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O programa de televisão é uma linguagem e um suporte de diferentes

2. QUADRO TEÓRICO

2.2 Definição do objecto de comunicação “programa de televisão narrativo”

2.2.1 O programa de televisão é uma linguagem e um suporte de diferentes

Propomos definir o programa de televisão narrativo por comparação com outros objectos comunicacionais. A música por exemplo é construída sobre a sucessão de sons no tempo mas não tem um caracter representativo por outro lado as artes plásticas baseiam-se bastante sobre os mecanismos da representação mas não se desenvolvem no tempo por isso solicitam do espectador uma percepção espacial de uma representação plástica estática. Um filme ou um programa de televisão reúne, a temporalidade e a representação espacial além de associar estas duas características à transmissão verbal da informação.

Será então que o texto audiovisual é uma linguagem autónoma ou um suporte de diferentes linguagens e formas de expressão visuais e sonoras?

Os Argumentos usados para negar que o texto audiovisual seja uma linguagem comparável à verbal são que:

- As palavras de uma língua são em número limitado, mas não há um grupo limitado de signos audiovisuais. (Monaco, 2000, p.64)

- Os signos icónicos visuais representam objectos ou acções concretas, enquanto que as palavras mesmo quando designam objectos significam sempre conceitos

abstractos. Por exemplo quando se mostra uma casa num filme o significado verbal é “eis esta casa concreta”, quando se usa a palavra “casa” numa linguagem verbal significa um “esquema mental” com porta, telhado, janela etc. (Metz, 1977, p.79) - Não há uma gramática que rege a articulação dos signos audiovisuais, mas apenas regras de estilo. (Monaco, 2000, p.64)

- Na linguagem verbal ou escrita não existe qualquer relação analógica entre o som e o respectivo significado ou entre a representação gráfica da palavra e o significado enquanto que na linguagem audiovisual o significante (representação fotográfica de um objecto ou acção) e o significado (objecto ou acção) são análogos.

No entanto existem argumentos que defendem que os registos audiovisuais usam uma linguagem como sejam:

- A “não linguagem” do filme desempenha as mesmas funções da linguagem verbal no contexto da comunicação. (Monaco, 2000, p.64)

- O filme não tem gramática mas tem um sistema de códigos. (Monaco, 2000, p.64)

- Há formas visuais primárias que têm associado um significado conotativo abstracto tal como as palavras como seja:

- Um circulo é o referente do significado harmonia; Um quadrado representa solidez; uma linha quebrada significa agressão; uma linha vertical significa poder e uma linha diagonal significa dinamismo.

- As cores têm significados diferentes em função da sociedade humana onde são usadas. Por exemplo o branco significa pureza no ocidente e luto no médio oriente.

- As representações visuais têm significados socio-culturais. Por exemplo um desenho de uma mulher nua no mundo ocidental pode ir para um museu, enquanto que num pais islâmico vai para a fogueira.

- O filme usa sistemas de sinais e códigos de alguns outros sistemas de comunicação. (Monaco, 2000, p.64)

Outro argumento que defende que os textos audiovisuais são uma linguagem chama a atenção para que só podemos considerar que o significante é igual ao significado se não tivermos em conta que há significações simbólicas ou metafóricas. (Mitry, 1990, p.495)

Por isso só quando analisamos uma representação visual em cinema ao nível da denotação é que podemos afirmar que o cinema não é linguagem. Se aceitarmos que existem leituras conotativas das imagens então o significante pode significar algo diferente do que o objecto que representa. É por exemplo o caso do trenó no filme Citizen Kane (Wells, 1941) em que devido ao contexto em que é usado, a

representação visual do objecto representa muito mais do que um simples trenó. Outro argumento para justificar que um texto audiovisual é linguagem consiste em que o significado do filme não depende de uma imagem isolada mas sim de uma relação entre a sequência ordenada das imagens.

A imagem de um objecto ao contrário da palavra não tem um sentido fixo. O imagem só significa algo para lá do objecto que representa em virtude do contexto em que é

usada. Por isso não faz sentido fazer um dicionário de imagens visto que o significado depende do número infinito de contextos em que é usada.

O efeito Kuleshov7 (1899 - 1970) demonstra que as imagens de objectos ou acções são usados como signos de conceitos mas que por sua vez variam de significado em função do contexto onde o filme os mostra.

Um outro factor que leva Mónaco a considerar que a imagem fotográfica é uma linguagem é porque a sua interpretação envolve um processo de aprendizagem tal como foi demonstrado por experiências antropológicas feitas nos anos 20 levadas a cabo por William Hudson junto de comunidades rurais africanas que tinham

experimentado pouco ou nenhum contacto com a cultura ocidental e que não liam as imagens como os europeus.

