionamento do mesmo feito por cinco observadores. No final da sessão é feita uma acta onde é feita a apreciação do filme.

Até ao ano 2000 os filmes classificados de qualidade não tinham argumentos

justificativos para essa classificação. Depois dessa data já é feita referência a qual ou quais dos quatro critérios usados se deve a classificação de qualidade.

Os quatro critérios axiológicos usados para verificar se um filme é de qualidade estão sobre os eixos artístico / estético, temático, pedagógico e técnico.

Embora a lei seja omissa, foi-nos confirmado pelo director da Comissão de

Classificação, que basta um dos critérios anteriores se verificar para o filme receber a classificação de qualidade.

É de salientar que a legislação recusa a noção de filme como objecto de belas artes que só tem como propósito ser belo. Do ponto de vista legal o filme para ter qualidade, quer seja obra de arte ou objecto comunicacional, tem características e temáticas, pedagógicas e técnicas que vão para além da forma.

Artigo 1º - 1 – A classificação dos espectáculos e divertimentos públicos obedece ao disposto no presente diploma e a outras normas legais aplicáveis, não podendo, em caso algum, a

O texto original do capítulo 3 da portaria em causa tem a seguinte redacção:

Esta lei deixa no entanto uma grande margem de subjectividade sobre os elementos intrínsecos que devem ser identificados no filme para ele obter a classificação de qualidade.

Segundo o responsável da comissão de classificação, (em Maio de 2002), não existe nenhuma lista mais pormenorizada que concretize o que está na lei. Pelo que a classificação é feita baseada exclusivamente no decreto de lei nº245/83.

No entanto, estes critérios constituem um quadro axiológico que com recurso ao senso comum pode ser concretizado no quadro seguinte ressalvando no entanto que se trata de uma das leituras possíveis desta lei.

A crítica estética é outra forma de fazer juízos de valor analisando apenas o filme ou programa de televisão. A crítica estética defende que a crítica da arte é apenas formal, isto é apenas avalia a beleza da obra (Encyclopaedia Britannica, volume 2. P.85).

Esta corrente crítica não faz juízo sobre a representação, expressão, verdade, saber, implicações morais ou sociais da obra criticada.

Art. 8º Serão classificados de qualidade os espectáculos que pelos seus aspectos artístico, temático, pedagógico e técnico mereçam esse atributo.

Nas artes narrativas não há princípios absolutos que condicionem a forma.

Geralmente o artista segue ou desvia-se de convenções e não de leis. É no entanto possível destinguir princípios gerais que o espectador percepciona num sistema formal de um filme.

De seguida fazemos referência a alguns princípios formais descritos por Aristóteles na Poética e outros referidos por Bordwell e Thompson (1993).

Unidade Orgânica para Aristóteles ou Função para Bordwell e Thompson (1993, p.36).

Unidade é não existirem elementos soltos no interior da narrativa.

Quando todas as relações que nos apercebemos no interior de um filme são claras e interligadas podemos afirmar que o filme tem unidade.

Complexidade ou diversidade.

Uma parede branca tem unidade mas não complexidade. A repetição AAAAAA... é aborrecida por isso é preciso introduzir alterações ou variações na sequência dos elementos.

Tema e variação temática.

A repetição ABCADEA... não é caótica porque tem o elemento (A) que se repete e serve de tema. A unidade e variedade estão em equilíbrio quando há um tema central.

A repetição funciona para o filme como o ritmo para a música. O termo para descrever repetição formal é motif. Podemos observar a repetição de diálogos, músicas, posições de câmara, comportamento de personagens etc.

Desenvolvimento ou evolução.

O padrão ABACAD... é baseado na repetição e diferença mas também no princípio da progressão.

Para avaliar como um filme se desenvolve podemos comparar o princípio e o fim, analisando as semelhanças e as diferenças.

A crítica moral de objectos de arte pressupõe que primeiro se devem identificar as propriedades morais da obra de arte e depois fazer o respectivo estudo em relação às normas vigentes.

Este tipo de análise e juízo vai para além da ideologia porque assume que há valores humanos superiores a qualquer tipo de valor formal, comunicacional ou outro.

Por exemplo, este tipo de crítica perante um filme onde haja um elogio à pedofilia ou prostituição desvaloriza a obra em causa pelo aspecto moral mesmo que no aspecto formal o filme seja positivo.

A análise de conteúdo dá atenção ao significados do discurso audiovisual deixando de fora a forma e a estrutura do texto pelo que um filme segundo esta óptica não perde valor se for visto em cinema ou em televisão.

Monod (Monod citado por Aumont e Marie 1993, p.132) propõe a propósito dos textos teatrais dividir a análise de conteúdo em 3 aspecto:

1º o Tema é a resposta à pergunta “do que se fala?” 2º A fábula é a resposta à pergunta “o que se conta?”

3º A tese ou o conceito de Controlling idea de Robert McKee (1997, p.114) é a resposta à pergunta “o que se diz?”