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Kuleshov, Lev Vladimovich., cineasta argumentista e teórico do cinema, 1899-1970. Segundo (Passek, 1995, p.1239) o efeito Koulechov afirma que através da montagem o cineasta pode criar o significado da expressão de um actor. Para demonstrar esta afirmação Koulechov criou três sequencias de dois planos que começavam todas com o plano de um rosto de um actor e que na primeira versão era sucedido por um plano de um prato vazio, na segunda versão era sucedido pelo rosto uma mulher num caixão e na terceira versão era sucedido pelo plano de uma rapariga. O resultado é que o espectador ao ver a mesma expressão do homem associado aos tres planos diferentes atribuia tres significados diferentes à expressão do actor no primeiro plano. O que mostra que o significado do plano não depende só do seu significado inenrente.

8 Traduzido do inglês: “The irony here is that we know very well that we must learn to read before we can attempt to enjoy or understand literature, but we tend to believe, mistakenly, that anyone can read a film. Anyone can see a film, it´s true. But some people heve learned to comprehend visual images – physiologically, ethnographically, and psychologically – with far more sophistication than have others.”

A ironia é que nós sabemos muito bem que temos que aprender a ler antes de tentar gostar ou perceber a literatura, mas tendemos a acreditar, erradamente, que qualquer pessoa pode ler um filme. Qualquer pessoa pode ver um filme, é verdade. Mas algumas pessoas aprenderam a compreender imagens visuais – fisiológicamente, etnográficamente e psicologicamente – com muito mais sofisticação do que outras pessoas. (Monaco8, 2000, p.157)

Existem também argumentos da socio-linguística9 no sentido de confirmar que um texto audiovisual é uma linguagem. Ao conceber a língua como instrumento de comunicação social, maleável e diversificado a socio-linguística considera que uma língua não é um sistema linguístico unitário mas sim um conjunto de sistemas linguísticos a que se chama DIASSISTEMA.

Cunha e Cintra (1984) definem Diassistema como o sistema onde se inter-relacionam diversos sistemas e subsistemas de linguagem.

Temos deste modo que o texto audiovisual tem capacidades para conter vários sistemas simbólicos de comunicação e não apenas a linguagem verbal. Em paralelo ou em sequência o texto audiovisual contém um conjunto de sistemas linguísticos que faz dele um Diassistema.

Metz (Metz, citado por Monaco, 2000, p.212) identificou cinco canais de informação que podem coexistir em simultâneo no acto de assistir a um filme. (Ver figura 1) O registo audiovisual que serve de suporte para o texto audiovisual pode servir de

suporte para linguagens humanas escritas e faladas além das representações musicais, visuais e sonoras dos objectos reais.

Em conclusão sobre a linguagem usada pelo texto audiovisual linear podemos sintetizar os seguintes princípios:

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Sociolinguistica: ramo da linguistica que estuda a lingua como fenomeno social e cultural. (Cunha e Cintra, 1984)

- O texto audiovisual pode conter diversas linguagens transmitidas em cinco canais e só por isso faz dele um texto concreto construído com base em mais do que uma linguagem.

- No caso específico do drama audiovisual linear não ser portador de nenhuma linguagem verbal ou escrita, continua no entanto a ser uma linguagem visual uma vez que os signos são representados pelas imagens e estão associados a significados denotativos e conotativos. Os significados conotativos têm uma relação abstracta com o significante constituído pela representação fotográfica de objectos e acções.

- A vantagem da linguagem visual usada pelo drama audiovisual linear é mais universal, ao nível denotativo, que os signos verbais precisamente porque a relação signo – referente não é abstracta.

- Um filme não é uma linguagem no sentido usado para as línguas faladas ou matemática. (Monaco, 2000)

- Não é necessário aprender o vocabulário da linguagem do filme(Monaco, 2000). Isto implica que o leitor de um livro tem uma grande liberdade para imaginar o significado de uma palavra enquanto que o espectador do filme está perante um significante com um significado denotativo bastante específico e concreto.

- A linguagem verbal está mais bem equipada para significar ideias não concretas e abstracções. (Monaco, 2000, 161)

- A linguagem cinematográfica é especialmente dotada para transmitir informação precisa sobre realidades físicas. (Monaco, 2000, p.162) É suposto que as pessoas que conhecem a reduzida gramática da linguagem dos filmes terem maior capacidade para descodificar significados a partir do texto que percepcionam. No entanto temos que realçar que é mais relevante o espectador saber interpretar a realidade do que os conhecimentos que tem sobre gramática do

audiovisual. Isto é, por exemplo ver uma paisagem marítima quer num filme quer na realidade é descodificado de forma diferente por um pescador em comparação a um crítico de cinema. Queremos dizer com isto que saber ler as representações dos

objectos no filme é uma capacidade que reside mais na capacidade do espectador saber interpretar a realidade do que conhecer a gramática da linguagem audiovisual. Em síntese podemos concluir que o filme quer seja ou não uma linguagem, é

funcionalmente semelhante a uma linguagem. Por isso é possível usar alguns dos métodos de estudo das linguagens verbais e não verbais para analisar o filme.