Na análise de conteúdo o crítico interessa-se mais pelo o que diz a história do que pelo como do discurso filmico. Este método de análise baseia-se no cânone estético do realismo.

Um filme só terá qualidade se falar dos temas relevantes e a sua importância será determinada pela importância dos argumentos usados na defesa da tese que o filme pretende transmitir.

O mérito desta prática reconhece os efeitos sociais do cinema e o emprego positivo da arte do filme.

A crítica psicológica também está centrada na análise da mensagem e caracteriza-se pelo interesse exclusivo que revela para com uma “realidade” já não exterior mas interior, quer dizer, a realidade psicológica das personagens que actuam no filme. A verdade humana das personagens é o aspecto mais importante deste tipo de análises.

A crítica psicológica analisa a coerência das personagens em termos de necessidades e comportamentos.

A Crítica estruturalista dedica-se à análise do modelo de narrativa. Aqui o importante não é a história mas a forma de a narrar.

Figura 11. Axiologia da critica psicológica. Figura 10. Axiologia da critica de conteúdo.

Aumont e Marie (1989) denomina este tipo de crítica como análise do modelo de narrativa. Este tipo de crítica empenha-se em desmontar e em reconstruir a estrutura do filme na esperança de compreender o segredo nele oculto e de fazer luz sobre a lógica “combinatória” que regula as relações entre as unidades significantes do texto. Estamos ao nível da sintaxe do discurso e não da história.

É de salientar que o cânone Americano e Europeu sobre como narrar histórias não coincidem completamente para o caso do filme. Neale (1981) e Bordwell (1979) referem que depois da segunda grande guerra os críticos e o circuito cinematográfico das pequenas salas de cinema que exibiam cinema alternativo introduziu um novo cânone para os filmes de qualidade que passava a ser caracterizado por uma atenção especial ao estilo visual do filme, a supressão de acção no sentido usado pelos filmes produzidos em Hollywood, o enfoque nas personagens em detrimento da intriga, e a interiorização do conflito dramático.

Em termos comparativos McKee (1997) destingue o cânone americano do europeu chamando-lhes design clássico ao modelo tipo do cinema produzido em Hollywood e miniplot ao modelo que melhor caracteriza o cinema europeu. Segundo este autor os dois modelos distinguem-se pelas seguintes razões:

- O Design clássico de uma história significa que ela é construída com um

protagonista activo que tem conflitos externos para satisfazer um desejo. A acção desenrola-se ao longo do tempo, dentro de uma realidade ficcional consistente regida pela causalidade. O fim é fechado e acarreta uma mudança irreversível.

- O design narrativo de um filme europeu baseia-se nas características de miniplot que segundo McKee se caracteriza por fins abertos, conflito interno, muitos protagonistas e protagonistas passivos.

A Crítica textual é um método comparativo. Estuda a micro estrutura do significante dentro da macro estrutura da obra do autor ou do género.

Ao contrário do estruturalismo a crítica textual lê o filme sem o fragmentar e relaciona-o com todos os outros textos.

É uma óptica intertextual que analisa constantes e variantes nos significantes das várias obras comparadas.

Usando estes e outros critérios é possível encontrar listas dos melhores filmes da história do cinema publicadas em livros e em páginas da internet como sejam:

Movie & Video Guide. (Maltin, 1998)

The A List 100 Essential films (Carr, 2001)

100 Best Films of the Century (Norman, 1992)

The BFI 100 (BFI, 2003)

A selecção e juízo de valor são feitos por críticos de cinema, associações de críticos, cinematecas e algumas através do voto dos espectadores anónimos.

Geralmente estas listas de “os melhores” são acompanhadas dos critérios que foram usados para eleger os filmes seleccionados.

Em baixo transcrevemos os critérios do American Film Institute (AFI, 1998) a título de exemplo. Esta selecção pretende distinguir os 100 melhores filmes dos EUA do período entre 1912 e 1996.

a) Filmes de narrativa ficcionada com mais de 60 minutos de duração. b) Filmes falados em inglês com produção significativa dos EUA. c) Filmes reconhecidos formalmente pela crítica escrita.

d) Filmes intemporais que continuam a satisfazer os espectadores, com base em audiência no cinema, televisão e venda e aluguer de vídeo.

e) Significância histórica no sentido de serem filmes que constituíram um marco em termos tecnológicos e processos narrativos.

f) Filmes com impacto cultural na sociedade americana.

g) Prémios obtidos no sentido de serem filmes reconhecidos e premiados.

Neste capítulo fizemos referência a oito enfoques diferentes de fazer a análise crítica de um filme que usam dezoito eixos axiológicos.

Identificámos os grandes modelos teóricos segundo os quais são produzidos e avaliadas as histórias e narrativas presentes nos filmes e nos programas de televisão segundo os modelos do Design clássico e miniplot (McKee, 1997, p.45)